A sexualidade e a discriminação por deficiência, um comentário matéria “Justiça libera certidão para Valentina”
Tenho batido e rebatido sobre a questão de barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência, mormente no caso da sexualidade e da maternidade dessas pessoas, principalmente aquelas, cuja comunicação fica prejudicada pela falta de conhecimento da sociedade. Na matéria , relato de situação vivida por mãe com deficiência e pai com dificuldade de fala, meros oficiais de cartório, achando que podem decidir pelo outro com deficiência, ao arrepio da lei, discriminaram com base em deficiência, dificultando, de fato negando, o registro de nascimento do bebê, filho do casal mencionado. Depois, a fala da juíza, dizendo que eles só fizeram isso por “cautela”, visto que muitas vezes as mamães com deficiência intelectual engravidam em decorrência de estupro. No caso de um oficial de cartório desconfiar de que haja dúvida da paternidade de um bebê, ele nega a certidão de nascimento de alguém sem deficiência? Você já viu isso, para ser alegado que é “apenas uma ação de cautela muito comum no meio.”? ? Discriminação, isso que é, conforme claramente define a lei 3956/01, mas que a magistrada, baseada em sua visão turva pelas barreiras atitudinais, mormente a de deslocamento, não soube perceber ou se soube, não fez valer o “poder” que tinha e o dever que lhe era de ofício, isto é, punir tal discriminação.Por fim e não menos grave, a terrível comprovação: Mulheres com deficiência intelectual são, principalmente, vítimas de estupro.E a gente ainda se omite de discutir a sexualidade no contexto escolar, no contexto universitário, sob a égide de uma moral e religião retrógradas!
A sexualidade de uma pessoa com deficiência não é, em essência, diferente da que não tem deficiência, porém as vicissitudes das relações que envolvem a sexualidade e, o próprio sexo, entre essas pessoas e entre elas e as pessoas sem deficiência são diferentes, requerendo, portanto, um olhar livre de barreiras atitudinais, como os de propagação, deslocamento e outros que inibem, dificultam ou mesmo impedem o direito do livre exercício da sexualidade, do amar, do ser amado e do fazer amor por essas pessoas.
Pessoas com deficiência têm direito ao sexo seguro, à maternidade ou paternidade e a tudo mais que envolve a sexualidade, desde sempre na vida de uma pessoa.
Logo, temos de cuidar para que essas pessoas recebam as informações necessárias para que aprendam e apreendam as normas sociais sobre a sexualidade e suas relações ainda que, reconheçamos que tais normas sociais são, por vezes hipócritas.
O que não mais podemos aceitar é que pessoas com deficiência fiquem sujeitas à discriminações escondidas sob o manto da “defesa” dos interesses, da saúde e da segurança da pessoa com deficiência.
Basta de protecionismo barato, (”para o bem da pessoa com deficiência”), afirmação que não passa de eufemismo para justificar discriminação por razão de deficiência.
Por fim, para aqueles tentados a pensar que uma pessoa com deficiência não pode mesmo ter filho, para que depois a avó venha criar por ela, lembrem que está cheio de casos em que a avó ou outro parente assume, de fato, a criação do neto e isso sem ter relação com esta ou aquela deficiência dos pais do bebê.
No caso em tela, mais que justificada, a avó fica com o neto, para que os pais estudem.
Você não faria isso por seu filho e neto? Eu sim!
Francisco Lima é professor de UFPE e coordenador do CEI – Centro de Estudos de Inclusão