Por Manoel Negraes *
Uma das dificuldades de locomoção enfrentadas pelas pessoas com deficiência visual no dia a dia é atravessar a rua. O que parece uma ação simples para todos, para nós se mostra muito complicada, já que apresenta enormes riscos. E estes aumentam em uma sociedade onde as pessoas cada vez mais enxergam menos as outras.
É comum quem tem deficiência visual ficar parado nas esquinas esperando ajuda para atravessar a rua – sobretudo em bairros mais desertos e em horários mais tranqüilos. Porém, não é menos comum estas ficarem esperando ajuda em lugares movimentados. É incrível, mas isso acontece! Muitos pedestres passam por nós, pessoas com deficiência visual, e não oferecem ajuda.
Eu, que tenho baixa visão, percebo por muitas vezes esta atitude, mas ao mesmo tempo sinto receio em parar a pessoa para pedir ajuda. Isso porque a falta de informação em relação à baixa visão gera desconfiança. O fato de eu vê-la a faz pensar que não tenho deficiência, que estou fingindo, que quero esmola, assaltá-la etc.
Outra situação que gera esta mesma desconfiança é o fato de eu e outras pessoas com baixa visão atravessarem ruas e avenidas, sobretudo quando existe a faixa de pedestre, sem precisar de ajuda. Já escutei comentários maldosos nas duas situações, o que me faz “vestir” o papel social do cego tão esperado por todos, principalmente para assegurar minha integridade física.
No entanto, o que quero sublinhar neste texto, não é esta desconfiança e sim o fato dos outros não oferecerem ajuda. Esta falta de atitude, observada por mim nos últimos dez anos, me faz refletir sobre quem não enxerga de verdade, sobre a que ponto está o individualismo cada vez mais difundido nas escolas e na mídia. Com certeza, a distração, a pressa, o receio, a falta de educação de muitas pessoas com deficiência visual colaboram para este tipo de atitude. Mas, mesmo querendo acreditar que estes são os motivos principais da “cegueira social”, não consigo deixar de observar que a suas causas extremas são a ignorância, o individualismo e o egoísmo.
Infelizmente, a pessoa que tem esta postura pelos motivos negativos acima, é a mesma que fecha os olhos e finge dormir no ônibus para não ceder lugar. Fecha os olhos e não enxerga a miséria escancarada na janela do seu carro. Fecha os olhos e não compreende que as pessoas com deficiência não formam um grupo homogêneo e que o mundo é bonito, rico e transformador justamente porque é formado pela diversidade humana. Então, pergunto, quem não enxerga?
* Manoel Negraes, 32 anos, cientista social, trabalha na Mobilização Social da Unilehu – Universidade Livre para a Eficiência Humana (Manoel@unilehu.org.br) e no Minuto da Inclusão, projeto do MID – Comunicação e Cidadania (Manoel.mid@gmail.com).
Fonte: O Autor
Este texto faz enxergar!
Pois é Manoel, matou pau. Essa “cegueira” que você cita no texto ultrapassa a questão da deficiência e perpassa a questão social, de genero e dos mais diversos preconceitos e, geralmente, tem sua origem na ignorância, individualismo e egoísmo.
Grande abraço,
Excelente texto! Reflete nossa realidade. Vivemos em uma sociedade deficiente, individualista, com valores distorcidos. Mas temos que manter a fé e nos unir cada vez mais por uma sociedade justa, fraterna, que sabe respeitar as diversidades e que as pessoas possam se “ver”, além das aparências e serem solidárias umas com as outras.
Abraço,