Jovens adaptam filme para cego ver em BH

http://www.uai.com.br/UAI/html/sessao_2/2008/06/14/em_noticia_interna,id_sessao=2&id_noticia=67272/em_noticia_interna.shtml
Jovens sacrificam namoro e passeios e, com recursos próprios e trabalhando à noite, adaptam filme para deficientes visuais e auditivos. Tudo pelo prazer de sentir a emoção dos excluídos
Bianca Melo – Estado de Minas

Euler Júnior /EM/D.A Press

Cíntia, Renise e Leise fizeram adaptação do filme O signo da cidade, junto com o colega Rodrigo, e o exibiram domingo no Espaço Belas Artes, na capital
O escuro sem frestas ou a ausência completa de audição e de fala podem ser limitadores, mas não impedem que os deficientes apreciem programas culturais, inclusive cinema. O que para muitos parece impossível se tornou uma tarefa prazerosa e desafiadora para quatro jovens professores mineiros. Leise Abreu, de 28 anos, Rodrigo Campos, de 31, Renise Santos, de 26, e Cíntia Araújo Ramos, de 26, adaptaram por conta própria o filme recém-lançado O signo da cidade para que cegos e surdos possam apreciar. Eles exibiram a história adaptada somente uma vez, domingo, no Espaço Usiminas Belas Artes de Cinema, em Belo Horizonte, mas estão atrás de outro local para mostrá-lo.Com exceção de Leise e Renise, que cursaram a mesma faculdade de letras, o restante do grupo se conheceu em 2007 como alunos da disciplina isolada “Tradução audiovisual para cegos e surdos”, em curso de especialização da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A professora da disciplina, Vera Santiago, veio do Ceará e trouxe junto um programa de legendagem especial até então desconhecido por eles. “Eu nem entendo muito de computador. Tive que pedir ajuda do meu irmão para aprender”, conta Cíntia.Dominado o recurso, eles passaram ao trabalho técnico. Todos moram ainda com os pais e precisam trabalhar para financiar seus gastos. As três moças do grupo revelaram que precisaram usar o tempo de folga, geralmente à noite, para trabalhar em cima do filme, a princípio cada um no computador de sua própria casa. Eles dividiram por quatro o tempo de 95 minutos do filme. “A gente tinha que ver a cena mil vezes para fazer a legenda, que não é igual à que se vê nos filmes comuns, é descritiva específica”, explica Renise.Na tela, eles lêem o que os personagens estão falando com o nome de quem fala sempre antes da frase. Para as cenas sem fala onde há barulhos, como música, motores e buzinas, entra uma legenda descrevendo o ruído, parecida com a opção descritiva que algumas emissoras de TV oferecem. Seria até fácil fazer a adaptação não fosse a exigência de escrever os caracteres em um tempo específico. “É uma loucura. No máximo 34 caracteres por linha”, conta Cíntia. O manual do curso feito com a professora do Ceará era consultado a todo momento.O quarto de Cíntia, no apartamento de sua família no Bairro Cidade Nova, virou uma espécie de “QG” para encontros do grupo, pela localização central. Na cama com colcha colorida e travesseiros enfeitados, ela instalava os colegas para discutir os passos do trabalho. Cíntia mostrou o programa instalado em seu computador pessoal, onde metade da tela mostra a cena, dividida em pequenas frações (frames) e na parte de baixo ficam as linhas a serem preenchidas com o tamanho específico.MadrugadaPara atender ao público com deficiência visual, a audiodescrição foi usada pelo grupo. Todas as cenas são narradas e entram nas brechas da fala dos personagens. Os quatro escreveram a narração, que foi gravada por Rodrigo, um dos integrantes, em um estúdio em Pará de Minas, onde ele mora. O trabalho completo durou três meses. Renise chegava em sua casa em Sabará, na Grande BH, por volta das 21h e ia para a frente do seu computador, de onde só saía de madrugada. Cíntia e Leise arrumavam brechas no meio das aulas particulares. “Em alguns fins de semana, torcia até para meu namorado não vir”, disse a moça que namora um rapaz do interior de São Paulo.Os gastos com telefonemas, gravação de DVD e aluguel do estúdio foram pagos por eles mesmos, que nem consideram os valores. “Valeu a pena cada dia de dedicação porque é muito emocionante vê-los compreendendo, sentindo o que o filme passava”, descreve Leise. Com exceção de Leise, que já deu aulas para crianças surdas, os outros tiveram contato recente com o universo dos deficientes visuais e auditivos. “Faltam opções, mas eles podem fazer muita coisa sozinhos, são pessoas que precisam apenas de oportunidades”, diz Renise. Todos concordam que são raras as opções de cultura voltadas para o público deficiente, o que os anima a fazer no futuro o mesmo trabalho em outros filmes.Restrições A oportunidade de ir ao cinema foi rara para a estudante de direito e deficiente visual Juliana Ribeiro, de 26 anos. Ela falou sobre a dificuldade de ter acesso a filmes, peças e livros pela quase inexistência de obras adaptadas ao público deficiente. “Adoro cultura e tenho muita vontade de conhecer mais, mas tudo para a gente é muito restrito”, diz. A coordenadora do Centro de Apoio Pedagógico aos Deficientes Visuais da Prefeitura de Belo Horizonte, Elisabet Dias de Sá, comemorou a iniciativa. “Sou parte interessada e posso dizer que não há quase nada de cultura voltado para nós”, diz Elisabet, que tem deficiência visual. O pequeno Luan Divino Cândido, de 8 anos, enfrenta a mesma dificuldade em Pará de Minas, onde vive. “Por uma deficiência auditiva, só fui ao cinema uma vez”, disse. Ele e mais 19 jovens surdos formam o coral Mãos que Falam, que se apresentou domingo no final da sessão especial de cinema.ServiçoO grupo de professores quer exibir o filme adaptado em cinemas e instituições que cuidam de deficientes. Interessados podem entrar em contato pelo e-mail rodrigocamposalves@hotmail.com

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