Por Jarid Arraes
O movimento feminista, em especial, já tem uma certa disposição para falar de mulheres gordas, afirmando que seus corpos também são bons, belos e completamente funcionais. No entanto, também se mostra necessária a discussão sobre políticas públicas e a promoção da inclusão social no dia-a-dia
O mundo é projetado para os magros: as roupas são pequenas, as cadeiras são frágeis e não há representação positiva de quem é gordo na televisão, nos livros ou nas revistas. A preocupação da sociedade parece se voltar muito mais para questões de estética e beleza, quase sempre mascarada sob a noção invasiva de aconselhamento quanto a saúde de quem é gordo. A preocupação com o bem estar – se existir de alguma forma – está enterrada debaixo de muita gordofobia, nojo e intolerância. Logo, não é nenhuma surpresa ou novidade o fato de que ser gordo, em nossa sociedade, é muito difícil.
Recentemente, a questão da gordofobia tem sido mais problematizada em meios de discussão sobre gênero, primordialmente porque mulheres gordas são muito mais hostilizadas e cobradas do que homens com as mesmas características. A principal causa dessa disparidade é a exigência e a pressão social para que as mulheres se enquadrem no padrão de beleza. E embora a beleza e a autoestima sejam questões profundamente importantes tanto para mulheres quanto para homens, há uma necessidade urgente de se discutir e promover ações sobre acessibilidade.
É fato que a acessibilidade ainda é um tema carente no Brasil de forma geral. Pessoas idosas e com deficiência ainda enfrentam dificuldades constantes no dia-a-dia, algo que acontece devido a um misto de desrespeito e omissão – não apenas do Estado, como também dos outros cidadãos. No entanto, é preciso lembrar que a questão também diz respeito às pessoas gordas. Embora esse grupo esteja em uma situação de vulnerabilidade física e o direito já exista na teoria, há pouquíssima compreensão no que diz respeito a acessibilidade.
Obviamente, as pessoas gordas não são todas iguais. Algumas possuem problemas cardíacos ou colesterol elevado enquanto outras são perfeitamente saudáveis; umas são sedentárias, outras praticam exercícios; certas pessoas são gordas por conta de uma dieta calórica, enquanto outras possuem disfunções hormonais. Há muitas que aguentam ficar em pé por incontáveis horas e possuem fôlego para praticar atividades intensas. O condicionamento físico de cada um é algo extremamente individual, independente de seu peso. Porém, algumas dificuldades são comuns a maioria das pessoas gordas, como a necessidade de assentos mais largos e resistentes. Para muitos, ficar de pé por períodos prolongados pode provocar dores intensas nas articulações ou até complicações de saúde. É por isso que as pessoas gordas também devem ter acesso a lugares e atendimento preferencial; qualquer impedimento é uma forma de privá-las de seus direitos fundamentais.
É lamentável que a maior parte da população não tenha conhecimento de que as pessoas obesas possuem direito a assentos e auxílio especial; esse é mais um motivo para que elas frequentemente sintam-se desconfortáveis ao solicitar assistência, pois temem ser constrangidas publicamente. Quase ninguém se sente livre para reivindicar seus direitos. Isso acontece porque a sociedade se incomoda com o espaço que as pessoas gordas ocupam e manifesta isso de diversas maneiras, seja lançando olhares de repulsa e reprovação ou chegando ao ponto de reclamar por qualquer benefício que alguém gordo possa conquistar. Em nossa cultura, o ideal seria que todos fossem magros. É por isso que tantas pessoas repetem afirmações como “se não gosta, emagreça” ou “é gordo porque quer, problema seu”. Muitos até acham que quem é gordo não deve ter acesso a saúde, que deveria ser priorizada somente a quem é magro!
Isso é mais do que uma questão de direitos humanos, é uma questão de coerência: ninguém sai por aí questionando para um cadeirante se ele perdeu o movimento das pernas porque alguém atirou em sua coluna vertebral ou se foi um acidente de carro causado por ele próprio enquanto estava bêbado. Essa não é uma questão relevante, pois independente da causa da deficiência, a pessoa lida com as próprias dificuldades e é impedida de viver em sociedade. É preciso que o mundo se adapte às condições das pessoas com deficiência e se torne cada vez mais acessível e confortável para elas. O mesmo raciocínio deveria entrar em voga para quem é gordo: a causa do seu peso é algo particular e a discriminação é algo que somente esse sujeito vivencia. Independente de se tratar ou não de uma condição definitiva, ter a mobilidade reduzida faz parte da realidade de muitas pessoas gordas.
Por vezes, a sociedade parece caminhar em um sentido oposto à inclusão. Eliminar as pessoas fora do padrão e hostilizá-las parece muito mais fácil do que trabalhar para inclui-las. Dificilmente se consegue despertar qualquer empatia de quem é magro, pois o fato de que muitos gordos não conseguem ficar em pé por muito tempo e sentem dores insuportáveis costuma despertar um sentimento de ódio, como se o sofrimento das pessoas gordas fosse “bem merecido”. Os direitos de ir e vir, sentar, pagar contas ou vestir uma roupa confortável são as coisas mais simples e mais básicas, mas um mero “esquecimento” quanto a questão da acessibilidade já basta para impedir quem é gordo de usufruir desses direitos.
O movimento feminista, em especial, já tem uma certa disposição para falar de mulheres gordas, afirmando que seus corpos também são bons, belos e completamente funcionais. No entanto, também se mostra necessária a discussão sobre políticas públicas e a promoção da inclusão social no dia-a-dia, garantindo a quem precisa assentos e filas preferenciais. A sociedade ainda é muito fechada a ouvir pessoas gordas e aceitar com humanidade suas necessidades, mas esse trabalho é fundamental e necessário. A acessibilidade para pessoas gordas é uma tema urgente: sua ausência gera segregação e violência, mas sua implementação promove autoestima e aceitação.
Fonte: Revista Fórum