Porto Alegre (RS) – Pesquisa inédita feita pelo Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT) com 1.680 professores do ensino privado de todo o Rio Grande do Sul mostra que 49% faz tratamento com medicamentos ou outros procedimentos. No entanto, a porcentagem aumenta quando foram questionados sobre problemas de saúde em geral. Setenta e oito por cento dos profissionais disseram que sentiram esgotados nos últimos seis meses, sofrendo com dificuldade de concentração, perda de memória, estresse, ansiedade e até mesmo dores físicas.
Para o coordenador-geral da Federação dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino Privado do estado (Feet/RS), Cassio Bessa, o levantamento reflete as más condições de trabalho do setor. Na entrevista a seguir, ele comenta os resultados da pesquisa encomendada por sindicatos de trabalhadores da categoria e responsabiliza a concorrência entre as escolas privadas e a mercantilização da educação pela situação precária dos professores.
Quais são os resultados da pesquisa que mais destacas? A gente se surpreendeu com o resultado da pesquisa porque, apesar de já termos uma análise empírica da sobrecarga de trabalho que o professor do ensino privado tem no RS. Cada vez mais temos acúmulo de trabalho fora a hora-atividade, que é correção e preparação de aula. Hoje o professor tem inclusive via internet uma série de tarefas pedagógicas que não tinha há anos atrás. Então hoje o acúmulo de trabalho extraclasse, a pressão que se sofre na escola particular para aprovar aluno, para não perder aluno, para ter resultado; a própria questão da falta de limite e da indisciplina dos alunos – todas essas questões têm gerado um adoecimento cada vez maior dos professores. Isso a gente pode comprovar tanto na parte qualitativa da pesquisa como também nesse questionário da entrevista quantitativa. Uma série de perguntas foi feita ali e o questionário era muito grande. Apareceram pessoas doentes, trabalhando com dor; preocupantemente muita gente se auto-medicando, comparável ao que vemos nos caminhoneiros que tomam aquele rebite para agüentar nas estradas. A gente aqui na pesquisa tem um número muito grande de professor tomando estimulante, calmante, anti-depressivo, medicamento para ajudar no sono. Ou seja, tomando remédio para poder agüentar essa pressão. Pra nós, esse resultado é muito preocupante e muito surpreendente.
Como o adoecimento dos professores reflete na sala de aula? A gente tem visto inclusive nos resultados do Enem que a qualidade da escola privada tem decaído no RS. Entre os estados grandes é o que tem a menor diferença entre as escolas públicas e privadas. A gente sabe que existe uma série de questionamentos em relação ao Enem, mas notamos que a qualidade da educação não é a mesma exatamente por essas questões que a gente já vem denunciando há muito tempo em relação às condições de trabalho dos professores. Porque todo mundo acha que na escola privada os professores ganham bem e a gente está vendo que não é assim. Inclusive tem aparecido em novelas de audiência nacional essa problemática do estresse. E isso a gente realmente nota no dia-a-dia.
Na pesquisa, 35% dos professores disseram que sofrem pressão dos chefes imediatos. Isso se deve ao sistema do ensino privado? Esse constrangimento e essa humilhação que caracterizam o assédio moral hoje é muito decorrente do tratamento que a escola privada tem dado ao aluno, tratando-o como cliente. A gente tem até uma campanha nacional realizada pela nossa confederação (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE) de que educação não é mercadoria. Portanto, o aluno não pode ser tratado como cliente, ele é um educando. Existe muita pressão nessa concorrência entre as escolas para aumentar o número de estudantes; a gente sabe que hoje a concorrência entre as escolas é grande, que a classe média não tem mais tantos filhos como tinha. Existem muita redes, mesmo faculdades, disputando alunos presencialmente e à distância. Essa concorrência faz com que haja uma disputa de mercado muito grande no ensino privado. E é óbvio que essa pressão acaba refletindo na sala de aula, onde os chefes superiores cobram resultados como busca de alunos, aprovação por parte dos professores. E essa pressão repercute não somente no ensino, mas também na saúde do professor.
O estudante aparece como o principal provocador de assédio moral ao professor. A que isso se deve? Essa questão da falta de limites e da falta de cobrança das escolas por uma disciplina mais rígida e determinada nas escolas acaba gerando um ambiente muito permissivo – e a escola acaba não cobrando dos pais e nem colocam mais limites em seus alunos. Muitas vezes o professor acaba tendo que assumir sozinho ou passar por situações de constrangimento em relação a seus alunos. E muitas vezes o professor fica sem respaldo das direções das escolas. A gente ouviu muito na pesquisa qualitativa esse tipo de pressão.
Um dado preocupante na pesquisa é o alto índice de professores que se auto-medicam, inclusive com remédios que exigem a apresentação de receita médica para serem comercializados. Como o sindicato enxerga essa situação? Isso até surpreendeu a nós. Na questão que toca sobre a formação dos professores, vimos que o índice de formação é muito grande. A maioria tem graduação e, a grande maioria tem especialização e mestrado. E a gente se surpreendeu. Em relação aos estimulantes, por exemplo, 8% se automedica; tranqüilizante e calmante, 5% se auto-medica sem receita. É um índice muito grande vindo de pessoas esclarecidas, como os professores. E a gente pretende trabalhar os resultados dessa pesquisa, não somente para fazer essa cobrança ao Sinepe (Sindicato dos Estabelecimentos do Ensino Privado no RS), para que a gente possa ter na nossa convenção coletiva de trabalho algumas cláusulas que a gente já vêm tentando negociar e o Sinepe não reconhece, não encaminha alteração para melhorar essa questão na qualidade da saúde e condições de trabalho. Mas também a gente pretende utilizar a pesquisa para que os próprios professores possam se alertar. Pretendemos trabalhar prevenção a essas doenças dos professores. Queremos oferecer dicas, palestras e outros instrumentos para que os professores possam ter uma orientação melhor sobre essa situação.
Há alguma questão específica que surgiu na pesquisa e que o sindicato quer abordar na pauta de reivindicações junto às escolas? Sim. Neste ano que passou, na negociação em Março, colocamos algumas reivindicações. Por exemplo, que tivessem palestras, oficinas em todas as escolas, ao menos uma vez por semestre, que tratasse da prevenção dessas doenças dos professores. O Sinepe não quis discutir isso, diz que não poderia fazer nenhuma mudança no acordo coletivo. Da mesma forma o trabalho extraclasse. Reivindicamos que nós pudéssemos reservar uma das quatro reuniões pedagógicas que se tem na escola, para que o professor individualmente pudesse realizar esse trabalho extraclasse. Já seria o começo para tirar um pouco do excesso de trabalho que o professor tem. E também o limite de alunos por turma. A gente sabe que existem escolas e universidades com um número excessivo de estudantes em sala de aula, onde os professores não têm inclusive aparelhagem para, conforme as orientações médicas, poder falar no microfone, a fim de que não dê o problema de voz que a gente vê na pesquisa aqui. São fatores que nós vamos querer, pontualmente, debater com o Sinepe e mostrar para a sociedade que isso não pode continuar.
Fonte: Agência Chasque – http://www.agenciachasque.com.br/ler01.php?idsecao=91f03f57e9aff94c35d3d21f0ef2fc5b&&idtitulo=ed8202f709ee04ec5dd59a38c4c6318d