Algumas pessoas vão se lembrar e relacionar a polêmica mostra “Porquois pas?”, atualmente em exibição em São Paulo, à campanha #SomosTodosOlimpícos, lançada pela Vogue às vésperas das Paralimpíadas do Rio. Ambas foram acusadas de “Black Face”, prática de usar atores brancos com o rosto pintado de preto para representar negros, usada no teatro no século XIX. Nos dois casos, imagens de celebridades foram modificadas com o objetivo de chamar a atenção para a exclusão social gritante de pessoas negras e de pessoas com deficiência em nosso país.
A campanha da Vogue mostrava fotos manipuladas dos atores Cleo Pires e Paulo Vilhena, com os membros amputados e usando próteses. A mostra “Porquois Pas?” traz retratos de pessoas conhecidas, como Xuxa, Dilma, Silvio Santos, Gisele Bundchen, João Doria e a Rainha da Inglaterra, com as peles escurecidas por Photoshop para parecerem negros.
#SomosTodosParalímpicos foi classificada de “sem noção“, e alvo do mesmo tipo de crítica de falta de representatividade que “Porquois pas?”. A campanha chegou a ser denunciada no CONAR por capacitismo (discriminação contra pessoas com deficiência).
Organizada pela ex-consulesa e ativista negra Alexandra Loras, “Porquois pas”, em exibição da galeria Rabieh, em São Paulo, dividiu opiniões no movimento negro desde antes do lançamento. A colunista da revista Marie Claire, Stephanie Ribeiro, foi taxativa: “Precisamos repensar nossas práticas sempre que elas ofendem uma maioria, nenhuma pessoa negra almeja que racistas se “pintem de preto”. Pois ser preto, é muito além de estar preto. A exposição que propõe pintar figuras brancas de negro, inclusive usando pessoas abertamente racistas, não me soa algo que incomodaria brancos, mas algo que ofende negros brasileiros que já lidam com invisibilidade”.
Já o ex-secretário da igualdade racial de São Paulo, Antônio Pinto, defendeu a ideia: “Não percebi no convite que recebi nenhuma exclusão de direitos na proposta de Loras, vi uma sátira; uma provocação à reflexão.”
A diferença, no caso da exposição, é que, ao contrário de Cleo Pires e Paulo Vilhena, que foram convidados para ser Embaixadores pelo Comitê Paralímpico sem nunca terem feito nada pela causa, Alexandra Loras é militante negra. Ela tem estrada, legitimidade e substância e está em seu lugar de fala. Além disso, usa os holofotes proporcionados pela exposição – ainda mais iluminados pela polêmica em torno dela – para jogar luz sobre temas que realmente importam: “Somos uma sociedade extremamente racista e não é com gotinhas que vamos resolver. Cerca de 190 negros morrem todos os dias no Brasil, sendo que 30 são crianças. Há um genocídio acontecendo no Brasil e a mídia não dá atenção a isso. Não quero me tornar cúmplice desse apartheid que estamos vivendo”, disparou Loras em entrevista ao Huffington Post sobre a mostra. É papel da manifestação artística chocar, provocar desconforto, sensações e trazer questionamentos às vezes de difícil abordagem.
Se olharmos para trás, veremos que a campanha #SomosTodos Olímpicos serviu para falar e refletir sobre diversos assuntos que dificilmente eram abordados, como a falta de representação de pessoas com deficiência na mídia e o significado de capacitismo, palavra ainda pouco conhecida no Brasil. Além disso, a polêmica em torno da campanha, que chegou a sair na imprensa internacional, acabou impulsionando as vendas dos bilhetes para as Paralimpíadas. Os Jogos caíram nas graças dos brasileiros e chegaram a ter público maior que as Olimpíadas.
Pode ser que, assim como precisamos de ações afirmativas para a promoção da inclusão, como o sistema de cotas, infelizmente, ainda precisamos de polêmica e famosos para debater e elaborar nossos sentimentos sobre questões importantes como a subrepresentação de segmentos da população em lugares de destaque e as dívidas históricas que o país tem com suas seus excluídos.
Em breve saberemos o que “Porquois pas?” vai deixar como legado.
Patricia Almeida é jornalista, mestranda em Estudos da Deficiência pela City University of New York, criadora da Gadim Brasil (Aliança para a Inclusão de Pessoas com Deficiência na Mídia) e membro do ODIMÍDIA, Observatório da Diversidade na Mídia.