Nesta quarta-feira, 26/8, foi encerrada a sabatina do Brasil perante do Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU com relação à implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Agora o órgão vai preparar as recomendações ao país para que siga avançando nas políticas públicas voltadas para a inclusão das pessoas com defciência em todos os âmbitos, em igualdade de condições com os demais e em consonância com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
A sessão teve início com uma intervenção feita pelo Ministro dos Direitos Humanos, Pepe Vargas, Chefe da Delegação Brasileira, repondendo aos questionamentos propostos pelos membros do comitê no dia anterior. Veja a íntegra da explanação do Ministro:
“O Brasil é um país de dimensões continentais, com área de 8,5
milhões de Km2, cuja população é de cerca de 200 milhões de
habitantes, com um PIB per capita de U$ 11,2 mil. No Censo
demográfico realizado em 2010, 45,6 milhões de pessoas
declararam possuir algum tipo de deficiência.
A concentração da renda é estrutural e histórica na sociedade
brasileira. Só recentemente o Estado brasileiro passou a
desenvolver políticas que caminham no sentido de melhorar a
distribuição da renda nacional. Com efeito, graças à política de
valorização do salário mínimo, ao aumento da formalização do
trabalho, ao crescimento da cobertura previdenciária e de
programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, o
número de pessoas que vivem na extrema pobreza caiu de cerca de
25% da população no início dos anos 1990, para 4% da população.
De 2011 para cá 25 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza.
Embora a concentração da renda ainda seja uma realidade, é
significativo que o Brasil tenha saído do Mapa da Fome, segundo a
FAO. Ao lado disso, 42 milhões de pessoas ascenderam
socialmente, sendo que pela primeira vez na sua história o Brasil
tem mais de 50% da sua população no extrato médio de renda.
O Brasil é uma república federativa, que além da União Federal, é
integrada por 26 estados, o distrito federal e 5.570 municípios.
Nossa Constituição Federal, promulgada em 1988, é produto do
processo de redemocratização do país, depois de mais de duas
décadas de uma ditadura militar, que além de suprimir a
democracia aprofundou desigualdades sociais e regionais. Este fato
levou a uma Constituição fortemente calcada nas liberdades
democráticas, na afirmação dos direitos econômicos e sociais e na
descentralização da execução das políticas públicas, conferindo
forte protagonismo aos estados federados e municípios.
Em uma perspectiva de cumprimento das obrigações inerentes ao
Estado Democrático de Direito o Brasil tem perseguido a garantia
do exercício dos direitos em uma sociedade livre, justa e solidária.
Neste sentido, o Brasil adota política de caráter inclusivo, a partir
do reconhecimento constitucional da plena cidadania da pessoa
com deficiência, assegurada por um amplo marco normativo, pelo
Programa Nacional de Direitos Humanos e pelo Plano Nacional
dos Direitos da Pessoa com Deficiência, também chamado de Viver
Sem Limite. O Brasil vem dando passos largos na superação do
enfoque assistencialista rumo à perspectiva de diretos humanos, de
emancipação e autonomia das pessoas com deficiência.
No Brasil, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência tem equivalência constitucional, obrigando as
estruturas do Estado cumprir suas disposições, seja pela ótica
normativa ou através de políticas públicas. Esta equivalência
tornou inconstitucionais dispositivos presentes na legislação que
conflitam com o texto da Convenção.
Com a recente sanção da Lei Brasileira de Inclusão – Estatuto da
Pessoa com Deficiência, o Brasil deu mais um passo decisivo na
afirmação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais das pessoas com Deficiência. O texto aprovado, com mais
de 100 artigos, se coaduna com as diretrizes da Convenção dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, corrige contradições em leis
ordinárias e avança em pontos específicos.
Podemos destacar a obrigação imposta ao Estado para que a
avaliação da deficiência passe a ser realizada por equipe
multiprofissional e interdisciplinar, tendo como base a
Classificação Internacional de Funcionalidade, em vez da avaliação
exclusivamente médica, o que já é realidade para o acesso a
algumas políticas públicas.
A discriminação da pessoa com deficiência passou a ter tipificação
penal, crime ao qual se aplica pena de reclusão.
Outro destaque é o direito de a pessoa com deficiência moderada
ou grave receber o auxílio-inclusão. Poderão receber o auxílio as
pessoas com deficiência de baixa renda, que já acessam o
Benefício de Prestação Continuada previsto no Sistema Único de
Assistência Social e que passem a exercer atividade remunerada
no mercado de trabalho. Este benefício reforça outras políticas de
trabalho e emprego voltadas às pessoas com deficiência, a exemplo
da lei de cotas em empresas privadas e no serviço público, a
contratação de aprendizes com deficiência e outros instrumentos
de qualificação profissional. Também aperfeiçoa as políticas
previdenciárias, que já contam com a possibilidade de
aposentadoria especial para a pessoa com deficiência.
A Lei Brasileira de Inclusão alterou dispositivos do Código Civil
Brasileiro alinhando a legislação nacional aos preceitos sobre a
capacidade jurídica das pessoas com deficiência expressos na
Convenção. A nova lei cria o instituto da tomada de decisão
apoiada, no qual a pessoa com deficiência escolhe pelo menos duas
pessoas da sua confiança para prestar-lhe apoio sobre atos da vida
civil. O texto convalida a expressão da vontade para o matrimonio,
constituição de família, sexualidade, direitos do trabalho e revoga
dispositivos discriminatórios para validação testemunhal da pessoa
com deficiência.
A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver com
autonomia, em igualdade de condições com as demais pessoas, o
Estado brasileiro, estabelece medidas que lhes propiciam a
acessibilidade ao meio físico, ao transporte e à comunicação.
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e um conjunto significativo de
normas legais buscam assegurar o direito à acessibilidade de
pessoas com deficiência em diversos dispositivos relacionados à
educação, trabalho, saúde, transporte, reabilitação, lazer, entre
outros.
Para a promoção da acessibilidade aos transportes, foram
elaboradas e publicadas Normas da Associação Brasileira de
Normas Técnicas – ABNT, Resoluções do Conselho Nacional de
Metrologia – CONMETRO; e Portarias do Instituto Nacional de
Metrologia e Qualidade Industrial – INMETRO.
Em relação ao acesso a tecnologias assistivas, é importante
ressaltar a criação do Comitê Interministerial de Ajudas Técnicas.
Foi criado, também, o Centro Nacional de Referência em Tecnologia
Assistiva, dotado de 91 núcleos situados nas universidades e
institutos de pesquisa.
O Ministério das Cidades instituiu a Instrução Normativa que
regulamenta o Programa de Infraestrutura de Transporte e da
Mobilidade Urbana – Pró-Transporte, para condicionar a adequação
das propostas de operações de crédito aos dispositivos, normas
gerais e critérios básicos estabelecidos pelo Decreto que trata da
acessibilidade das pessoas com deficiência e com mobilidade
reduzida.
O Ministério das Comunicações aprovou Norma Complementar que
estabelece os recursos de acessibilidade na programação
veiculada nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e de
retransmissão de televisão.
A implantação dos recursos de acessibilidade é gradual, em
consonância com a criação da norma relacionada ao lançamento da
TV digital. O cronograma prevê que as emissoras implantem
gradativamente as ferramentas, começando com poucas horas de
áudio-descrição na programação semanal, até cobrirem toda a
programação. Atualmente são vinte horas diárias de programação
legendada. (*)
Em setembro de 2014 foi lançado o modelo de acessibilidade em
Governo Eletrônico, que consiste em um conjunto de
recomendações para que o processo de acessibilidade dos sites e
portais do governo brasileiro seja conduzido de forma padronizada
e com implementação fácil.
Importante referir que o principal programa habitacional do país,
voltado à população de baixa renda, conhecido como Minha Casa
Minha Vida, passou a garantir aos beneficiários com deficiência o
direito à moradia adequada à sua deficiência. Todos os projetos do
Minha Casa Minha Vida são com desenho universal e há a oferta de
kits de adaptação específicos.
O direito à vida independente, principalmente para as pessoas de
menor poder aquisitivo, se materializa no Serviço de Proteção
Social Especial. É ofertado a pessoas com deficiência e idosos com
algum grau de dependência que tiveram suas limitações agravadas
por violação de direitos.
Jovens e adultos com deficiência em situação de dependência
passaram a ter a possibilidade de uma nova modalidade de serviço
de acolhimento do Sistema Único de Assistência Social, a
Residência Inclusiva. Ela é organizada em pequenos grupos de até
10 pessoas por residência, cuja acolhida e convivência promove o
desenvolvimento de capacidades adaptativas à vida diária,
autonomia e participação social.
Já o Centro-Dia de Referência para pessoas com deficiência
consiste em unidades de serviço cujo objetivo é ofertar, durante o
dia, cuidados pessoais a jovens e adultos com deficiência em
situação de dependência, de forma complementar aos cuidados
familiares.
A educação é um direito de todos reconhecido pelo Estado
Brasileiro, que prevê um sistema educacional inclusivo, com
fundamento na igualdade de oportunidades, conforme os
dispositivos previstos na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988. O mandamento constitucional implica em
atendimento especializado às pessoas com deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino. A lei do Plano
Nacional de Educação especifica que os entes federados
estabelecerão nos respectivos planos de educação estratégias que
“garantam o atendimento das necessidades específicas na
educação especial, assegurado o sistema educacional inclusivo em
todos os níveis, etapas e modalidades”.
O Brasil vem dando passos significativos na superação do modelo
de educação baseado na segregação dos alunos com deficiência
em escolas especiais, em direção da escola inclusiva. Para tanto, o
Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência define
metas de escolas acessíveis, com disponibilização de recursos de
tecnologia assistiva, ônibus escolares acessíveis, adequações de
prédios escolares, promovendo autonomia e independência em
todos os ciclos de formação, com a garantia do atendimento das
especificidades das pessoas com deficiência.
O Sistema de Saúde público é de acesso universal, com a garantia
de atendimento das especificidades das pessoas com deficiência,
contemplando as questões de gênero, raça, etnia, de orientação
sexual e geracional.
O Ministério da Saúde implantou, no âmbito do Plano Nacional dos
Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite, a Rede de
Cuidados às Pessoas com Deficiência, que transformou de modo
significativo o modo como os cuidados à saúde são direcionados ao
segmento.
A rede busca promover a articulação entre os serviços, de maneira
a assegurar as ações de promoção à saúde, identificação precoce
de deficiências, prevenção dos agravos, tratamento e reabilitação.
Para tanto foram estabelecidas metas de ampliação de Oficinas
Ortopédicas e de acesso a órteses, próteses e meios auxiliares de
locomoção, com significativo incremento no orçamento destinado
a estes serviços. Também foram pactuadas metas de expansão de
centros especializados em reabilitação. A cobertura de triagem
biológica para detecção precoce continua crescendo e as triagens
neonatal auditiva e ocular vem seguindo a mesma estratégia de
ampliação do acesso.
A evolução do Brasil nos Jogos Paraolímpicos e Parapan-
americanos atesta o avanço da política de acesso ao esporte para
as pessoas com deficiência. Da 37a posição na Paraolimpíada de
1996 passamos para a 7a em 2012. Pela terceira vez consecutiva o
Brasil figura em primeiro lugar no quadro de medalhas dos jogos
Parapan-americanos.
Dentre diversas iniciativas no campo da cultura e do lazer cabe
destacar o programa bibliotecas acessíveis, o curso de
especialização em acessibilidade cultural e o programa turismo
inclusivo, que além de estimular a acessibilidade da infraestrutura
turística criou o site Turismo Acessível com informações sobre
estabelecimentos e atrações turísticas quanto ao seu nível de
acessibilidade.
Estes são alguns exemplos do trabalho que o Estado Brasileiro vem
desenvolvendo para garantir os direitos das pessoas com
deficiência. O alcance da sua legislação e de suas políticas
públicas tem feito com que o Brasil seja procurado por outros países
para prestar cooperação. Dentro dos nossos limites temos
priorizado a cooperação com países em desenvolvimento,
especialmente junto à América Latina e o Caribe e junto à
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Apesar dos avanços o Brasil reconhece que muito ainda precisa ser
feito para garantir a universalização do acesso aos direitos das
pessoas com deficiência, especialmente junto a segmentos da
população mais vulneráveis como mulheres, crianças,
afrodescendentes, povos indígenas e população LGBT.
Considerando que a execução das principais políticas públicas é
descentralizada, com responsabilidades partilhadas entre a União,
estados federados e municípios o alinhamento de todos estes níveis
de governo é um desafio permanente.
Com o arcabouço normativo que dispomos, com as políticas
públicas já desenhadas, com as bases de dados e sistemas de
informações que, embora ainda não estejam plenamente integrados
são importante insumo para aperfeiçoar estas políticas, temos a
convicção de que nos próximos anos o Brasil dará novos passos
para garantir a todas as pessoas com deficiência o acesso aos seus
direitos, superando definitivamente o modelo assistencialista e de
segregação, na medida que fortalece as medidas emancipatórias.”
Em seguida, os membros do comitê fizeram novas perguntas aos técnicos presentes. Houve questionamentos acerca da necessidade da omissão do “preferencialmente” dos documentos relativos à educação, para que todos a legislação esteja em consonância com a Convenção que determina educação inclusiva em todos os níveis, assim como a necessidade de que as escolas especiais ainda existentes sejam incumbidas de ajudar na garantia da inserção dos alunos nas escolas regulares. Além disso, foi questionada a provisão de apoio de assistente pessoal para que pessoas com deficiência severa, em situação de dependência possam levar uma vida em igualdade de condições com os demais.
A comitiva brasileira deu respostas às questões colocadas.
A alemã Theresia Degener, membro do comitê responsável pelo relatório do Brasil, disse que o comitê estava muito bem impressionado com os avanços do Brasil, mas que esperava ver ainda muito mais esforço, pois, em se tratando da quinta economia do mundo, o país precisa servir de exemplo para outras nações do sul. Demonstrou-se preocupada por acreditar que a nova Lei Brasileira da Inclusão não está totalmente de acordo com os preceitos da Convenção e instou o país a revisar o documento. A relatora agradeceu ainda a participação da sociedade civil que, como o relatório sombra, subsidiou os questionamentos dos membros do comitê.
As recomendações do comitê serão conhecidas na final da sessão do comitê, na segunda semana de setembro, e a nova revisão do país seria em 2 anos, em 2017.
(*) Nota da Inclusive – A TV brasileira oferece 6 (seis) horas semanais de audiodescrição, desde 1 de julho 2015. A obrigatoriedade é de 2 horas/semana, como na notícia:
Ao final, a deputada Mara Gabrilli, representante do legislativo presente à revisão, fez um apelo às autoridades brasileiras ali presentes, para que se empanhassem a derrubar os vetos à Lei Brasileira de Inclusão. O assunto será examinado em breve pelo Congresso Nacional.
Os vídeos com a íntegra das sessões serão disponibilizadas no seguinte link: