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por Marcelo Carvalho
COM TELA
Apesar do nome, eles contam não apenas com uma tela, como com todo o equipamento necessário para a atividade itinerante, tendo recebido um kit de projeção de imagem e som do Ministério da Cultura (MinC). É um dos cem pontos de difusão digital do país reconhecidos pelo MinC, além de parceiro da Associação dos Cineclubes do Rio de Janeiro (Ascine-RJ) e filiado ao Conselho Nacional de Cineclubes (CNC). O Sem Tela conta com a parceria de instituições locais. As sessões na Maré, nos Cieps Elis Regina e Hélio Smith são realizadas com a parceria da ONG Vida Real; no Alemão, com as ONGs Grupo Sócio Cultural Raízes em Movimento e Movimento de Integração Social Efeta. Por volta de cem pessoas freqüentam cada sessão. Se no pré-vestibular no Alemão, o público é majoritariamente de jovens de 18 a 30 anos, nos Cieps, a maior parte tem de 8 a 12 anos. O que não significa que professores(as) e funcionários(as) não assistam às sessões.
“A tela grande, assistir com os colegas, em grupo, toda a sensação de estar em uma situação como a do cinema, tudo isso causa um grande impacto. As crianças torcem, gritam, batem palmas. Estarem tão próximos dos equipamentos, como o projetor, também é algo fascinante pra eles. É legal ver a reação deles a tudo isso”, revela Talitha Ferraz, coordenadora do Sem Tela, referindo-se também à atenção que muitas das crianças demonstram, inclusive, com a montagem/desmontagem dos aparelhos.
“É importante que a experiência artística inclua não apenas os alunos, mas toda a comunidade da escola, professores e funcionários, se possível até trazendo os que estão além dos muros da escola. Do contrário, é cair novamente na instrumentalização. É preciso que a arte se confronte com o ambiente onde esteja sendo apresentada”, afirma o professor Roberto Conduru.
O Sem Tela nasceu da iniciativa de estudantes de audiovisual da Escola Popular de Comunicação Crítica (Espocc), projeto do Observatório de Favelas em parceria com diversas instituições. Para suas exibições, conta com o acervo de filmes da Riofilme. O projeto, que nasceu em 2006, ganhou novo impulso em março deste ano. Na reformulação, foram estabelecidas três sessões por mês e começaram os contatos com produtoras e diretores(as). Da iniciativa resultou, por exemplo, a pré-estréia de Maré: nossa história de amor, de Lúcia Murat. No evento, que lotou a quadra da escola de samba Gato de Bonsucesso, estiveram presentes a diretora e o elenco do filme. Foi um ponto alto dessa nova fase, segundo Talitha, quando mais de 400 pessoas da comunidade estiveram presentes pra ver o filme – que teve algumas de suas locações na própria Maré. Outro exemplo foi o filme No meio da rua, de Antônio Carlos da Fontoura, exibido em escolas públicas da região.
A prioridade é para os filmes brasileiros. Entre os motivos, a possibilidade de exibir produções que não entrariam no circuito comercial e a preocupação com a audiência: “Levamos em conta a questão das legendas. A maioria nunca foi ao cinema, o máximo de contato com o áudiovisual foi com a TV, não tem a experiência de ler o que é falado nos filmes. Escolhemos também filmes que, de alguma forma, abordem a realidade deles, produções urbanas, ou que tenham o Rio como tema”, afirma Talitha. No entanto, não fecha a questão. “Apenas não fizemos a experiência de exibir uma produção estrangeira”, ressalva, lembrando que o filme Janela da alma (de João Jardim e Walter Carvalho), que tem trechos com depoimentos em outras línguas que não o português, está na fila para exibição.
Música no agreste
Em Pernambuco, um projeto faz outras interseções com a escola, desta vez com a música. O trabalho começou faz tempo, com o maestro Mozart Vieira ainda adolescente apresentando a música para crianças de escolas públicas da cidade de São Caetano. Do trabalho nasceu a Banda Sinfônica do Agreste, mais conhecida como a Banda dos Meninos de São Caetano.
Os meninos e meninas que começaram no projeto são agora músicos e professores(as), num trabalho voluntário. Um daqueles meninos, Carlos Antonio da Silva, clarinetista, é hoje presidente da Fundação Música e Vida, criada para gerir a banda. Outros meninos e meninas já ultrapassaram os limites da cidade, graduando-se nas universidades federais de Pernambuco e da Paraíba. Outros ainda estão nas bandas da Aeronáutica e em diversas orquestras.
A importância do trabalho pode ser medida pela atração que exerce sobre adolescentes e jovens das cidades vizinhas a São Caetano, como Bezerros, Belo Jardim, Santa Cruz do Capiberibe e Caruarú. A fundação conta hoje com 200 crianças e adolescentes de 7 a 18 anos, mas todo ano pelo menos o dobro procura a escola. Cerca de mil meninos e meninas já passaram pelos seus bancos.
“Foi fantástico vivenciar o nascimento do trabalho, viver todos os momentos, as alegrias, a projeção que o trabalho teve e também as dificuldades. A música transformou nossas vidas. Antes, não havia perspectiva. Tento passar a minha experiência pros meninos e meninas, que eles podem crescer com a música, não apenas musical, mas política e socialmente, e como indivíduos”, ressalta Carlos Antonio da Silva.
A banda é formada por instrumentos de sopro e canto, apresentando-se em escolas e teatros. A formação é erudita (Bach, Beethoven, os brasileiros Villa-Lobos, Carlos Gomes, entre outros), mas o repertório inclui música popular da região. No currículo, gravação de CD, apresentações pelo Brasil e turnês internacionais. Como a de 2005, à França, em um espetáculo que reunia música e dança.
Apesar de toda realização, a fundação passa por dificuldades financeiras, não recebe apoio de nenhum órgão público. Conta apenas com a Associação Sabiá, criada entre amigos(as) da iniciativa na cidade de Bordeaux, na França, além de recursos de voluntários(as) – entre eles(as), os próprios músicos na banda, que doam parte do que ganham em trabalhos particulares para a fundação.
“Já está pronto o projeto para transformar a Fundação numa escola técnica regular, já que 99% dos alunos são oriundos do ensino público. Está tudo acertado, falta apenas a decisão final do governo do estado”, cobra Carlos Antonio da Silva, que também é músico da Banda Sinfônica da Cidade de Recife. A medida é importante, pois, assim, a fundação deixaria de ter caráter de ensino complementar, facilitando a obtenção de recursos regulares.
A dedicação e alguma confiança de que sempre é possível fazer algo, apesar das dificuldades, une projetos tão distantes quanto o Cineclube Sem Tela e a Banda dos Meninos de São Caetano. “Ser itinerante significa, para o projeto, levar o cinema pra quem não tem acesso”, afirma Talitha. “Queremos formar público para o cinema, contribuir de alguma forma pra mudar a realidade do mundo deles. Queremos fazer um trabalho de micropolítica, essa é a nova cara do Sem Tela. Mas sem esquecer do prazer que é ir ao cinema”, lembra.
Como unir arte e escola sem reduzir a arte a mero instrumento da educação? Há pensadores(as) que defendem que a arte é pedagógica em si. E que há uma experiência insubstituível que se perde quando a encaramos como instrumento para esta ou aquela disciplina ou objetivo. Quando ofuscamos a força da arte, perdemos a oportunidade, por exemplo, de refletir sobre nossos valores. Como a escola deve se defrontar com os “valores” contidos na arte?
“Arte é mais do que um objeto ou uma prática, é da ordem de um valor. Diante da experiência artística, as pessoas são confrontadas, são convidadas a pôr seus valores em questão. Instrumentalizar a arte é esquecer tudo isso, é reduzi-la à ilustração apenas”, ressalta Roberto Luís Torres Conduru, diretor do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Há iniciativas pelo Brasil que aliam arte e educação com a preocupação de deixar luzir os valores contidos na arte. Essas experiências apostam na força que a arte tem em si. Um exemplo é o Cineclube Sem Tela, do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. A proposta é exibir filmes em sessões itinerantes (e gratuitas) em escolas, pré-vestibulares e locais públicos. Atualmente, o projeto está presente basicamente nos Complexos da Maré e do Alemão.