Tecendo novos olhares para as demandas escolares

Inclusive - alunos fazendo arte e pinturas no chão.

Tecendo novos olhares para as demandas escolares, por Sandra Bueno Almeida, Cristine Marques Blumm, Melissa Rezende Pires e Ana Alice Rezende.

Resumo: Este trabalho relata a experiência de um projeto desenvolvido na APAE de Estância Velha – RS, que tem como público alvo os educadores da rede regular de ensino. Consiste em um projeto chamado, “Grupo de Apoio a Diversidade Escolar”, com encontros mensais, no qual, o principal objetivo é pensar a pluralidade dentro do espaço escolar e repensar as intervenções destas demandas. Visa, através das trocas de experiências, estudos e reflexões, a construção de uma docência com olhar receptivo às singularidades e, portanto, inclusivo. Que compreenda a inclusão não como algo relacionado apenas a integração de alunos com deficiência explícita, mas sim, como o acolhimento, a compreensão e o respeito à diversidade inerente à subjetividade humana.

Também atua na meta de constituir ações de enfoque sistêmico que visem possibilitar o processo de aprendizagem e desenvolvimento do corpo discente.

Palavras-chave: Diversidade, escola, inclusão

Introdução:

O “GADE”, Grupo de Apoio à Diversidade Escolar, foi criado em 2005 como GAI (GRUPO DE APOIO À INCLUSÃO), com o objetivo de desenvolver um trabalho voltado ao apoio do professor, que recebia alunos com deficiência intelectual e/ou múltipla, encaminhados pela APAE, já que esta vinha se posicionando em relação aos benefícios de todos freqüentarem a escola regular.

Desde então, passou por significativas transformações, especialmente porque as construções, possibilitadas pelo trabalho, levaram o grupo a perceber que os desafios que se apresentavam ao fazer do professor, não diziam respeito apenas ao atendimento dos alunos com deficiência. Esta mudança na percepção possibilitou a ampliação do “olhar” lançado à realidade escolar.

Se antes a leitura feita era de que as dificuldades no trabalho se deviam ao fato de os alunos apresentarem necessidades educativas especiais, agora se passa a perceber que grande parte dos alunos possui necessidades educativas especiais, não pela deficiência marcada e diagnosticada, mas pela diversidade que os constitui. Baseamos-nos no que diz a Declaração de Salamanca (UNESCO,1994), sobre o conceito de Necessidade Educativas Especiais, que abrange todo educando cujas necessidades envolvam deficiência ou dificuldade de aprendizagem.

Conforme Mader (apud MANTOAN,1997) a diferença é inerente ao ser humano, e reconhecendo a diversidade como algo natural, em que cada ser pode usar de seus direitos coletivos na sociedade, surge o conceito, por nós também adotado, de Inclusão.

A partir disso, o grupo, até então nomeado pela APAE de GAI, passa através de solicitação e sugestão dos participantes, a chamar-se GADE. Desta forma consolida o novo foco de trabalho, que consiste no processo de reflexão e construção de práticas escolares, contemplando e atendendo o educando considerando e respeitando suas singularidades e características particulares. Deixa de visualizar a deficiência e passa a refletir as diferenças, sejam elas quais forem.

Deixa de ser uma escolha da Escola, seja por receber alunos que possuem alguma deficiência explícita, seja por acolher necessidades individualizadas ou por deparar-se com novos desafios e demandas, que remetam às diversidades encontradas no mundo e no humano. Portanto, um dos grandes desafios diante destes aspectos é manter um olhar integrador e inclusivo perante tantas diferenças, sem perder-se em seu propósito educativo e sem aniquilar possibilidades.

José Pacheco em sua obra sobre inclusão diz: “O termo “educação inclusiva” cobre variadas tentativas de atender à diversidade total das necessidades educacionais dos alunos (…) Todas as crianças conseguem aprender; todas as crianças freqüentam classes regulares (…) recebem currículo relevante às suas necessidades (…) Isso deve ser conseguido por meio de um ambiente de aprendizagem escolar que tenha altas expectativas dos alunos, que seja seguro, acolhedor e agradável.” (PACHECO, 2007, p.14) Para Fernandez, em cada ser pode-se observar uma modalidade aprendizagem particular. Sendo assim, o tempo e forma de aprendizagem para cada sujeito se processam diferentes, e se apresentam das mais variadas configurações (FERNANDEZ, 1994)

Metodologia: Para o desenvolvimento do trabalho a que o GADE se dedica, são utilizados encontros mensais, com duração de duas horas. Os integrantes, educadores representantes das escolas regulares do município (municipais, estaduais e particulares), são convidados a participar no início de cada ano letivo. O grupo funciona, até então, em modalidade aberta. Isto é, recebe novos membros em qualquer momento que estes manifestem desejo em juntar-se a proposta.

Os assuntos a serem trabalhados, assim como o formato para cada um deles é contratado e estruturado a partir de interesses do grupo que são levantados no primeiro encontro do ano. Algumas estratégias já utilizadas: Seminários temáticos com leituras prévias; estudos de caso; encontros temáticos expositivos e discussão das idéias apresentadas; vivências como dispositivo no auxílio das reflexões e construções; sensibilizações com dinâmicas de grupos; etc.. Busca-se sempre a utilização de materiais diversificados e motivadores.

O GADE possui uma coordenação, que tem o papel de organizar o ambiente dos encontros, o material necessário aos trabalhos do dia, contatar os participantes, buscar referencial teórico quando necessário ou solicitado, favorecer a interlocução dos membros do grupo, assim como o processo de reflexão grupal, estimular o reconhecimento de “self” em cada educador, instigar a construção de novas práticas, ainda que experimentalmente, fortalecer e mediar o campo de troca de experiências entre os participantes. Além do encontro mensal cada escola pode disponibilizar de horário individual com a coordenação, para ser assessorada em suas particularidades. Pois na prática desta relação fica evidente que, apesar da generalização da temática inclusão, se considera a realidade de cada escola e cada situação.

Resultados: Estudos estatísticos sobre os resultados obtidos através do trabalho do GADE, ainda não foram realizados. Contudo, é possível apontar como um resultado qualitativo a mudança no olhar lançado aos desafios que a escola e os educadores encontram em seu fazer diário. Anteriormente, a opinião circulante era a de que os desafios advinham dos alunos chamados “de inclusão” (referência feita aos alunos que possuíam alguma deficiência explícita e encaminhados a rede regular de ensino).

Atualmente, tais concepções foram desconstruídas, e deram lugar ao entendimento de que as demandas desafiadoras se relacionam muito mais diretamente com a diversidade de que é constituída a população escolar, do que com a chegada de alunos acometidos de alguma patologia.

Esta transformação é evidenciada pela própria trajetória do GADE, onde a mudança de nome (de GAI para GADE) assinala uma alteração no foco do trabalho proposto, refletindo em transformação também no posicionamento da escola, sobre sua responsabilidade diante das demandas diversas que seus alunos apresentam no processo de aprendizagem e no papel e comprometimento do educador na visão das possibilidades de cada educando.

Discussão dos resultados: Pode-se pensar que a relevância geral do resultado apontado, reside no fato de que compreender e aceitar as manifestações diversificadas de comportamentos e necessidades dos alunos no ambiente escolar, é que delinearão as ações destinadas ao processo facilitador ao desenvolvimento do educando. Que abrigar a pluralidade humana no contexto formal do ensino educativo pode ter efeitos avassaladores no crescimento social, no processo de aprender e no desenvolvimento psicossocial do aluno.

Para Nogueira são muitos os fatores estudados quanto aos distúrbios e dificuldades de aprendizagem, porém sempre voltados ao próprio sujeito como responsável pelo seu fracasso escolar e que pouco se fala ou estuda a respeito dos fatores externos ao sujeito (NOGUEIRA,2005). Fonseca diz que devemos pensar na escola para a criança e não o contrário. Isso exige o abandono do ensino despersonalizado (FONSECA, 1995). Sabe-se também que outro aspecto importantíssimo no processo ensino aprendizagem é o da relação construída entre professor e aluno. Que a qualidade da relação que se estabelece entre e educador e aprendentes é crucial para que este processo ocorra. Pedro Demo fala que é imprescindível a presença do professor, enquanto elo no processo ensino aprendizagem, na direção de uma consciência de cidadania. A inclusão só terá êxito com seu total engajamento: “se o professor não é um incluído, como pode ajudar a promover a inclusão?” (DEMO, 2000)

Ao pensarmos sobre o resultado que o trabalho do GADE nos apontou – de possibilidade de ampliação da leitura realizada sobre os desafios na práxis do professor – refletimos também sobre a questão: ”De que forma esta mudança de percepção, interfere na qualidade da relação que é desenvolvida com os alunos?” Arriscamos-nos a inferir, baseadas na observação e experiência do trabalho através do GADE, que quanto mais há a oportunidade de o professor compreender a natureza dos desafios de seu trabalho, a complexidade humana e a sua implicação e papel na promoção de sucesso no processo individual dos educandos, maiores se tornam as possibilidades de construção de um relacionamento professor x aluno baseado na empatia, afetividade e na consideração da singularidade.

Conclusão: Diante dos desafios diversificados com que se depara a escola atual, e mais especificamente o professor, entendemos que o GADE, favorece possibilidades de trabalho muito ricas, no que diz respeito à reconstrução e ressignificação de práticas escolares. Constatamos com o grupo, que novos formatos de trabalho começam a se desenhar a partir da percepção de que há real necessidade de transformação. Constatação esta que pode parecer muito simples, mas para que se possa nela chegar, há que se buscar um trabalho complexo, crítico e reflexivo, sobre as práticas pedagógicas há muito instituídas.

Mello assinala que a escola, como uma instituição mediadora na construção do conhecimento, tendo como objetivo levar cultura para um número cada vez maior de pessoas leva, para si, uma gama de responsabilidade muito grande. Inclusive no que se refere à aquisição, consistência e modificação de conceitos como colaboração, adaptação e participação (MELLO, apud MANTOAN, 1997). De acordo com nossas vivências, observamos que a conscientização da importância das transformações que necessitam ser feitas, abre caminho para a busca de alternativas para a qualificação e excelência das intervenções que a escola deve efetuar, em especial no que se refere ao abandono da crença que todos os educandos são iguais, possibilitando práticas educacionais diferenciadas, independentemente da causa que origina as necessidades particulares.

Referências Bibliográficas:

DEMO, P. Ironias da educação: mudança e contos sobre mudança. DP & Editora, 2000.

FERNANDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1994.

FONSECA, V. Introdução às Dificuldades de Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. A Integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon. Editora SENAC, 1997.

NOGUEIRA, Nilbo R. Pedagogia dos Projetos. Uma jornada interdisciplinar rumo ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. 6 ed. São Paulo: Editora Érica Ltda, 2005.

PACHECO, José. Caminhos para a Inclusão. Um guia para o aprimoramento da equipe escolar. Porto Alegre: Artmed Editora, 2007.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão. Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1991.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *