Por Luciana Xavier Sans de Carvalho[i]
Boa noite, Dona Deolina!
Aqui é a Luciana, amiga de sua filha Sônia[ii] e pretendente a amiga da família “de Jesus” toda: Cida, Marlene, Mariza, Marta, Marcos e Marcelo. Ah! Incluída a “netaiada” também! Como é fofo seu netinho Pierre, hein?
Todo mundo gostaria que a senhora estivesse aqui para poder abraçar Sônia, mas tenho certeza que a senhora pode ver tudo aí dos Céus e que se olharmos cuidadosamente para cima é capaz de pegarmos a senhora escrevendo #sonialivre nas nuvens.
Essa semana faz um ano que conheci Sônia…Um ano do início da ação fiscal de seu resgate. Tudo bem! Eu sei que ainda não está do jeito que a senhora gostaria e tanto lutou para alcançar, mas as coisas já lá vão se ajeitando! Eu não planejei ou atuei no resgate, mas me chamaram para acompanhar Sônia. Para ajudar a achar um lugar seguro para ela e um lugar que permitisse sua convivência educacional e comunitária. É que eu sou coordenadora dos Projetos de Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mundo do Trabalho, Aprendizagem Profissional e Combate ao Trabalho Infantil aqui em SC pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Temos uma rede de proteção e luta por direitos bem forte aqui. O pessoal é bem bacana! Em Osasco/São Paulo, onde a sua família mora, a rede também é forte e unida! Na causa da inclusão a gente sabe que se não agirmos em rede, e com amor e luz, a coisa não vai!
Sônia e eu temos quase a mesma idade e temos muitas coisas em comum! Gostamos de desenhar, recortar, dançar! Somos sorridentes e estamos aprendendo libras. Verdade que ela começou agora e eu parei…mas estou tentando voltar…
Essa semana foi lançada a Campanha Global pela Liberdade de Sônia[iii]! Minha nossa! Só para o lançamento, a campanha recebeu 170 vídeos de várias cidades e países. Até gente de Hong Kong gravou, acredita? Um parceiro tinha um belo e elegante cocar e uma parceira vestia um sari, roupa da Índia! Mulheres brancas, negras, pardas, com e sem deficiência! Acho que mais mulheres que homens, mas estes também presentes! Pessoal dos sindicatos, instituições e movimentos sociais! Gente novinha, crianças, pessoas idosas e falando línguas diferentes! Muitas pessoas surdas! A comunidade surda abraçando Sônia! E a turma do trabalho doméstico? Em peso também! Acho que conseguiu ter uma ideia da diversidade e amor em torno da causa, né?
Eita! Não posso despedir ainda. Nem consegui falar da live![iv] 3 horas de pura luta e emoção! Acho que a pessoa mais nova foi o Alex Sandro intérprete de libras, 27 anos. A interpretação ficou por conta dele que é do Rio de Janeiro e da Cris, do Ceará. Gente nos bastidores, chat e na tela! A mediação ficou por conta da Dra. Mylene que é presidenta do IPEATRA- Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho e do Marcelo Zig, presidente do Quilombo PcD. Como tenho aprendido com essa presidência! Marcelo conheço uns meses na frente de Dra. Mylene, mas com ajuda dos dois tenho aprendido muito sobre racismo e outros “ismos” que temos que abolir. Zig também tem deficiência como a Secretária Anna Paula Feminella da Secretaria Nacional das Pessoas com Deficiência e que também preside o Conade- Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência. A Anna, que nasceu em Florianópolis, conheceu Sônia. Ela esteve aqui junto com o Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania – Sílvio Almeida que também quis saber como estava Sônia e como o Ministério poderia contribuir.
Depois da Secretária, foi ouvido o Martín Nieves que é professor e atualmente Coordenador Executivo da Secretaria de Deficiência de Montevideo – Uruguai. Acredita que ele foi responsável pela organização da Secretaria sobre Deficiência do Plenário Intersindical de Trabalhadores da Convenção internacional de Trabalhadores? Martín trouxe dados de seu país e disse que no mesmo dia que marcava um ano da ação fiscal de libertação de Sônia, o Uruguai homenageava Amelia Sanjurjo, detida e desaparecida durante a ditadura Uruguaia, dando a ela enterro digno após 50 anos. Dia de muitas emoções Dona Deolina. Como Martín fala espanhol, a querida Patrícia Almeida foi sua voz em português! Muito legal né? Patrícia criou a belíssima Campanha “Eu me Protejo”![v] É um projeto de educação para prevenção contra a violência na infância! Esse projeto está cobrindo o Brasil! É um orgulho! E Patrícia e sua filha Amanda e toda a turma também estão engajados por Sônia.
Eu acabei esquecendo do meu quase xará, Dr. Luciano do MPT. O Ministério Público do Trabalho é um grande parceiro da Auditoria Fiscal do Trabalho. Atuamos irmanados a outros parceiros como a Defensoria Pública da União, a PF, a PRF, o MPF e muitos outros como a Pastoral da Terra, a Cáritas, sindicatos, etc..no combate ao trabalho análogo ao de escravo. A ação de resgate de Sônia foi coordenada pelo meu colega Auditor, Humberto Camasmie. Ele também atuou no resgate da Madalena Georgiano, a Madá! Ela já gravou #sonialivre! Fiz uma volta, né? É que meu colega Humberto, de quem Sônia gostou de cara, foi afastado da ação… e, infelizmente, denunciado por quebra de sigilo. Mas o que Humberto falou no Fantástico já estava em todo canto. O próprio desembargador falou sobre o caso no Tribunal de Justiça. Circulou em grupos até um vídeo com imagens de Sônia. Tudo antes do Fantástico. E ao Fantástico, Humberto falou junto com a Dra. Lys Sobral, também do MPT. A entrevista foi dada dentro do MPT em SC.
Bom, o Dr. Luciano Aragão eu já conhecia por sua boa fama como Coordenador de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho, mas gostei mais dele ainda o ouvindo durante a live! Ele explicou muito bem sobre a Política Pública de Enfrentamento ao Trabalho Escravo Moderno. Disse que no caso de Sônia, tudo foi seguido de acordo com a legislação e o fluxo da política. Disse que todos os parceiros responsáveis pelo resgate de Sônia foram unânimes em dizer que ela foi mesmo escravizada. E que não existe essa de “quase da família” não, viu? Relações de trabalho devem ter respeito, podem ter afeto, mas ainda assim são relações de trabalho.
Frei Xavier veio logo depois. Ele disse que era o mais velho da turma do bloco 1, mas no bloco 2 tivemos a querida Valderez Monte, minha colega e referência para toda a Auditoria Fiscal do Trabalho brasileira. Ela tem 79 anos. Acho que o Frei e Valderez podem ser os mais velhos dos blocos 1 e 2, mas ambos são crianças na disposição em travar os bons combates pelos Direitos Humanos e pela LIBERDADE de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Voltando ao Frei, tudo que ele falou nos marcou muito. Fez a gente pensar! Como a Sônia poderia ser filha do Desembargador e de sua esposa e não da senhora, mas não ter recebido nem educação? E a saúde? Contaram que infelizmente Sônia não ia ao postinho e que não tinha plano de saúde. Que perdeu dentes e que tiveram que tirar raízes de suas arcadas… Como assim? A Marta sua caçula explicou muito bem que a senhora deu sim educação a Sônia. Que a senhora fez seu possível! Que Sônia frequentava a creche onde recebia educação. Que a senhora só permitiu que a sogra do desembargador a ajudasse pois confiou nela. O trato seria a Sônia ficar um tempo com a senhora Maria Leonor até a senhora se organizar, né? Fique tranquila, nós todos sabemos e sua família sabe! Marta falou que se lembra de suas andanças atrás de Sônia. Ia ser muito difícil achá-la, Dona Deolina. Não se culpe! Ela só foi ter identidade em 2019. Não estava nos registros de escolas, postos de saúde, votação. Como a senhora iria achar, né? O Frei falou isso! Os filhos biológicos do desembargador fizeram universidade. Sônia nem aprendeu a ler, escrever ou falar em libras. Ficou analfabeta. Já seus filhos, Dona Deolina, mesmo não sendo a senhora uma mulher de posses, estudaram! Todos lêem, escrevem, comunicam-se com desenvoltura e têm uma vida comunitária intensa! A senhora tem filha com universidade concluída! Filho Técnico em Segurança do Trabalho! Como são unidos! E todos muito bonitos! Como a Senhora e Sônia! E mesmo em comunidade humilde, a turma cresceu toda bem! Trabalham, estudam, construíram suas famílias!
Meu Deus, já estou na terceira página e nem terminei de contar! Valdirene participou da live, deixando todo mundo querendo dar um abraço forte nela! Falou das inúmeras violações que sofreu no trabalho análogo ao de escravizada doméstica. Foi muita dor, mas a mensagem dela foi de transformar luto em luta e de esperança! Falou que foi acolhida pelo sindicato das empregadas domésticas, citou nomes como o de Creuza e que está com Sônia e a família de Jesus e não abre mão! Além de lutar, vai estudar direito e Dra. Mylene disse que quer estar lá na entrega da carteirinha dela de advogada. Carteirinha da OAB. Eu gostaria também! E quem sabe a família de Jesus? Valdirene é da sua terra, Dona Deolina! Da Bahia e hoje cuida de assuntos jurídicos do Sindidoméstico/BA.
Para terminar veio a minha musa! Valderez Monte! Sei que parece que sou suspeita, mas não é não, viu? Valderez libertou mais de 2400 trabalhadores e trabalhadoras de situação de trabalho escravo, coordenou mais de centena de equipes móveis de combate ao trabalho análogo ao de escravo e além de tudo é muito simples, generosa e amiga! Estamos juntas no Coletivo Trabalho por Elas e no Instituto Trabalho Digno! Ela é tão bacana e conhecida que estou pensando em colocar no currículo apenas a frase após meu nome: Amiga de Valderez Monte! Ela concluiu sua fala dizendo que em várias fazendas de onde foram libertados trabalhadores, o gado era mais bem cuidado. Gado vacinado, com comida e água boa, documentado, com médico veterinário à disposição… Já os trabalhadores, disse que a maioria não tinha sequer documento. Eram chamados por apelidos…
Mas Sônia está florescendo, aprendendo, recebendo educação, cuidados de saúde, conhecendo sua família e despertando para uma vida intensa e de convivência comunitária!
Amada e querida por pessoas ao redor do mundo que torcem por ela!
#sonialivre! #ficacomDeusdonadeolina! Estamos aqui com a senhora, Sônia e toda a família de Jesus!
Veja a história de Sonia Maria de Jesus nesta matéria do Fantástico https://globoplay.globo.com/v/11691561/
[i][i] Auditora Fiscal do Trabalho, Conselheira do Instituto Trabalho Digno e Membro da Frente Nacional de Mulheres com Deficiência e do Coletivo Trabalho por Elas. Coordenadora das Semanas Inclusivas Santa Catarina pela Superintendência Regional do Trabalho em parceria com o MPT SC, 48 anos.
[ii] Sônia Maria de Jesus, trabalhadora, mulher de 50 anos, com deficiência, surda, negra, analfabeta em libras e português e trazida de São Paulo para Santa Catarina ainda na infância, foi resgatada do trabalho doméstico análogo ao de escravo no dia 6 de junho de 2023 da casa da família de um Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em Florianópolis.
A ação foi coordenada pela Auditoria Fiscal do Trabalho e executada em conjunto com – Ministério Público do Trabalho -MPT, a quem chegou a denúncia previamente analisada, Defensoria Pública da União- DPU e apoio policial da Polícia Federal e judicial do Ministério Público Federal.
As instituições foram unânimes em compreender a situação como trabalho análogo ao de escravo.
A sra. Sônia, após resgate, foi para casa de acolhimento para mulheres vítimas de violência e inserida na Associação de Surdos da Grande Florianópolis para aprender libras e socializar.
A família do Desembargador entrou com pedido perante o Superior tribunal de Justiça -STJ para visitar a Sra. Sônia na casa de acolhimento e levá-la de volta. O STJ autorizou a visita, decidindo que havendo manifestação inequívoca de Sônia para retornar à casa de onde foi resgatada, o mesmo poderia ocorrer. A DPU entrou com Habeas Corpus -HC junto ao STF para que o encontro não ocorresse, alegando razões como impossibilidade de uma vítima regularmente resgatada de situação análoga a de escravo retornar ao local da violação de direitos, impossibilidade da Sra. Sônia manifestar sua vontade de forma livre e informada, violação à lei Maria da Penha entre outras razões. A visita ocorreu antes do julgamento do HC no STF e a Sra. Sônia retornou para a casa do Desembargador. Após seu retorno, o HC foi julgado pelo Ministro André Mendonça que o negou. O mérito do HC será julgado pela segunda turma do STF.
[iii] https://linktr.ee/sonialivreoficial
[iv] Mylene Ramos Seidl – Presidenta do IPEATRA – Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e Ministério Público do Trabalho
Marcelo Zig – Mergulho Cidadão e Quilombo PCD
Luciano Aragão – Coordenador de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho
Anna Paula Feminella – Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência – Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania
Martín Nieves – Coordenador Executivo da Secretaria de Deficiência – Montevideu, Uruguai
Frei Xavier Plassat – CONATRAE/TO
Elisabete Aparecida Pinto – Núcleo de Estudos e Pesquisa – Ações Afirmativas e Assistência Estudantil
Marta Maria de Jesus – Irmã de Sonia Maria de Jesus
Valdirene Boaventura – Sindidoméstico/BA
Valderez Monte – Auditora Fiscal do Trabalho aposentada