Conferência Mundial da Organização Mundial da Saúde sobre Determinantes Sociais da Saúde e as Pessoas com Deficiência
Rio de Janeiro, Brasil, 19 a 21 de Outubro de 2011
Documento de referência
International Disability Alliance (IDA)
Member Organizations:
Disabled Peoples’ International, Down Syndrome International, Inclusion International, International Federation of Hard of Hearing People, World Blind Union, World Federation of the Deaf, World Federation of the DeafBlind, World Network of Users and Survivors of Psychiatry, Arab Organization of Disabled People, European Disability Forum, Red Latinoamericana de Organizaciones no Gubernamentales de Personas con Discapacidad y sus familias (RIADIS), Pacific Disability Forum
Resumo da documentação histórica:
Determinantes sociais da saúde são as diferenças de oportunidades na saúde com base em fatores não-médicos, tais como gênero, deficiência, nível de renda, nível educacional e status LGBT. Os determinantes sociais que oneram a saúde são os que produzem a estratificação da sociedade, como a discriminação (inclusive com base na deficiência), os níveis de renda, a política do governo e as políticas públicas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou que essas diferenças sociais, ao invés de diferenças médicas ou biológicas, são as principais causas da desigualdade nos resultados da saúde. Assim, a política para enfrentar as desigualdades na saúde não deve se concentrar apenas na garantia do acesso aos serviços médicos, mas também adotar um enfoque abrangente para lidar com as diversas questões que afetam a saúde.
Segundo a OMS, o primeiro passo para enfrentar as desigualdades na saúde é combater as causas sociais subjacentes através da boa governança, a nível nacional e internacional. A boa governança inclui:
• Envolver as partes interessadas no processo e responder às suas necessidades;
• Adotar uma direção e uma visão estratégica de longo prazo para enfrentar os obstáculos à igualdade na saúde (destacando a iniciativa de Piso de Proteção Social da ONU como um bom exemplo);
• Manter a responsabilização de todos os envolvidos no processo de superação das barreiras, inclusive, via monitoramento do progresso através da coleta eficaz de dados que analise para além das médias, os resultados mais adversos, e.
• Estabelecer igualdade na tomada de decisões e implementação.
Grande parte do movimento referente a este assunto virá da esfera internacional, através da cooperação internacional e de programas de desenvolvimento. Por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) propôs uma iniciativa chamada de Iniciativa de Piso de Proteção Social que visa fornecer um nível mínimo de segurança de renda, bem como o acesso físico e financeiro a serviços básicos como água e saneamento, saúde e educação, para todas as pessoas. Este programa inclui disposições para assegurar uma renda adicional para as pessoas com deficiência.
Embora o setor de saúde também deva estar envolvido na promoção do enfoque social para enfrentar as desigualdades na saúde e no desenvolvimento de competências para sua execução, é importante que o setor da saúde não assuma sozinho qualquer uma destas tarefas como um mandato exclusivo. Ao contrário, é essencial garantir uma ampla participação de diferentes áreas de governo, da sociedade civil e do setor privado.
Perspectiva dos direitos das pessoas com deficiência referente às determinantes sociais da saúde e as propostas da OMS/Banco Mundial:
Direito à saúde e outros direitos econômicos, sociais e cultutais (ESCs)
O Artigo 25 da Convençao relativa aos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) prevê o direito ao mais alto nível de saúde física e mental, sem discriminação com base na deficiência. Este direito inclui o acesso à mesma gama, qualidade e padrão de serviços de saúde gratuita e a preço abordável para todos, incluindo saúde sexual e reprodutiva, prestação de serviços de saúde necessários especificamente devido a uma deficiência, e os serviços prestados nas comunidades, incluindo em comunidades rurais. De acordo com o Artigo 23 da CDPD, as pessoas com deficiência também têm direito de conservar sua fertilidade, fundar família, e receber educação reprodutiva e de planejamento familiar.
De acordo com o Relatório Mundial sobre Deficiência, da OMS e do Banco Mundial, no entanto, as pessoas com deficiência enfrentam em todo o mundo significantes desigualdades na saúde em comparação com a população em geral. Pessoas com deficiência muitas vezes têm maiores necessidades de serviços de saúde devido à deficiência ou condições secundárias causadas pela deficiência, as quais frequentemente não são atendidas. Contudo, as pessoas com deficiência são menos propensas a receber os serviços destinados à população em geral, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Mulheres com deficiência são menos propensas a receber exames preventivos para doenças como câncer de mama ou do colo do útero, e os homens com deficiência enfrentam o mesmo problema referente ao câncer da próstata. Pessoas com deficiência têm menos probabilidade de ser incluídas em programas de educação sexual, e ainda há muitos casos de mulheres com deficiência sendo esterilizadas à força. Pessoas com deficiência sofrem maior risco de ser objeto de outras formas de violência, que a população geral, tanto em instituições como na comunidade; o que pode levar a problemas de curto e longo prazo relativos à saúde física e mental.
O relatório da OMS/Banco Mundial identificou que as três principais barreiras para pessoas com deficiência no acesso aos serviços de saúde são: o custo dos serviços, a distância de casa, e à inacessibilidade dos sistemas de transporte.
O custo dos serviços de saúde torna-se um fardo particularmente relevante para as pessoas com deficiência, os quais, caso segurados, têm mais probabilidade de ver negada a cobertura por parte das seguradoras privadas ou ser sujeitos de altos co-pagamentos. As pessoas com deficiência também são mais propensas a enfrentar enormes despesas não previstas com cuidados de saúde devido ao seguro insuficiente ou a não ter seguro, além disso são menos propensas a ser empregadas, levando ao agravamento da pobreza. Os serviços de saúde mental frequentemente também não são cobertos por programas de seguro saúde. E mesmo quando o custo é acessível, o serviço freqüentemente não é disponibilizado nas comunidades onde vivem as pessoas com deficiência, além disso, os transportes inacessíveis representam a impossibilidade para as pessoas com deficiência em acessar esses serviços.
Desigualdades na saúde decorrem não apenas das barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam no acesso aos serviços de saúde, mas também das desigualdades no emprego e na educação, bem como, na discriminação que enfrentam face à sociedade em geral. Assim, para as pessoas com deficiência, os programas de enfrentamento às determinantes sociais da saúde devem ser amplos e devem abordar as inùmeras questões sociais que levam às desigualdades na saúde:
• Emprego: estes programas devem garantir que o emprego seja acessível e disponível para pessoas com deficiência em uma base não-discriminatória;
• Educação: esses programas devem garantir a educação universal, acessível e inclusiva em todos os níveis, para garantir que crianças e adultos com deficiência tenham igualdade de oportunidades;
• Proteção social: estes programas devem assegurar que os requisitos mínimos estabelecidos para renda, moradia, vestuário e outros serviços básicos satisfaçam as necessidades básicas não só da população em geral mas também as necessidades específicas das pessoas com deficiência.
A fim de resolver todos estes problemas, cada país deve adotar um plano de ação baseado na CDPD para gradualmente reduzir as desigualdades na saúde e em suas determinantes sociais enfrentadas pelas pessoas com deficiência. Este plano de ação deve conter informações sobre quem é responsável por cada etapa, os custos do programa, e como a sociedade civil, em particular as organizaçoes representativas das pessoas com deficiência, serão envolvidas em cada etapa do processo.
Participação na vida política e pública
Como um dos grupos que enfrenta as maiores desigualdades na saúde, as pessoas com deficiência precisam ser envolvidas em todos os aspectos de ajustamento das determinantes sociais da saúde no nível local, nacional e internacional. O envolvimento das organizações representativas das pessoas com deficiência é particularmente importante no planejamento, desenho, implementação e avaliação de todos os programas que abordam as determinantes sociais da saúde.
O Artigo 29 da CDPD prevê o direito às pessoas com deficiência de “participar efetiva e plenamente na vida política e pública, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”, inclusive através do direito de votarem e serem votadas.
Muitas vezes, no entanto, as pessoas com deficiência têm negados esses direitos. Algumas pessoas com deficiência são privadas da sua capacidade jurídica em quase todos os países, e com isso muitas vezes também são privadas do direito de votar ou concorrer a um cargo, enquanto outros têm efetivamente negado este direito por causa da falta de acesso aos procedimentos de votação e eleição. A remoção das barreiras físicas e legais para a participação das pessoas com deficiência na vida pública e política é, portanto, uma questão de prioridade máxima, a fim de que as pessoas com deficiência possam participar do enfrentamento às determinantes sociais da saúde.
Cooperação Internacional
A cooperação internacional será uma pedra angular no enfrentamento das determinantes sociais, particularmente para as pessoas com deficiência. Aproximadamente 80% das pessoas com deficiência vivem em países em desenvolvimento, a maioria das quais são beneficiárias de assistência internacional ao desenvolvimento, e muitos desses vivem em áreas rurais onde emprego, saúde, educação e serviços básicos são escassos.
A CDPD através do Artigo 32 é o único tratado de direitos humanos a reconhecer a importância da cooperação internacional para garantir os direitos humanos, incluindo o direito à saúde. Até o momento, contudo, muitos dos mais proeminentes projetos de desenvolvimento, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), têm amplamente excluído as necessidades e envolvimento das pessoas com deficiência em seu planejamento, desenho, implementação e monitoramento.
A fim de assegurar os direitos enumerados na CDPD, os programas internacionais de desenvolvimento, bem como as estratégias nacionais destinadas a combater as determinantes sociais da saúde devem manter as seguintes características:
• Evitar a criação, perpetuação ou consolidação de barreiras e discriminação contra as pessoas com deficiência
• Ser inclusivo e acessível às pessoas com deficiência
• Promover o empoderamento e a participação das pessoas com deficiência
• Incluir as organizações representativas de pessoas com deficiência em todas as etapas de desenvolvimento de políticas, programas e projetos
O Artigo 32, em conjunto com os demais artigos da CDPD, indica que nenhum financiamento ao desenvolvimento deve ser gasto para criar mais barreiras para as pessoas com deficiência e que cada programa de desenvolvimento deve incluir pessoas com deficiência. Esta abordagem de duas vias (conhecida por abordagem twin-track) a qual obriga os doadores a não apenas financiar projetos específicos de deficiência, mas também incluir os direitos das pessoas com deficiência como uma questão transversal em todos os projetos de enfrentamento às determinantes sociais da saúde, da mesma forma como as questões de gênero são incluídas. Esta integração inclui a avaliação do impacto de todos os projetos a partir de uma perspectiva da deficiência, bem como, assegurar que os direitos das pessoas com deficiência, conforme definido na CDPD sejam respeitados e incorporados em todos esses projetos.
Coleta de dados
A coleta de dados e as pesquisas sobre a situação das pessoas com deficiência também são essenciais para a compreensão da situação atual e para monitorar o progresso no enfrentamento das determinantes sociais da saúde. O Artigo 31 da CDPD exige que os Estados Partes se engajem na coleta de dados sobre as pessoas com deficiência, e que estes sejam desagregados sempre que necessário.
Contudo, a falta de dados sobre as pessoas com deficiência não deve ser uma barreira ao enfrentamento das questões que determinam a igualdade ou desigualdade na saúde. Com os direitos previstos na CDPD em mente, os Estados e os atores internacionais devem tomar medidas imediatas para aliviar a discriminação enfrentada pelas pessoas com deficiência, garantir que elas possam participar na formulação de políticas públicas e garantir que elas tenham acesso ao emprego, educação e outros serviços básicos.