Pictogramas ou criptogramas Olímpicos?

Uma análise visual dos pictogramas de Paris 2024

* Cecilia Quental e Patricia Almeida

A grande discussão no momento é sobre a aparência do uniforme da delegação brasileira das Olimpíadas. Internautas estão postando versões feitas por inteligência artificial generativa.

exemplo de uniforme feito com ia. mulher com roupa estamapda verde e amarela
exemplo de uniforme feito com ia. figura com macacão com capuz azul, branco, verde e amarelo.

Uniforme reimaginado por inteligência artificial generativo (IA) pela artista Hanna Inaiáh (@hannainaiah) e o Estúdio Édem (@edenstudio42)

Mas ninguém está falando dos pictogramas!

E vamos combinar, tem muita coisa a falar.

Nas Olimpíadas de Tóquio de 1964, os japoneses se deram conta que a maioria dos turistas não conseguiam ler japonês. Então eles projetaram pictogramas, que hoje cumprem uma função importante de sinalização e comunicação dos jogos olímpicos.

pictograma de figura humana fazendo ginástica olímpica.

Ilustrações de sinalização das Olimpíadas Melbourne 1956 e os pictogramas das Olimpíadas Tokyo 1956

Os pictogramas são pequenas imagens de figuras reconhecidas, mas simplificadas. Ao bater o olho, o pictograma deve comunicar, de maneira sintética, clara e direta, sem o apoio de texto escrito.

O que antes eram ilustrações, relativamente complexas, dos atletas praticando seus esportes, foram substituídas por pictogramas simples mas fáceis de identificar. Nas Olimpíadas e Paralimpíadas do Rio, em 2016, não foi diferente. 

 Pictogramas das Olimpíadas do Rio 2016

Se avaliarmos os pictogramas ao longo dos anos, vemos que alguns são mais fáceis de identificar do que outros, mas uma coisa se mantém: a figura humana.

Pictogramas das Olimpíadas desde 1964

Corta para Paris 2024. O que aconteceu? Os pictogramas são mais parecidos com criptogramas, impossíveis de decifrar!

Pictogramas das Olimpíadas de Paris 2024

A figura humana desapareceu. Os desenhos, difíceis de entender em tamanho grande, são impossíveis de identificar em versão pequena.

O cérebro humano reconhece imagens e textos através de seu repertório cultural e contextual. Ao ver uma imagem, o cérebro resgata o significado em seu acervo de memória. A figura humana é facilmente reconhecida por pessoas, independente do contexto que está inserida.

Então, quando uma figura amplamente conhecida é substituída por desenhos diferentes, que não fazem parte do cotidiano do espectador, há um processamento mental maior para identificar a imagem.  

Ah, mas achei bonito!

Pode-se argumentar que sim, é ousado substituir as figuras humanas por aparatos de esporte, que a simetria dos pictogramas agrada o olhar. Mas eles estão cumprindo sua função?

Projetos de pictogramas geralmente são extensos, pois precisam manter o padrão da identidade visual do evento e ao mesmo tempo passar por diversas fases de testes de usabilidade para garantir que a mensagem chegue. 

Há inúmeras técnicas de pesquisa de experiência do usuário (UX) para testar a compreensão. Uma das mais conhecidas é a regra 80/10, que diz que o  pictograma precisa ser interpretado corretamente por 80% das pessoas, com 10% das pessoas interpretando o oposto.

Quando há interpretação equivocada ou demorada, é preciso redesenhar o pictograma para atender sua função.

Projeto dos pictogramas das Olimpíadas do Rio 2016

O design de comunicação visual não é apenas estético, ele tem o propósito de informar. Se não está realizando sua função, se torna apenas decoração.

No caso dos Jogos Olímicos de Paris, decifrar os pictogramas virou uma nova modalidade.

Ganha uma medalha de ouro quem adivinhar que esporte o pictograma abaixo simboliza…

Resposta: Surfe!

* Cecilia Quental é designer social, ativista e especialista em design simples.
Patricia Almeida é jornalista, mestre em estudos sobre deficiência, ativista e especialista em Linguagem Simples.
As duas são autoras do guia Simples Assim, Comunique com todo mundo, publicado pela Fiocruz.

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