O Lar das Moças Cegas entrevistou, para o Informativo Visão, a Profa. Dra. Marilda Garcia Bruno, da UFGD. Na entrevista são abordados temas como a educação especial, a inclusão escolar, seus obstáculos e avanços.
Marilda Bruno é Docente do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação e Licenciaturas da Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Inclusiva da GEPEI. Doutora em Educação pela Universidade Estadual de São Paulo e Especialista em Educação Especial pela Universidade de São Paulo. Desenvolve projetos de pesquisas e extensão nas áreas de Educação Especial e Inclusiva.
LMC: O que é inclusão escolar?
Marilda Bruno – Inclusão é um processo de transformação cultural, social e política. No campo das políticas públicas, deve ser entendida como política de Estado e não de governo. Isto quer dizer que, para a elaboração e implementação das diretrizes nacionais de inclusão escolar, mudanças estruturais ou novas propostas para o Atendimento Educacional Especializado, estas devem ser pensadas e estabelecidas dentro dos princípios democráticos com a ampla participação da comunidade escolar, das pessoas com deficiência, dos pais e da sociedade civil visando garantir a inclusão com qualidade de todas as pessoas.
No âmbito sócio-cultural o grande desafio é romper com os princípios da universalidade dos direitos humanos e da cultura escolar homogênea que negam e anulam as diferenças, a pluralidade de idéias, formas de ser, aprender e fazer diferente. No mundo contemporâneo, há necessidade de rupturas, de posições assimétricas, de conviver com discordâncias, tensões e buscar o diálogo para lidar com os conflitos. Este, no meu entender, deve ser o perfil das escolas e pessoas que buscam se tornar inclusivas.
De que necessitam as crianças com deficiência visual no ambiente escolar?
M.B. – No meu entender necessitam de acesso ao currículo, à informação e à cultura. O Ministério da Educação têm investido como nunca na área da Deficiência Visual, criou milhares de salas de Recursos Multifuncionais as quais funcionam paralelas às salas de aula e para todas as deficiências. Minhas pesquisas e de outros colegas indicam que a tecnologia é uma ferramenta indispensável para o acesso à informação e ao currículo, mas esses recursos ainda não estão disponíveis na sala de aula, logo, não resolvem o problema do aluno no dia a dia escolar. Os alunos continuam sem o livro didático em Braille, sem os recursos ópticos especiais, sem a máquina Braille, desde a educação infantil até no ensino superior. Muitos continuam espectadores passivos em sala de aula.
Os professores estão preparados para atender as crianças com deficiências?
M.B. – O Ministério da Educação investiu muito na sensibilização de gestores e coordenadores pedagógicos para a transformação da escola em espaço inclusivo, visto que a escola, hoje, dificilmente rejeita a matricula de uma criança com deficiência visual. Há uma consciência maior sobre o direito inalienável de inclusão na escola do bairro em que a criança vive. Por outro lado, a formação continuada dos professores no contexto escolar e a discussão sobre as necessidades específicas e as práticas pedagógicas para o atendimento às necessidades educacionais especiais deixam a desejar.
Qual a preocupação do Governo quanto à formação de professores em relação à educação inclusiva?
M.B. – A Secretaria Nacional de Educação Especial (hoje extinta sem qualquer discussão ou comunicação à comunidade científica ou aos setores interessados) realizou convênio com uma universidade para a formação à distância de professores generalistas para a atuação no Atendimento Educacional Especializado nas Salas de Recursos Multifuncionais, estas se constituem a grande meta da política nacional. Essa formação carece de prática e de aprofundamento teórico para o atendimento da baixa visão, avaliação do processo de desenvolvimento e aprendizagem, atendimento às necessidades específicas, decorrentes da condição da deficiência visual, por meio de Programas de Intervenção precoce, Orientação e Mobilidade e Atividades de Vida Autônoma. Esse é o papel da Educação Especial, além da articulação e trabalho conjunto com a escola e a família. Nesses aspectos a atual formação deixa a desejar.
O profissional sai da universidade preparado para atender as crianças com deficiência, especificamente a visual?
M.B. – Depende, há universidades públicas, a minha por exemplo, onde temos 72 horas de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva e mais 72 horas de LIBRAS. Esses cursos não capacitam para o AEE, são disciplinas que trabalham com a cultura escolar, posturas, atitudes, formas positivas de interação e comunicação, marcos normativos e práticas pedagógicas heterogêneas. Os futuros professores tomam ciência das necessidades específicas e educacionais especiais decorrentes da deficiência visual e dos recursos e alternativas didático-metodológicas que atendam essas necessidades. Aprendem sobre o papel da Educação Especial e o que faz o AEE, são estimulados a trabalharem em conjunto com os professores especializados na busca de melhores estratégias de ensino. O que se recente hoje, é a falta de formação consistente de professores para atuação na Educação Especial.
Quando se fala em transformação da escola, do ensino, isso não implicaria em mudanças na política educacional?
M.B. – Sem dúvida, o que mais nos preocupa para essa transformação é a formação de professores da educação especial comprometidos não apenas com o atendimento das necessidades individuais das crianças com deficiência visual, mas com o engajamento nos projetos coletivos da escola, profissionais capazes de colaborar com a prática pedagógica, participar da elaboração do Projeto Político Pedagógico, do Plano de Desenvolvimento Educacional, do Plano de Inclusão, documentos que contemplam as necessidades específicas e educacionais especiais dos alunos com deficiência visual.
A senhora é a favor da educação especial?
M.B. – Sim, sempre militei como mãe de pessoa com deficiência visual e múltipla. Sem o conhecimento e o atendimento da educação especial, meu filho não chegaria à Universidade. No entanto, pelas experiências vividas e estudos que desenvolvo, não defendo escola especial para alunos com deficiência visual. Lutei pela integração e luto pela inclusão, mas não pela desconstrução da educação especial — um campo de conhecimento científico que tem muito a contribuir para a promoção da aprendizagem e inclusão de pessoas com deficiência visual.
Cite o maior obstáculo ou resistência para se efetivar a educação inclusiva?
M.B. – Os meus anos na Educação Especial permitem-me observar que os obstáculos são praticamente os mesmo nos diferentes momentos do processo histórico. Romper com as tradições, com as crenças e com a mesmice do dia a dia é sempre muito difícil. A resistência vem sempre do medo do novo, do incerto, das mudanças no fazer pedagógico. Isto ocorreu no momento da integração e não é diferente diante das propostas de inclusão e na hora de redimensionar o papel da Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva.
Quais as dificuldades ao tentar incluir crianças com deficiência visual em creches e pré-escolas?
M.B. – Este tem sido meu campo de pesquisa. O Censo INEP-MEC nos mostra que são poucas as crianças com deficiência visual e múltipla que chegam às creches e pré-escolas. Os grandes centros do país, no eixo sul-sudeste, têm programas de intervenção precoce e atendimento educacional especializado na etapa da educação infantil. São poucos. As ações da política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva ainda não priorizaram essa etapa de ensino: não há Atendimento Educacional Especializado adequado para essa faixa etária como também são raros os acompanhamentos da Educação Especial nos Centros de Educação Infantil.
A inclusão do aluno com deficiência visual na sala do ensino regular cumpre o seu papel inclusivo?
M.B. – Felizmente as pesquisas na área da deficiência visual vêm aumentando significativamente. Nos últimos anos tenho tido a grata satisfação de participar de várias bancas de estudos que analisam o processo de inclusão desde a educação infantil ao ensino superior. Os dados revelam que, quanto as posturas, atitudes e superação do preconceito, houve mudança. No entanto, em relação à prática pedagógica, há um descompasso muito grande entre a política proposta e a prática.
Qual o papel da família no processo inclusivo escolar?
M.B. – A relação-escola família é o eixo central na proposta da educação inclusiva, não só a família, mas jovens e adultos com deficiência tem o papel fundamental na formação de redes de apoio. Participam do suporte e apoio à escola, aos professores, aos demais alunos com deficiência e pais. Não podemos nos esquecer que os fundamentos da prática pedagógica para inclusão enfatizam a discussão e tomadas de decisões coletivas, ações dinâmicas e flexíveis, com modificações constantes para atender a singularidade dos alunos e a realidade de cada contexto cultural e educacional.
Deixe uma mensagem àqueles que atuam na área da educação, para que a educação inclusiva se concretize.
M.B. – Muito estudo e vontade de participar! A escola é um espaço público privilegiado para a convivência com a diferença, onde são ensinadas as regras para o convívio democrático, o respeito às opiniões divergentes e, principalmente, espaço de ensinar e aprender. Acredito que através da troca de conhecimentos entre a educação especial e o ensino regular; a reflexão contínua dos professores sobre as práticas pedagógicas, os desafios, sobre as necessárias adequações e modificações no contexto escolar, além do envolvimento dos alunos com deficiência e suas famílias, essas podem ser algumas estratégias que podem sinalizar caminhos para inclusão educacional e social.
Fonte: Lar das Moças Cegas
Esta reportagem, atendeu aos meus objetivos.