Pesquisador questiona conceitos de educação e cidadania na Constituição

Por Sabine Righetti

Educação e cidadania são termos que precisam ser compreendidos no âmbito do “direito à educação” – um dos direitos chamados “fundamentais” que se tornaram área específica de estudos recentemente no Brasil. Na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), o “direito à educação” é uma linha de pesquisa do Programa de Direitos Humanos, e foi lá que o advogado e pesquisador Erik Saddi Arnesen encontrou espaço para desenvolver seu estudo de mestrado “Educação e Cidadania na Constituição Federal de 1988”, cuja dissertação, orientada pela professora Nina Beatriz Stocco Ranieri, foi defendida no último dia 11 de maio.

A cidadania, conforme explica Arnesen, é uma condição individual que indica que uma pessoa está vinculada a uma determinada sociedade politicamente organizada. Trata-se de um pressuposto para exercício dos direitos fundamentais -, por exemplo, a educação, a saúde, entre outros. Esses direitos, na Grécia antiga, eram passados via laços sanguíneos e identificavam um número restrito de indivíduos. Hoje, os países democráticos dispõem de condições concretas, normativas e materiais para que os indivíduos exerçam seus direitos fundamentais. No Brasil, essas condições estão na Constituição Federal de 1988 e, na opinião de Arnesen, estão cada vez mais disseminadas. “Hoje as pessoas falam abertamente, por exemplo, sobre direitos do consumidor, o que não acontecia há alguns anos”.

A análise do termo “cidadania” – que na visão de Arnesen é usado sem compromisso semântico na Constituição de 1988 – foi fundamental para que o pesquisador investigasse a expressão “direito à educação”: o direito do indivíduo a um processo organizado institucionalmente, oferecido em estabelecimentos oficiais ou não oficiais e sujeito à fiscalização quanto à qualidade.

Mas a qual processo educativo se tem direito no Brasil? E o que se entende por qualidade na educação? “Não está claro o que se entende por educação de qualidade no Brasil e isso emperra discussões jurídicas”, diz o autor do trabalho. “Como um juiz, num determinado processo, vai classificar se uma determinada educação é de qualidade ou não?”, questiona-se.

Educação para todos quem?
Arnesen também questiona a universalização da educação. “É importante compreendermos a expressão direito de todos, que, pelo artigo 205 da Constituição de 1988, caracteriza o direito à educação. Quem são todos?” Arnesen destaca que os instrumentos legais brasileiros falam de universalização de educação infantil e básica, mas de “progressiva universalização” do ensino médio.

A educação, na opinião do pesquisador, é um bem social indispensável ao desenvolvimento humano, ao crescimento econômico sustentável e à redução da pobreza. E o direito à educação envolve um conjunto de obrigações jurídicas diversas. “Na sua dimensão social, o Estado é regulador da atividade educacional. Já na sua dimensão coletiva, atende aos interesses de um determinado número de pessoas”, explica.

O estudo de Arnesen foi classificado pela banca, composta pelos professores Carlos Jamil Cury, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e José Levi Mello do Amaral Júnior, da FDUSP, como desbravador de uma área ainda pouco trabalhada. Para o autor do trabalho, deverão ser desdobramentos do seu trabalho e possíveis objetos de novos estudos, por exemplo, a concretização do direito à educação de estrangeiros ilegalmente presentes no Brasil, a implementação do direito à qualidade da educação, diante da insuficiência de sua definição legislativa e a legitimidade ou não do controle de qualidade feito pelo poder público sobre a educação oferecida por instituições privadas de ensino. Arnesen considera que o estudo do direito à educação depende de uma análise do sistema jurídico positivo (vigente), pois o Estado está encarregado da tarefa de detalhar internamente o direito à educação.

O Programa de Direitos Humanos da FDUSP integra a Cátedra UNESCO de Direito à Educação. No ano passado, os trabalhos desenvolvidos pelo grupo de estudos – incluindo um artigo de Arnesen – foram publicados no livro “Direito à Educação – Aspectos Constitucionais”, publicado pela EDUSP e pelo UNESCO. A segunda edição da publicação, com novos trabalhos realizados pelos pesquisadores, deve sair no segundo semestre deste ano.
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Fonte: Com Ciência

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