Discriminação de gênero persiste no trabalho e na política

Por Bianca Pyl e Rodrigo Rocha

As mulheres recebem salários, em média, 17% menores do que o dos homens. Em empregos formais, um em cada 8 homens pode alcançar altos cargos. A probabilidade de ascender na carreira e atingir postos de comando é bem distinta para as mulheres: apenas uma em cada 40.

As desigualdades de gênero relacionadas ao mercado de trabalho aparecem com destaque no relatório “Progresso das Mulheres do Mundo 2008/2009”, do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), entidade ligada à Organização das Nações Unidas (ONU).

“As diferenças salariais entre homens brancos e mulheres negras são de quase 75%, ou seja, uma diferença gritante”, declara Rebeca Reichman Tavares, representante do Unifem Brasil e Cone Sul.

O estudo revela ainda que o emprego das mulheres está cada vez mais ligado a cadeias produtivas globais, nas quais “as relações de responsabilização são frequentemente pouco claras”. As mulheres formam, por exemplo, 85% da mão de obra na zona de exportação de Bangladesh. Os mecanismos de responsabilização nessas zonas, aponta o relatório, são muitas vezes limitados a códigos de conduta voluntários das próprias empresas, que relutam em adotar normas internacionais de trabalho decente.

Dados relacionados à saúde das mulheres também chamam a atenção. Na África Subsaariana, por exemplo, são três mulheres infectadas com o vírus HIV para cada dois homens; e em algumas partes do mundo, uma em cada 10 mulheres morre devido a causas relacionadas com a gravidez, apesar dos meios de prevenção da mortalidade materna serem economicamente viáveis e amplamente conhecidos. “A discriminação a esta escala, décadas após terem sido assumidos compromissos nacionais e internacionais, é sintomática de uma crise de responsabilização”, define o relatório.

Entre 1998 e 2008, a porcentagem média de mulheres parlamentares a nível nacional (nos cerca de 200 países pesquisados) saltou de 8% para 18,4%. As quotas ou medidas especiais temporárias são, segundo o Unifem, uma forma comprovada de assegurar o progresso: as mulheres ocupam uma média de 19,3% das cadeiras parlamentares em países que aplicaram alguma forma de quotas, comparativamente a 14,7% em países sem quotas.

“É muito difícil de entender porque as mulheres que são muito bem educadas ainda não estão atingindo níveis de tomada de decisão, nem no setor privado, nem em participação política”, completa Rebeca. Ela destaca que as leis brasileiras de defesa dos direitos das mulheres ainda encontram barreiras nos aparatos de segurança pública e no Poder Judiciário.

Os compromissos governamentais de igualdade de gênero, conclui o relatório, são importantes, mas “é provável que nunca passem de palavras no papel a não ser que sejam reforçados por avaliações de desempenho dos funcionários públicos e medidas correctivas nos casos de fracasso no desempenho”.

A Repórter Brasil entrevistou a representante da Unifem para o programa de rádio Vozes da Liberdade. Confira trechos da entrevista:

Repórter Brasil – O número de mulheres responsáveis pelo sustento do lar aumentou de 25% para 34%. Mesmo assim, as mulheres ainda sofrem com a desigualdade no mercado de trabalho?
Rebecca Tavares – Sim. A desigualdade entre salários de homens e de mulheres ainda é muito grande e o problema não é só porque as mulheres exercem funções diferentes dos homens.

Muitas mulheres trabalham em funções diferenciadas e que pagam menores salários. Mas muitas mulheres que exercem a mesma função que um homem estão ganhando significativamente menos que o homem pelo mesmo tipo de trabalho. A gente pode atribuir isto à discriminação, infelizmente.

Mesmo quando as mulheres têm o mesmo nível de escolaridade que o homem ou a mesma experiência, existe essa brecha no salário entre os gêneros e isso é mais gritante quando falamos das mulheres negras. As diferenças salariais entre homens brancos e mulheres negras são de quase 75%.

Os dados de educação também chamam a atenção: 57% das crianças que não frequentam a escola são meninas. Isso se refletirá na manutenção das desigualdades de gênero?
Eu creio que sim. Mas essa situação está melhorando. Devemos reconhecer que o Brasil tem progredido bastante na educação: as meninas e as mulheres frequentam mais a escola. Elas já estão se graduando cada vez mais.

Os números estão melhorando significativamente nessas duas últimas décadas. As mulheres já não caminham apenas para áreas acadêmicas tradicionalmente associadas às mulheres: como enfermagem, educação, administração de escritórios, esse tipo de função, de papéis de apoio.

O interessante também é que, mesmo que graduadas nas universidades, as mulheres ainda não têm tanta participação no poder público quanto os homens. É muito difícil de entender porque as mulheres que são muito bem educadas ainda não estão atingindo níveis de tomada de decisão, nem no setor privado, nem em participação política.

O número de leis sobre a igualdade de direitos e o combate à discriminação tem aumentado. Mas essas leis têm sido aplicadas?
Esse é outro problema. O Brasil é visivelmente muito progressista no sentido de legislação pró-mulher, que garanta os direitos da mulher, de defesa ao acesso à educação, ao trabalho e de proteção contra a violência. Mas temos um problema de implementação dessas leis porque os aparatos de segurança pública e do Poder Judiciário não respeitam sempre a aplicação dessas leis.

Temos conceitos e culturas ainda bem patriarcais dentro dos sistemas de segurança pública. O Judiciário ainda culpa a mulher, por exemplo, em casos de violência sexual ao dizer que ela estava usando uma “roupa provocante”, ou dizem ainda que a mulher não necessita de um emprego mais bem pago porque ela vai deixá-lo logo para constituir sua família. Ainda são preconceitos tradicionais que são barreiras para a implementação dessas leis.

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Fonte: Repórter Brasil

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