Marta Gil (*)
O mais recente artigo de Izabel Maior, sobre o silêncio incompreensível , foi como a famosa gota d´água que me fez lembrar a história da Galinha Ruiva, será que vocês conhecem?
Pois então, um dia a Galinha Ruiva ficou com vontade de comer bolo e, para isso, precisava fazê-lo. Era uma tarefa e tanto, o que a fez convidar seus amigos, que moravam na fazenda, para ajudá-la na preparação e depois, na degustação. Todos, polidamente, recusaram, pois estavam muito ocupados com seus próprios afazeres: o Pato, o Gato, o Porco, ninguém tinha agenda.
Como a vontade era grande, a Galinha Ruiva meteu as asas à obra e dali a pouco um cheirinho apetitoso, de bolo saindo do forno foi se espalhando pela fazenda e atraindo, como se por milagre, os outros que estavam tão, mas tão, ocupados…
Firmemente, a Galinha Ruiva afastou-os: já que não tinham ajudado a fazer, também não iriam provar do seu bolo.
Ao perceber a pouca adesão ao abaixo assinado contra o “preferencialmente” e também à moção a favor da decisão do Ministério Público Federal de aumentar as horas de audiodescrição na TV, que o Ministério das Comunicações (!!!) teima em solapar e depois ao ler o texto da Izabel, também fiquei pensando o que explicaria esse silêncio que parece incompreensível.
Certamente as razões do silêncio são muitas e algumas podem extrapolar o terreno da deficiência, pois os movimentos sociais, no Brasil e em outros países estão procurando novos rumos, táticas e estratégias – as velhas roupas da canção já não servem mais e a nova geração não quer agir como seus pais.
Foi aí que a Galinha Ruiva apareceu na minha frente, trazendo uma de muitas possíveis chaves: as gerações de pessoas com deficiência, pós anos 80 e 90 não passaram pelos momentos de quebra, de rompimento, de enfrentamento, mesmo, dentro e fora de casa. A cena inicial do vídeo “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil” , em branco e preto, mostrando uma multidão de pessoas com deficiência em frente ao Theatro Municipal de São Paulo, no final da década de 70, é nada menos que revolucionária! Os cartazes simples, de cartolina, alguns com dizeres que parecem ingênuos (aos olhos do século 21), outros ainda atuais, são de uma coragem que emociona. Como elas chegaram até lá, sem transporte público minimamente acessível, já que não havia o Atende ou outro sistema de transporte público com acessibilidade, poucas famílias tinham carro e muito provavelmente os que tinham não eram modelos acessíveis? Como souberam da manifestação, sem Facebook e numa época em que telefone fixo era para poucos? Como negociaram, driblaram, escaparam da superproteção e da vigilância familiar e institucional e foram prá rua? Onde buscaram – e encontraram – coragem prá se expor no centro da cidade e lutar por seus direitos, num momento em que ninguém tinha muito clara essa ideia de ser sujeito de direitos – menos ainda as pessoas com deficiência, em plena vigência do modelo médico…
A partir daí, articulações, movimentos, tentativas de organizar e depois de unir os diferentes grupos, que até então abrigavam apenas os semelhantes, reuniões organizadas por carta (imaginem), viagens em aviões da FAB (sabem lá o que é isso?), jornais praticamente mimeografados (o Google explica), lideranças tentando identificar pontos de sinergia, rachas homéricos, cada um no seu quadrado… Depois, Convenção à vista, vamos nessa! E dá-lhe mais reuniões infindáveis, jogo de cintura até muitos ficarem com cinturinha de pilão, idas e vindas, corpo a corpo no Congresso, enfrentamento de seguranças com fileira cerrada de cadeira de rodas….
Até que, “de repente”, prá quem estava de fora ou que nasceu depois, temos conquistas: isenção de impostos para carros, entrada mais barata nas arenas para ver a Copa, profissão de audiodescritor regulamentada, de intérprete/tradutor de Libras idem, espetáculos com recursos de acessibilidade, novelas da Globo com personagens com deficiência, transportes públicos com algum grau de acessibilidade, Plano Viver sem Limite, ações afirmativas (lei de Cotas, BPC e suas modalidades) – a tal da capa da invisibilidade vai caindo e os espaços vão se ampliando. Não, não chegamos a Shangrilá, longe disso; mas já há o que comemorar.
O bolo começa a parecer apetitoso. Outros grupos de pessoas também querem o “rótulo” de pessoa com deficiência: muitos enxergam as “vantagens”, sem a compreensão histórica que são conquistas justas e merecidas e representam equiparação de oportunidades e não “benefícios”. Mais ainda: que são fruto de muita, mas muita mesmo, luta. Como dizia Bernard de Chartres, filósofo francês do século 12, “Se enxergamos mais longe, é porque somos anões nos ombros de gigantes”.
Ora, quem não lutou, quem não conhece a história do movimento político das pessoas com deficiência, como vai se mobilizar, se posicionar abertamente e “defender tudo o que foi conquistado, segurar tudo o que for capaz?”
Talvez seja esse o “lado B”, o “lado escuro” das conquistas.
Essa constatação não deve ser entendida como desânimo, descrença, pessimismo ou imobilidade. Também não traduz saudosismo, aquele que diz: O meu tempo, sim, é que era bom. Jung constatou que o novo brota no lado escuro; é ali que está o potencial, provocando-nos para ser descoberto.
Rosangela Berman Bieler, ativista jurássica e que atualmente chefia a área da Deficiência (Divisão de Programas) do UNICEF, em Nova York, escreveu:
A retrospectiva trouxe os meus, teus, nossos últimos 35 anos à tona em alguns minutos. É isso que fica pra quem chega: um monte de significantes esperando significado renovado e sustentável. Só o tempo para revelar o real sentido das coisas, da história e do ser humano. No final, não importa quem contribui ou com que parte; só importam os dias passando, o ciclo da vida fluindo quase que por acaso… em nome da sobrevivência da espécie.
Esse é o nosso novo desafio, o próximo horizonte: atribuir um significado renovado e sustentável às conquistas e desbravar outros territórios. Ou, como faria a Galinha Ruiva: fazer outro bolo, ousando criar sabores e com a colaboração de muitos.
(*) Marta Gil – consultora na área da Inclusão de Pessoas com Deficiência, socióloga, Coordenadora Executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas, colaboradora do Planeta Educação e colunista da Revista Reação.
Autora do livro “Caminhos da Inclusão – a trajetória da formação profissional de pessoas com deficiência no SENAI-SP” (Editora SENAI, 2012), organizou livros; tem artigos publicados; participa de eventos no Brasil e no exterior.
Minha cara amiga,
Tomo a liberdade de escrever pq eu sou uma das mães que defende a manutenção do termo “preferencialmente”. Meu filho tem deficiências múltiplas e todas as tentativas feitas até hj surtiram poucos resultados. Não sou contra a inclusão,desde que bem feito e em especial daqueles que tem condições. A escola pública, que é a de uso da grande maioria hj ,devido aos altos custos de tudo no Brasil, já não é grande coisa,apesar das muitas propagandas governamentais. Imagine estas salas c 35,40 alunos e entre eles 2 ou mais especiais. Vc gostaria de ver seu filho triste, sempre doente, depressivo por uma razão que vc conhece bem? ELE NÃO SE SENTE BEM NA ESCOLA ONDE FOI COLOCADO. Isto aconteceu c muitos colegas do meu filho que a SMED aqui em BH incluiu em escolas regulares. Aqueles pais q tinham condições ostirou das escolas regulares e os levou p escolas especiais particulares,porém os pais que não tem condições tirouós e os mantem em casa,tristes, depressivos. Outros,que tinham condições de inclusão estão ainda na escola ,mas fizeram amigos e se sentem bem. Acho que não devemos olhar apenas o nosso filho,mas o que será benéfico para todos. As deficiências são diferentes ,os deficientes são diferentes . Pense nisso.
Creio q deveria existir a obrigatoriedade da escola de receber a pessoa com necessidade especial, mas não a obrigatoriedade dos pais de colocarem os filhos. As APAES e cia devem ser mantidas. Assim teríamos a possibilidade de escolha. Não é a escola q vai aceitar ou não a criança/ pessoa. É a família q vai escolher se põem ou não a criança/ pessoa na escola ou num centro de ensino especial. Acho q nossa luta deve ser nesse sentido. Nem todo mundo se adapta a escola tradicional, precisamos de uma outra opção tb.
Tomo a liberdade de deixar meu comentário como Profissional que atua dentro da Educação Inclusiva em escola pública regular. Sou totalmente a favor da retirada do termo “preferencialmente”, pois estamos falando de uma Política Pública e Políticas Públicas não trabalham com exceções.
Em minha jornada de vinte e sete anos de trabalho, tenho percebido avanços para Todos os Alunos, cujas famílias acreditaram na Educação Inclusiva. Estamos falando de dinheiro público que tem que ser priorizado para instâncias públicas e não jogos de interesses políticos.
nem todas as Famílias querem que seus Filhos sejam segregados pelo resto da vida, independente de sua Deficiência. O processo de Inclusão, não é linear, exige estudo individualizado de cada caso, com desenvolvimento de ações pedagógicas também individualizadas, porém num contexto coletivo e heterogêneo.
Por isso, gostaria que este mesmo furor com que defendem as APAES, instituições muito bem equipadas e muitas até luxuosas, defendessem também a manutenção da verba para as Escola Públicas, para que tenhamos mais Profissionais com melhores condições de trabalho, recursos de acessibilidade, transporte especial.
A Educação é direito inalienável do Ser Humano, no caso especifico das Pessoas com Deficiência, um Direito adquirido com muita luta histórica e social, portanto não estamos mais discutindo posições particulares e sim uma Política Pública.