Lya Luft: doença, deficiência ou ignorância?

Desenho infantil com varias criancas em frente a escola
Desenho infantil com varias criancas em frente a escola
“Li o texto da Lya Luft, publicado na Veja dessa semana, sobre o massacre de Newtown, nos EUA. Nele, a escritora propõe duas medidas para evitar futuros massacres: 1) controle de armas e 2) “rever em toda parte nossos conceitos, leis e preconceitos quanto a doenças mentais”. Só que a proposta (2), para ela, é o seguinte: “O politicamente correto agora é a inclusão geral, significando também que crianças com deficiência devem ser forçadas (na minha opinião) a frequentar escolas dos ditos ‘normais’ (também não gosto da palavra), muitas vezes não só perturbando a turma, mas afligindo a criança, que tem de se adaptar e agir para além de seus limites — dentro dos quais poderia se sentir bem, confortável, feliz.”

Notei, também, que ela chamou o menino que matou os demais de “demente” (primeiro parágrafo). Depois, falou de sua “doença mental” (terceiro parágrafo). Em seguida, mencionou “transtorno mental” e “problema” (quarto parágrafo). Finalmente, tratou de “transtorno psiquiátrico” (quinto parágrafo).

Fica claro, então, que: 1) ela não tem a menor idéia do perfil do menino que assassinou os demais, mas, ainda assim, se dispõe a falar sobre ele para generalizar soluções de política pública; e, mais importante, 2) não sabe a diferença entre uma pessoa ter uma doença mental ou transtorno de qualquer tipo (há vários classificados no DSM-IV, da American Psychiatric Association) e a pessoa ser deficiente.

Afirmar que a revisão dos “conceitos, leis e preconceitos quanto a doenças mentais” significa não “forçar” crianças com deficiência a frenquentar a escola regular – direito constitucional no Brasil, previsto no caput do Art. 6o e pelo Art. 206, I da CF88, bem como pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que é equivalente a emenda constitucional no nosso País (Art. 5o, LLXXVIII, parágrafo 3o da CF88) – é uma mistura de desconhecimento com elitismo.

Já que a escritora não acha correto “forçar” as crianças deficientes a estudarem com seus pares típicos – processo que resulta em melhora substantiva no desenvolvimento e aprendizado tanto da criança deficiente, que busca se igualar aos seus “peer models”, quanto à criança típica, que fixa mais conhecimento ao se portar como “professor assistente” ao auxiliar o colega deficiente -, talvez ela prefira uma solução do passado.

Penso em três.

Há a solução alemã nazista, de extermínio das crianças deficientes, codificada na Aktion T4 do III Reich; e que, aliás, deu origem ao método da câmara de gás da solução final para os judeus. Afinal, matar tantas crianças dava muito trabalho só com injeção letal. O segredo de qualquer negócio é a escala.

Há, em seguida, a solução americana da Guerra Fria, de usar as crianças deficientes como cobaias do governo federal para experimentos com plutônio (via merenda!), por exemplo, já que identificar a reação humana ao material radioativo não poderia ser feito à custa de gente “normal”. Tudo em nome do progresso da civilização.

Por fim, há a solução brasileira (e de tantos outros países), de algumas décadas atrás, de “institucionalizar” as crianças com deficiência, ou seja, jogá-las em algum quarto, muitas vezes amarradas e seguidamente molestadas, para o resto de suas vidas. Milhares de Kaspar Hausers sem história.

Não sou fã da irônia, mas, nesse caso, não encontrei outro método para expressar minha indignação diante dessa bobagem.

O Diogo Mainardi, que também já escreveu muito na Veja, acabou de publicar um livro emocionante (“A Queda”), relatando sua história com seu filho com paralisia cerebral – e que recomendo a qualquer pai, de qualquer filho, a qualquer tempo.

Na passo 206, ele afirma: “Quando as pessoas descobrem que meu filho tem paralisia cerebral, olham para ele com uma mistura de simpatia e piedade. Eu olho para ele como se olhasse para um totem: com devoção, reverência e sentimento de inferioridade.”

A Lya Luft deveria pensar melhor sobre o assunto.”

Diego Bonomo é Diretor para Políticas Públicas da Seção Americana do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos (CEBEU), ligada à U.S. Chamber of Commerce, em Washington, e pai de Vito, dois anos e meio e nascido com síndrome de Down, e Lara, um ano.

2 Comments

  1. Obrigada Sr. Diego Bonomo! Você lavou a minha alma, parabéns pela resposta excelente a apropriada em resposta ao artigo infeliz da escritora Lya Luft.
    Sou mãe de uma criança com deficiência e fiquei indignada, chocada ao ler o artigo dessa autora.
    Só quem tem um filho assim sabe o que isso representa, não podemos mais escondê-los, nossos filhos existem, eles não podem mais viver invisíveis aos olhos da sociedade.
    Nossos filhos com deficiência precisam sim ter e poder fazer valer seus direitos subjetivos de existirem e conviverem com as outras pessoas e estudarem em escola comum.
    Meu filho estuda em escola regular, está se desenvolvendo muito bem e é uma criança feliz com seus pares diferentes dele, isso acontece não por um ato de benemerência ou piedade, mas porque a escola está fazendo a sua parte.

    Nilma Mamede
    Mestre em educação

  2. Porque não uma quarta e correta solução!?!?!?????
    Oferecer a cada criança com necessidades especiais sejam físicas, psíquicas, motoras ou sociais, um professor tutor auxiliar especializado para cada criança a exemplo do deficientes auditivos!!!
    Mas nenhum governo quer mais gastos né???
    Retiraram das escolas, enfermeiros e dentistas. Nunca colocaram nas escolas psicólogos nem assistentes sociais, profissionais tão necessários nas escolas públicas!
    Por favor, pare com a falácia de que as crianças são beneficiadas por um programa nitidamente focado na economia, maquiando pseudo resultados. Esses são muito além de falsos!!!

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