Por Margareth Goldenberg e Lucas Souza Barboza
Nenhum indivíduo é definido por apenas uma característica. Somos o resultado da interação de múltiplos marcadores: idade, raça, gênero, classe social, condições físicas e mentais, orientação sexual, identidade de gênero, valores, experiências de vida. É essa combinação única que molda nossa identidade,
nossa forma de pensar e de resolver problemas.
A interseccionalidade é o conceito que reconhece essa sobreposição de identidades e de sistemas de exclusão. Raça, gênero, deficiência, geração,
orientação sexual e outros marcadores não atuam isoladamente: eles se cruzam, potencializando barreiras, mas também multiplicando perspectivas.
Ignorar essa complexidade é reduzir pessoas a categorias simplificadas e, consequentemente, limitar a diversidade cognitiva de uma organização.
Interseccionalidade e diversidade cognitiva: uma conexão estratégica
Diversidade cognitiva não é simplesmente ter pessoas de diferentes perfis demográficos em um time :mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTQIA+,
pessoas com deficiência, diferentes gerações. Ela se refere à variedade de formas de pensar, interpretar informações, analisar problemas e tomar
decisões.
Essa diversidade de perspectivas nasce justamente da interação entre diferentes marcadores identitários, características físicas e mentais, experiências de vida, contextos sociais, educacionais e culturais. Ou seja, é a tradução prática da interseccionalidade no mundo do trabalho: quando reunimos pessoas com trajetórias múltiplas, ampliamos os ângulos de visão sobre qualquer desafio.
Por que, no fim, é isso que importa
No ambiente corporativo, o objetivo da diversidade não é apenas preencher relatórios de representatividade, mas melhorar a capacidade de inovação,
reduzir riscos e gerar vantagem competitiva. E é a diversidade cognitiva que realmente entrega esses resultados.
A interseccionalidade amplia esse potencial, pois evita que empresas caiam na armadilha de pensar em “mulheres” ou “pessoas negras” como grupos homogêneos. Uma mulher negra de 30 anos em início de carreira pode enfrentar desafios totalmente distintos de uma mulher branca de 50 anos em
posição executiva. É justamente no reconhecimento dessas camadas que reside a chave para decisões mais inovadoras, times mais criativos e estratégias mais efetivas.
Pesquisas comprovam:
- Equipes com alta diversidade cognitiva resolvem problemas mais rapidamente do que equipes homogêneas (Harvard Business Review).
- Grupos diversos em pensamento e experiência tomam decisões melhores em 87% dos casos (Cloverpop).
- Empresas que combinam diversidade demográfica e cognitiva têm até 20% mais chance de inovar e 30% mais chance de identificar riscos emergentes (Deloitte).
Do genérico ao específico: o que as empresas precisam perguntar
Muitas organizações estruturam frentes em torno de gênero, raça, deficiência, gerações ou comunidade LGBTQIA+. Esses recortes são importantes, mas precisam estar conectados por uma visão interseccional, que responda a perguntas como:
- Quais barreiras são transversais a todos os grupos?
- Como elas se desdobram de forma específica em cada realidade?
- Onde se sobrepõem, criando vulnerabilidades únicas?
Essa reflexão é crítica para que iniciativas não se limitem a cumprir tabela, mas realmente gerem transformação.
O exemplo da liderança corporativa
Quando analisamos os dados da pesquisa Ethos (2023/2024), vemos que 77% das cadeiras em conselhos e 60% das posições executivas nas maiores
empresas do Brasil ainda são ocupadas por homens. Ou seja, o desafio da representatividade é transversal. Mas para que as metas de inclusão sejam eficazes, é preciso reconhecer as diferenças internas a cada grupo.
Ampliar a participação de mulheres, por exemplo, exige estratégias que considerem:
- as barreiras adicionais enfrentadas por mulheres negras,
- os desafios de acessibilidade de mulheres com deficiência,
- os vieses etários que limitam mulheres 50+,
- ou ainda os estigmas vividos por mulheres trans.
Sem essa lente interseccional, corre-se o risco de beneficiar apenas uma parcela privilegiada das mulheres.
Saúde mental e pertencimento: outro olhar necessário
Outro exemplo é a saúde e segurança psicológica. Em 2024, o Brasil registrou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais (Ministério
da Previdência Social), o maior número desde 2014. Embora o problema seja transversal, cerca de 300 mil desses afastamentos foram de mulheres, com
idade média de 41 anos.
Isso mostra como fatores de gênero e geração se cruzam na experiência do adoecimento. E levanta perguntas importantes: será que mulheres negras,
mães recém-retornadas da licença ou mulheres neurodiversas têm as mesmas condições de afastamento? Ou, em muitos casos, o adoecimento leva
diretamente ao desligamento, invisibilizando as estatísticas?
Empresas que desejam prevenir e cuidar de forma efetiva precisam adotar políticas universais de saúde mental e considerar os impactos específicos que
recaem de forma desigual sobre determinados grupos.
O que diferencia quem avança
A lógica é clara: iniciativas de diversidade só destravam inovação e performance quando combinam olhar transversal (o que é comum a todos)
com olhar interseccional (o que é único a cada grupo). Esse movimento, do geral ao específico, e do específico ao geral, é o que diferencia empresas que
realmente inovam daquelas que apenas colecionam indicadores.
No fim, interseccionalidade não é um detalhe conceitual. É o fator que amplia a diversidade cognitiva e transforma diferenças em vantagem
competitiva. O olha interseccional intencional garante que as múltiplas camadas de identidade sejam reconhecidas, permitindo que a pluralidade de
pensamentos, visões de mundo e formas de resolver problemas esteja de fato presente na mesa de decisão.
Em resumo: representatividade é o ponto de partida; interseccionalidade éo caminho; diversidade cognitiva é o destino e o que realmente move
inovação, performance e sustentabilidade nos negócios.
Vamos aprofundar esta conversa?