O que a neurociência tem a ver com design?

E o que você, como designer, deveria levar em consideração ao criar projetos.

Texto de Cecilia Quental


Experiência Estética

Há muito tempo reflito sobre como funciona nossa percepção do mundo por meio do olhar.

Começou com meu TCC sobre fake news (realizado na pandemia), tentando entender como as imagens são capazes de nos enganar. De lá pra cá, mergulhei no poder das imagens e como elas nos impactam.

Foi assim que descobri o trabalho de Anjan Chatterjee, neurocientista indiano que estuda por quê os nossos cérebros são tão atraídos pela beleza. No livro The Aesthetic Brain: How We Evolved to Desire Beauty and Enjoy Art (CHATTERJEE, 2013)1, Chatterjee investiga desde o fascínio por “indivíduos considerados atraentes” até a variação da percepção de beleza na arte e na arquitetura.

Numa pesquisa em particular, ele separou dois grupos para observar rostos enquanto seus cérebros eram monitorados. O grupo de controle tinha o trabalho de identificar se haviam rostos familiares. O outro grupo tinha que identificar rostos que consideravam esteticamente praseráveis.

O Chatterjee descobriu, no entanto, que a região do cérebro que “ativa” ao encontrar rostos “belos” também ativou no grupo controle.

Ele conclui que o cérebro categoriza rostos belos porque, em termos evolutivos, a beleza seria sinônimo de saúde.

Pense na cauda de um pavão, que evoluiu com sinais visuais que comunicam inteligência, percepção, destreza e outras características desejadas2 em um parceiro. Ou seja, a beleza tem uma utilidade em estimular a diversidade genética.

“Beleza é o produto daquilo que é útil”,
diz Chatterjee (CHATTERJEE).3

Com isso temos uma predisposição à estética enraizada em nosso cérebro, que transferimos para o dia a dia em nossa sociedade.


Cultura, Contexto e Cor

O que achamos bonito também é afetado pela nossa cultura, segundo Chatterjee. O que eu considero esteticamente atraente difere do gosto de outra pessoa completamente. Isso vai além de gosto: chega até às cores.

No universo de design, a gente estuda sobre cor, como a gente vê cor e como usá-la de uma forma que traga harmonia para uma composição. É ali que entendemos como usar cor para direcionar o usuário. Um exemplo disso é o uso da cor vermelha para destacar erros e decisões sérias, como apagar o seu perfil no Facebook.

Porém, essas noções não são universais mas moldadas por nossas culturas. Conforme o capítulo “Color” da Wiley International Encyclopedia of Anthropology (2019)4, algumas sociedades não têm uma palavra para “roxo”, porque não faz parte do contexto. Se você for à Suécia, verá que eles têm dezenas de vocábulos para diferentes tons de branco, quando por aqui costuma ser só “branco” e, no máximo, “off-white”–a não ser que você faça parte da indústria de tintas ou casamentos, claro.

Então, não é apenas nossa cultura que afeta a percepção de beleza, mas a própria linguagem – e como nossos contextos transformam a linguagem ao nosso redor.5


Tríade Estética

Mas como funciona na prática?
Segundo Chatterjee, a experiência estética tem três pilares:

  1. Cores: tons vibrantes e chamativos, capazes de capturar o olhar.
  2. Sentimentos e Emoções: o que aquilo desperta em você
  3. Domínio: o domínio da técnica artística.

Cores vibrantes atraem atenção, um exemplo disso é o colete de um trabalhador de estradas na cor laranja neon com detalhes que refletem luz.6

Os sentimentos e emoções gerados ao apreciar a beleza de alguma coisa se revelam na pele arrepiada quando você ouve uma música marcante, ou nas lágrimas que um poema provoca.

Finalmente, a técnica: a admiração pelo domínio de uma arte. Quando você assiste uma performance de dança bem coreografada com ótimos bailarinos. Isso também se aplica ao esporte, quando acontece um “golaço!”.

Designers trazem essa tríade para seu trabalho inconscientemente, ao invés de aplicar com propósito e responsabilidade. Precisamos sair do piloto automático.


Neurociência e o comunicador visual

Para nós designers, saber que a beleza é fundamental à condição humana é uma ótima notícia. Mas que tal nos aprofundarmos no que acontece no cérebro do nosso público quando vê nossos projetos visuais?

O artigo “Brain Processes Sentence Structures as Fast as Visual Scenes”, esclarece que, ao olhar uma imagem, nosso cérebro ativa simultaneamente três níveis de processamento (NEUROSCIENCE NEWS, 2024)7:

  1. Nível inferior: extração de profundidade, linhas e cores localizadas.
  2. Nível intermediário: surgimento de movimento, formas e matizes mais complexas.
  3. Nível superior: análise conceitual e contextual, buscando familiaridade e sentido.

Tudo isso em frações de segundo. E não é só com imagens: o cérebro interpreta palavras como padrões visuais, nas mesmas regiões do cérebro responsáveis por rostos e cores (NEUROSCIENCE NEWS, 2024).

Quando há muitos estímulos – seja uma multidão ou um livro de “Onde está Wally?” – a taxa de disparo neuronal aumenta, mas o sentido só emerge quando focalizamos em algo específico.

É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, considerando que isso tudo acontece na nossa cabeça em menos de um piscar de olhos (aproximadamente 120 milésimos de segundo).

Visualmente falando, o que funciona melhor em termos de processamento cerebral é um sinal objetivo, simples e sem distrações em volta competindo pela nossa atenção. Cheio de espaço.

Sinto informar aos colegas apaixonados pelo maximalismo (eu inclusive), mas, biologicamente, menos é mais, e isso a gente pode ver se aplicar pesquisas voltadas à experiência do usuário.


Design com proposito

Nossos cérebros procuram padrões para guiar o olhar, então devemos compor nossas mensagens visuais conforme o que o cérebro prefere, caso contrário, não computa.

Tamanho, espaçamento, cores, tipografia, posicionamento e contraste são elementos que precisam ser padronizados e organizados de modo a deixar a ordem de leitura implícita.

A white paper with black text

AI-generated content may be incorrect.

É a 10ª lei do designer alemão autor do “Good Design”, Dieter Rams8:

“Um bom design é o mínimo de design possível. Menos, mas melhor – porque se concentra nos aspectos essenciais e os produtos não são sobrecarregados com elementos não essenciais.”

Vivemos em um sistema capitalista tardio de telas com conteúdo cada vez mais rápidos e fragmentados. Mas ao mesmo tempo em que desenvolvemos técnicas de comunicação super sofisticadas, uma coisa é certa: nosso cérebro não é tão evoluído assim.

Por ser um órgão primitivo, nós humanos somos facilmente enganados, cooptados e distraídos. Especialmente se considerarmos a navegação de plataformas digitais.

São os designers que projetam para as superfícies que as pessoas tanto olham. Temos um papel importante de tentar trazer algum sentido a esse universo de informação.


Linguagem Simples

Calma que tem solução.

Se você quer que sua mensagem chegue, você precisa descomplicar sua comunicação sem perder a estética, o sentimento, ou a técnica.

Descomplicar não significa perder profundidade. Contexto é tudo – visual, escrito e falado. Somos uma população que lê pouco, 53% da população não lê livros9, e temos altos índices de analfabetismo funcional10 e analfabetos digitais, que são um absurdo de 76% da população brasileira11. Não faltam razões para sermos mais diretos.

A linguagem simples é uma técnica que tem origem na acessibilidade com o objetivo de democratizar a informação através da simplificação da mensagem12. A linguagem simples tem um movimento ativista de acessibilidade ao redor do mundo.

Os europeus chamam de Easy Language ou Easy to Read Language13, os americanos de Plain Language, os hispânicos de Lectura Fácil, e nós de Linguagem Simples. E isso tem tudo a ver com o desenho universal, experiência do usuário (UX) e redação para UX e Acessibilidade Digital.

Parece óbvio, mas há resistência à sua adoção tão necessária para os brasileiros. Isso fica evidente quando lemos um edital de concurso, um contrato ou um site do governo confuso e feiro.

A linguagem simples é uma técnica, portanto tem diretrizes de como estruturar uma frase de forma mais simples14. Embora a linguagem seja subjetiva, palavras mais comuns têm contextos mais vividos, e podem ser entendidos por um público mais amplo.

A gente entende a linguagem da mesma forma que a imagem: com contexto. Isso se aplica a referências estrangeiras e a palavras que não são usadas no dia a dia. Se você quer que sua mensagem chegue no leigo, simplifique.

Como profissionais visuais, precisamos levar tudo isso em conta, porque além de ser nosso trabalho, é o que nossas mentes precisam.

Então, da próxima vez que você for criar uma mensagem com o objetivo de divulgá-la, lembre-se:

  • O cérebro processa informação muito rápido
  • A gente dá sentido às coisas através do contexto (individual e coletivo)
  • Não conseguimos processar a quantidade de informação que temos, então precisamos mudar isso.
  • O belo tem função.

E se o seu chefe reclamar que tem espaço em branco demais num projeto, manda esse artigo. Porque o design é comunicação e tem absolutamente tudo a ver com a neurociência.



Referências

1 The Aesthetic Brain: How We Evolved to Desire Beauty and Enjoy Art (CHATTERJEE, 2013)

2 FORMAT Magazine. Teoria evolucionária de Anjan Chatterjee: Por que criamos arte?2019. Disponível em: https://www.format.com/pt/magazine/features/art/why-do-we-create-art. Acesso em: 29 abr. 2025.

3 HIDDEN BRAIN. The Mystery of Beauty. Podcast. 2023.

4 Wiley International Encyclopedia of Anthropology (2019)

5 Neuroestética e o papel da beleza na forma como pensamos. Publicado na revista Nature Reviews Neuroscience, volume 6, páginas 651 a 659, em 2005.

DOI: https://www.nature.com/articles/nrn1476

6 Safety Comes in Many Colors https://hsi.com/blog/safety-comes-in-many-colors

7 “Brain Processes Sentence Structures as Fast as Visual Scenes” Neuroscience News

8 Dieter Rams: 10 Timeless Commandments for Good Design

9 Instituto Pró-Livro

10 PNAD

11 ANATEL

12 “Linguagem simples – acesso para a inclusão” https://inclusivenews.com.br/?p=32100

13 EASIT

14 ISO Linguagem Simples

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