Como você se sente diante do imposto de renda?

Cândido Grzybowski *

Nos meses de março e abril, a cada ano, milhões de pessoas se vêem às voltas com documentos, notas e contas. É a anual dor de cabeça do imposto de renda. Aqui se aplica literalmente o ditado “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. O jeito é se enquadrar nas regras. Mas que regras!

Fazendo a tal declaração de ajuste anual, com a cabeça quente, prestando atenção às regras embrulhadas em linguajar próprio, feito para especialistas, a gente acaba nem pensando no significado do próprio imposto. Esquecemos a origem das taxas, quando reis, tiranos, senhores das terras, chefes de bandos ou exércitos invasores impunham pela força cobrança de tributos aos subordinados. Nunca era em nome do bem comum, mas um direito adquirido pelo poder, ancorado nos costumes.

Hoje, o imposto é condição de operação do Estado, com seus múltiplos órgãos, instâncias e políticas, do local ao nacional. Sem ele, não funcionariam os parlamentos e os tribunais. E, sobretudo, não teríamos poder público, provedor de garantias e direitos de cidadania, com as diferentes políticas. Nas democracias, em tese, cabe ao conjunto de cidadãos e cidadãs contribuir com impostos e taxas para o fundo de receitas públicas e decidir sobre a sua aplicação, para o bem comum, de forma republicana. Elegemos nossos governantes e representantes exatamente para zelar e bem aplicar o dinheiro que é de todos e todas.

Na prática, porém, é muito mais complicado. Não só porque é muito dinheiro, mas sobretudo porque ainda prevalecem o patrimonialismo, a apropriação privada, a prática da corrupção e a quase total falta de transparência na aplicação de recursos. Não é por nada que uma frente importante de luta democrática está diretamente relacionada às “verbas”, não só para atender demandas sociais não atendidas nos mais diversos setores, sobretudo dos grupos subalternos e camadas excluídas, mas também pela transparência e responsabilidade pública na aplicação dos recursos públicos.

O certo é que a única maneira de gerar recursos públicos é via taxação, via imposto. Na essência, o imposto é o outro lado dos direitos. É uma responsabilidade cidadã pagar a sua parte para que todos os direitos de cidadania sejam garantidos a todos os membros da coletividade. E nada mais justo do que o imposto de renda, proporcional ao que se ganha, com isenção se for muito pouco. Bem, novamente, em tese. Entre nós, há os que não pagam o devido, sobretudo os que têm mais, pois o imposto de renda atinge principalmente quem é assalariado. Mais, na composição da receita pública, o principal imposto – o ICMS – é regressivo, pois, proporcionalmente, cobra mais de quem tem menos.

Para os conservadores de hoje, de ontem e da amanhã, o imposto, em particular de renda e sobre a fortuna, é sempre algo indevido, uma apropriação do Estado sobre o direito de cada um e uma de decidir o melhor para a sua vida. Em tal visão, os pobres e excluídos são os únicos responsáveis pela sua situação. Não cabem políticas republicanas e cidadãs de correção das distorções sociais que, no entanto, criamos pelas desiguais relações de renda e poder na sociedade. Afinal, o tal debate sobre a carga tributária e o tamanho do Estado, tão alimentado pela grande mídia, tem por trás uma profunda oposição a qualquer política que vise equalizar pelo ente público a condição desigual em que vivemos.

Voltando à declaração de ajuste anual, motivo desta crônica, o fato é que ela não tem nenhum encanto, está longe de lembrar-nos que se trata de uma essencial atitude cidadã, de avaliar a nossa própria responsabilidade com o bem público. Pior, a gente vai preenchendo aqueles campos e fica se perguntando aonde vai ser pego na armadilha dos fiscais da Fazenda. Por que tem que ser tão difícil, tão complicado exercer a cidadania? Por que a Receita Federal parte do pressuposto que, até se prove o contrário, todos e todas somos sonegadores? A coisa toda não é amistosa, republicana, cidadã. Você tem que espiar tudo, ler as entrelinhas, as notinhas, as observações e, até, imaginar se não faltou algo. Melhorou um bocado ao ser informatizado, mas estruturalmente é para “pegar”. Ai de você se comete um erro e cai na tal “malha fina”. Será que tem que ser assim para exercer a responsabilidade cidadã?

Para finalizar, seria bom que criássemos um movimento no sentido do “queremos pagar, mas facilitem as coisas”. Também, penso, que já está na hora de criar um conceito melhor do que “imposto”. As finanças públicas, como bem comum, merecem ser vistas com olhos melhores do que algo arrancado pelo poder do Estado.

*Sociólogo, diretor do Ibase.

__________

Fonte: IBASE

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *