Jornada de inclusão da pessoa deficiente seleciona grupos do Triângulo
Carlos Guimarães Coelho
Fonte: Jornal Correio de Uberlândia
Atualizada: 19/12/2008 – 22h34min
http://www.correiodeuberlandia.com.br/texto/2008/12/21/33985/da_vergonha_do_espelho_ao_amor_pela.html
Em Uberlândia, Eduardo Alves é um vendedor ambulante. Diariamente, fica nos semáforos da cidade vendendo balas. Na noite da sexta-feira passada, em Belo Horizonte, ele se apresentou para mais de mil pessoas, no Palácio das Artes.
Cadeirante, Eduardo, ou Dudu, como é conhecido, foi um dos 44 artistas e grupos selecionados para a terceira Jornada de Inclusão da Pessoa Deficiente – Vitória pela Arte, gerida pelo ator da Rede Globo, Marcos Frota, em uma parceria com a Secretaria Estadual de Saúde. Além dele, da região, foram classificados grupos de Uberaba, Prata e Ituiutaba.
A final do projeto, que termina hoje, teve uma megaprodução e envolveu a participação direta de mais de 300 artistas classificados em seletivas regionais em 28 cidades mineiras, todos portadores de algum tipo de deficiência. Além destes artistas selecionados, o evento contou com a participação da Companhia de Balé de Cegos Fernanda Bianchini, em espetáculo com a presença de Ana Botafogo, da Orquestra Filarmônica Bachianas, regida pelo também portador de deficiência João Carlos Martins e de Herbert Vianna, com o seu grupo Paralamas do Sucesso, convidando Gilberto Gil e Fernanda Takai. Exposições de fotografias e instalações despertando o sensorial de cada um também foram atrações à parte nesta terceira versão da mostra. Além de vídeos e palestras, como a do medalhista olímpico Lars Grael e do cineasta Halvécio Ratton.
Apesar do tamanho do evento e da estrutura que se criou ao redor dele, os grandes protagonistas são as pessoas deficientes que mostram em cena aonde pode chegar a busca da superação. Nos corredores dos hotéis e nos bastidores do Palácio da capital mineira, o clima era da mais absoluta euforia. Deficientes visuais, auditivos, físicos ou mentais se acotovelam em clima de alegria. A mesma alegria que Dudu não esconde ao falar de sua experiência. Sem nenhum rancor, ele lembra de como foi seu encontro com a dança. “Eu não conseguia me olhar no espelho. Não gostava de espelhos, de fotos, de nada que me mostrasse o corpo. Isso precisava mudar. Foi quando entrei para o projeto Dançando com a Vida e não parei mais. A dança transformou a minha vida. Queria que outras pessoas vivessem isso. E percebessem que a deficiência não é o fim. Ela pode ser o início de uma outra vida”, disse Dudu.
Eduardo hoje é pai de três filhos e recebe inúmeros convites para dançar em festas e eventos, onde geralmente recebe como cachê cestas básicas que ajudam a sustentá-los. Seu maior sonho é viver apenas da dança, embora considere que a venda nos semáforos também seja um tipo de performance. “A gente tem de estar sempre de bom humor, mostrar alegria, amabilidade, para conquistar o cliente”.
Pelas ruas de Belo Horizonte, Dudu desvia o olhar paras as cadeiras de rodas que passam por ele. E são muitas, por conta do evento. Seu maior objeto de desejo no momento é uma nova cadeira de rodas. Ele disse que a sua é velha e improvisada. E, para dançar melhor, ele precisava de um modelo especial. Além de companheira no palco, a cadeira de rodas é a extensão do seu corpo.
Sem incentivos, projeto sobrevive nove anos
A psicóloga e coreógrafa Claudia Nunes, o popular Fábio Vladimir, o Fabinho da Academia Ritmo, e a cadeirante Márcia Guimarães foram os responsáveis diretos pela mudança na vida de Eduardo, que diz que foi raptado por eles pra entrar no mundo da dança. Há nove anos, o trio criou o projeto Dançando com a Vida, inicialmente com a perspectiva de trabalhar apenas a Dança de Salão, modalidade da qual Fábio é pioneiro e legítimo representante. Depois, com a entrada de Cláudia, introduziu-se também a dança contemporânea.
Há três anos consecutivos, eles tentam sem sucesso aprovar o projeto na Lei Municipal de Incentivo à Cultura. O reconhecimento acabou vindo de fora. Além de receber vários convites para eventos em outros estados, o grupo foi presenteado com um capítulo no livro “Arte – Um Olhar Muito Especial”, editado luxuosamente pelo Instituto Muito Especial, do Rio de Janeiro. O capítulo vem ilustrado com fotos de cena de Fábio e de Eduardo.
Apae do Prata também no clima da superação
Oicram é o nome do grupo. Todos pensavam que era algum termo africano, já que a cultura africana era a estética presente na coreografia apresentada em Belo Horizonte. Com uma gostosa risada, a diretora do grupo, Simone Lúcia Cardoso, explica que é simplesmente Márcio ao contrário, forma encontrada de homenagear um dos integrantes, já falecido.
O grupo Oicram faz parte da Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (Apae) da cidade do Prata. Ao todo, são 20 integrantes, com deficiências motora, mental e Síndrome de Down. A proposta da coreografia, segundo Simone, foi de resgate da cultura africana, recortando o momento das festas entre os escravos, quando eles celebravam o fim das colheitas.
Neste contexto, a coreógrafa conseguiu introduzir elementos como a capoeira e o sincretismo religioso.
Professora de Educação Física, Simone, em seu processo criativo, deixa-se guiar pela intuição. Para somar ao grupo, foi contratada a professora de Artes Márcia Mascarenhas, que também foi militante no campo cultural em Uberlândia. “A gente estabelece uma construção coletiva, chega a ser inacreditável o potencial criativo dessas pessoas” disse Simone. “Todo contato inicial com algo diferente provoca estranhamento. Passada essa fase, vem um processo de conhecimento próprio, de descoberta da identidade, de entendimento de suas limitações e de suas potencialidades. Essa experiência faz com que a gente questione o que, de fato, vem a ser deficiência”, disse Márcia.
*O jornalista viajou a convite da Universidade do Circo e da Secretaria Estadual de Saúde-GRS
Pingue-pongue com o ator Marcos Frota
Você buscou a linguagem circense como forma de expressão artística. Ali, a palavra-chave era o risco. Agora, vai para um outro lado, onde a premissa é a existência de um limite e busca superá-lo. Como foi essa mudança de foco?
Foi uma forma de retribuir o que recebi interpretando personagens que tinham deficiências. Na construção desses personagens, abri a visão para a riqueza de um universo que poucos conhecem.
Nesse caminho, algum fato, pessoa ou grupo o surpreendeu?
Nossa..foram vários. Percorremos 28 cidades, conhecendo os trabalhos desenvolvidos em 324 municípios mineiros. Em cada lugar, encontrei artistas que usam formas diferentes para nos arrebatar.
Mas, algum em particular. Você localizou algum artista absurdamente talentoso, apesar das limitações físicas?Sim, tem um garoto de Varginha, que não tem os dois braços e toca gaita como ninguém. A musicalidade dele mostra que a expressão artística supera qualquer paradigma, quebra qualquer preconceito.
Sua trajetória pessoal mudou a partir dessas experiências?
O que mudou foi o olhar para a vida. Acho que a gente passa a ter o olhar mais espiritualizado. A gente busca olhar sem preconceito, sem julgamento.
A maior parte dessas pessoas nem acredita no momento que está vivendo. E depois, há algo mais que possa ser feito por elas?
A nossa parte já fizemos, que foi caminhar até aqui. Agora, outras pessoas precisam fazer a parte delas. Plantamos a semente da auto-estima. Outros devem regar. Agora, o projeto é seqüencial. Esta é a terceira edição. Cada ano acontece de uma forma diferente.
Quando você esteve em Uberlândia, para a seletiva, cogitou-se a possibilidade de instalar na cidade a sua Universidade do Circo. O prefeito Odelmo Leão declarou publicamente uma intenção nesse sentido. As negociações prosseguiram?
Foi mencionado sim, mas até por ser um ano eleitoral não se falou mais no assunto. Não seria bom. Mas temos 57 cidades cadastradas, esperando a instalação de um núcleo do circo. Em 2009 vou concentrar a energia na instalação da sede nacional da Universidade do Circo. Certamente que Uberlândia é uma cidade muito interessante para sediá-lo. Mas nada foi definido nesse sentido.