Por Izabel Maior *
Quase não acredito que aconteceu há dez anos a conclusão do processo de elaboração da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e sua homologação pela Assembleia Geral da ONU em 13 de dezembro de 2006. Ainda estão vívidos na minha memória e, com certeza, na lembrança de todos que participaram, os debates e propostas dos 192 países e as vozes do movimento político mundial das pessoas com deficiência presente no Comitê ad hoc para a Convenção. A participação direta do movimento social nas negociações da ONU foi inédita e conferiu atualidade e arrojo ao texto aprovado. Os trabalhos dos bastidores estendiam-se pelas madrugadas, com intensa troca entre diferentes culturas e realidades de violação dos direitos humanos vividas pelas pessoas com deficiência. Tive a oportunidade de participar das reuniões formais dos países-partes, como representante governamental, e das conversas aprofundadas do segmento social. Aprendi muito, encontrei meu espaço no mundo, apresentei a realidade brasileira das pessoas com deficiência, desde a situação de pobreza e discriminação até às políticas públicas para favorecer oportunidades iguais na sociedade. Influenciamos em assuntos como acessibilidade, educação, vida independente, saúde sexual e reprodutiva, cooperação internacional, estatísticas e apoio ao Comitê para monitorar as condições de implementação da Convenção. Compreendemos e apoiamos os artigos sobre igualdade perante a lei, acesso à justiça, combate à violência e artigos para crianças e para mulheres com deficiência.
Dez anos depois, tenho a sensação de que trabalhamos arduamente e alcançamos o um excelente tratado de direitos humanos específico para promover e assegurar a autonomia, protagonismo, emancipação e não-discriminação, a acessibilidade como direito básico e a presença das questões das pessoas com deficiência na agenda política internacional. Cada conceito, a redação de cada artigo, com seus detalhamentos, as obrigações destinadas aos governos e às instituições sociais estão tomando vida em todo mundo. Até dezembro, 164 países ratificaram a Convenção e 89 países ratificaram o Protocolo Facultativo que submete suas ações ao Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O Comitê avaliou o Brasil quanto à implementação da Convenção em agosto de 2015, levando em consideração o relatório governamental e aquele elaborado pelas organizações da sociedade civil. As recomendações do Comitê da ONU, traduzidas para o português, estão disponíveis em http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cpd/documentos/relatorio-do-comite-da-onu-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia-traduzido-em-portugues
Em 2016, no Brasil entrou em vigor a primeira lei derivada da Convenção, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) que adotou a avaliação funcional da deficiência como biopsicossocial, garantiu a igualdade perante a lei com a aplicação da tomada de decisão apoiada e restrições à interdição mesmo parcial, deu ainda mais ênfase à acessibilidade, trouxe a aplicação dos diversos direitos, como a educação inclusiva em todos os níveis, no âmbito público e privado, o trabalho com apoio como mais uma oportunidade de emprego, a garantia de cuidados de saúde, habilitação e reabilitação e acesso aos equipamentos de tecnologia assistivas, auxílio-inclusão em situações de maior vulnerabilidade para estimular a participação das pessoas com deficiência grave e moderada no mercado de trabalho formal. Esse e outros artigos importantes da lei aguardam a regulamentação para sua aplicabilidade. Ainda neste ano, o Supremo Tribunal Federal negou a pretensão das escolas particulares de descumprir a LBI e estabelecer custos adicionais para matricular alunos com deficiência. O status constitucional da Convenção favoreceu a decisão judicial em favor das pessoas com deficiência.
Dia 3 de dezembro, comemorado como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, em 2016 dedica-se ao “Alcance dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável até 2030”. É a mais importante agenda internacional e requereu grande esforço de países e do movimento social até que a participação das pessoas com deficiência surgisse de forma expressa. Assim, estão textualmente presentes nas ações do desenvolvimento sustentável pela educação inclusiva, trabalho e emprego digno, decente e inclusivo, redução das desigualdades pelo empoderamento e inclusão social e a acessibilidade nas cidades e nos transportes. As pessoas com deficiência são contempladas em todos os demais objetivos do desenvolvimento sustentável até 2030. Uma das estratégias para monitorar os avanços da qualidade de vida do segmento é a desagregação e elaboração de indicadores sociais que revelem as condições de desenvolvimento do segmento. Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/
Nos dez anos da Convenção, em setembro passado, foi criado o Fórum Permanente UFRJ Acessível e Inclusiva, instância consultiva da Reitoria para discussão, elaboração e suporte ao desenvolvimento e implementação da política institucional em acessibilidade. Encontra-se em curso a pesquisa de identificação de alunos e servidores com deficiência nos espaços na sede, em Xerém e em Macaé. Também começaram as parcerias com setores-chaves da universidade para conhecer e encaminhar as demandas da comunidade, como a Ouvidoria, a Procuradoria, as áreas de projetos físicos e o Sistema de Bibliotecas. Dessa forma a Universidade Federal do Rio de Janeiro assume as responsabilidades definidas na Convenção, nas leis nacionais e nas políticas para a autonomia e inclusão das pessoas com deficiência.
* Izabel Maior é conselheira municipal e estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência no Rio de Janeiro e integrante da comissão executiva do Fórum Permanente UFRJ Acessível e Inclusiva