Por Lucio Carvalho *
O dia do brinquedo está aí novamente. Todos os anos ele vem. Basta estar minimante conectado ao mundo e suas mídias para perceber que ele vem chegando. Num passe de mágica, ou melhor, através de campanhas publicitárias milimetricamente pensadas, as crianças tomam conta das propagandas de TV, outdoors, internet e qualquer lugar onde se possa despertar seu desejo. Especialmente se ele apontar para a fonte de uma das palavras mais prometidas do mundo contemporâneo: o divertimento.
Trata-se de um imperativo absoluto em se tratando de crianças e uma promessa irresistível em se tratando dos adultos, afinal estes últimos parecem pessoas condicionadas a crer que é possível comprar tudo na vida, até mesmo divertimento. Na língua portuguesa, divertimento é apenas um substantivo comum, mas na mente de fabricantes de brinquedos e publicitários é um mantra rentável como poucos.
Você não está enganado, até de comida divertida você já viu anúncio. E mais de um, mais de dois, até. Na mente da indústria destinada à criança e seus marqueteiros, é mais importante que o produto traga o rótulo de “divertido” que o selo de aprovação do INMETRO. E para seus pais, mesmo que idealmente não devesse ser assim, parece que também. De certo modo, funciona como um tipo de certificado de garantia. Significa que, de posse do brinquedo, a diversão está garantida. Abstrai-se inclusive a necessidade de brincar. A posse do objeto é mais que suficiente e assim se criam legiões de adictos ao consumismo irracional, como efeito último da prática social.
Embora a ONU diga que o Dia Mundial da Criança é o dia 20 de novembro e a UNICEF afirme que o 24 de agosto é o Dia da Infância, é o 12 de outubro que se consagrou como o dia delas, o Dia das Crianças. Mas o que as crianças têm efetivamente de seu em suas pequenas vidas? A sua escola? A sua rua? A sua casa? Não, as crianças não têm nada de seu, nem suas pequenas posses, muito menos o “seu” próprio dia.
Mesmo que estejam no centro do mundo contemporâneo e de sua horda de vendedores reais e virtuais, estão ali mais no sentido dos adolescentes e adultos que virão a ser do que propriamente as pessoas que são, com suas ideias impertinentes sobre a vida e o mundo. As crianças são seres marginais sendo socializados a marretadas culturais e pedagógicas. E adocicadas pelo consumo que os próprios pais lhe oferecem e presenteiam.
Tão logo chegam à escola, quando têm uma decente para ir, sua curiosidade natural é substituída pela necessidade imperiosa da repetição e sua criatividade adestrada a aguardar a vez, uma vez que muitas vezes nem nunca virá, dependendo do modelo “pedagógico” adotado pela instituição escolar. Sem falar quando chega tarde demais, quando outros “divertimentos” já levaram sua atenção para muito longe dali.
Mas no Dia das Crianças, neste e em todos os próximos, elas poderão brincar como se fossem livres, que sua liberdade na verdade já foi subtraída e sugada justamente por aqueles que deveriam zelar por esse momento fugaz em que o ser humano consegue evadir-se naturalmente do destino social da mediocridade e da serialização. É preciso conter a rebeldia natural das crianças e sacar-lhes do calendário uma vida livre e cheia de brincadeiras e fantasia. Um dia no ano não deveria ser o suficiente?
Nesse ano, não dê presentes a seu(s) filho(s). Deixe-o(s) brincar. Simples assim.
* Coordenador-Geral da Inclusive – inclusão e cidadania.