Políticas e práticas para uma educação especial e inclusiva

Reproduzido da UNESP Ciência

Educação Especial na perspectiva da inclusão é pautada como o respeito às diferenças

A Educação Especial na perspectiva da inclusão é pautada em aspectos importantes como o respeito às diferenças e a consideração pela diversidade humana em todas as dimensões da sociedade: família, grupos sociais e mundo do trabalho. O público-alvo da Educação Especial no nosso país, a saber, pessoas com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, foi deixado à margem da educação por séculos. Nesse sentido, o presente artigo tem como eixo central a educação dessas pessoas, bem como as políticas e práticas que orientam a sua efetiva inclusão.

A legislação educacional brasileira orienta o desenvolvimento de políticas de Educação Especial em uma perspectiva inclusiva. Essas devem ser colocadas em prática pelos gestores e professores, por meio de planejamento, reflexão e contextualização do currículo escolar, aliando a tais atividades o uso de tecnologias digitais. No entanto, salvo poucas exceções, os professores têm encontrado dificuldades em adotar novas abordagens. Muitas vezes, sem o apoio da gestão, optam por manter a educação tradicional e tecnicista, que se fundamenta na transmissão de informações pelo educador. Como esperar o aprendizado de qualquer estudante, nos dias de hoje, mantendo-o sentado, apenas recebendo conteúdo?

É necessário que os educadores compreendam o contexto da cultura digital e da diferença. De um lado, estamos mergulhados em um universo de informações instantâneas, redes sociais e jogos online, que irão competir de forma injusta com o modelo de educação ultrapassado que citamos acima. De outro, as escolas de ensino regular registram um aumento progressivo de matrículas dos estudantes público-alvo da Educação Especial (PAEE)[1]. Essas crianças e jovens possuem peculiaridades de aprendizagem e desenvolvimento que, como acontece com a revolução nos costumes provocada pela Internet, nem sempre são consideradas pelos docentes.

 

Na foto, estudantes público-alvo da Educação Especial, pesquisadores e profissionais que atuam no CPIDES da Unesp de Presidente Prudente: desenvolvimento biopsicossocial e novas possibilidades. (© Comunicação/CPIDES)

 

Está na formação inicial e continuada de professores a solução para tornar mais efetiva a aprendizagem de todos os estudantes e garantir a eficácia dos pressupostos das políticas de Educação Especial e Inclusiva. Uma formação contextualizada conduzirá esses profissionais à necessária abertura às diferenças e ao uso das tecnologias, preparando-os para desenvolverem metodologias ativas de aprendizagem que privilegiem a diversidade estudantil, incluindo o PAEE.

É essencial que a universidade habilite os professores a questionarem a ênfase de algumas práticas pedagógicas, ao aspecto cognitivo da escola. Se, ao invés disso, eles optarem pelas metodologias ativas de aprendizagem, estabelecerão um fio condutor de sentidos e significados aos estudantes, motivados pela experiência de construir o próprio conhecimento a partir de suas habilidades.

Considerando a importância da formação do professor para a adoção de novas práticas pedagógicas, as diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) e a transformação social causada pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação, escrevemos dois livros com o intuito de auxiliar os educadores, gestores e pesquisadores em sua missão de mediar a aprendizagem e possibilitar a inclusão. São eles: Práticas Pedagógicas do Professor – Abordagem Construcionista, Contextualizada e Significativa para uma Educação Inclusiva [2] e Sala de Recursos Multifuncionais – Formação, Organização e Avaliação[3]. A seguir, discorremos sobre os temas dessas obras.

 

 

Abordagem Construcionista, Contextualizada e Significativa: contribuições para a Educação Especial e Inclusiva
Práticas Pedagógicas do Professor – Abordagem Construcionista, Contextualizada e Significativa (CCS)[4] propõe a criação de ambientes de ensino e aprendizagem que despertem o interesse do estudante e valorizem a diferença humana, que é o real sentido da inclusão.

O professor assume o papel de mediador, criando meios para motivar o estudante a explorar, pesquisar, descrever, refletir e depurar suas ideias. Todas essas ações acontecerão a partir de um tema gerador de interesse comum ou de um problema enfrentado por toda a turma. Essa é uma maneira de levar os estudantes a olharem o contexto escolar ou social de forma mais global e aprofundada.

Definido o problema, professor e estudantes decidem juntos os caminhos para resolvê-lo, com o desenvolvimento de um projeto. Trabalhando em grupos, esses estudantes elaboram pesquisas, coletam dados, fazem entrevistas e organizam mecanismos que vão além da sala de aula e que permitem a contribuição de cada um, de acordo com o seu ritmo e habilidades.

O currículo é desenvolvido na medida em que os professores elaboram sínteses com os estudantes, identificando em quais momentos do projeto os conceitos das disciplinas foram abordados. Todo o processo é considerado parte da espiral da aprendizagem[5], que engloba as atividades, por parte do estudante, de descrição-execução-reflexão-depuração. A tecnologia é usada como um meio para obter melhores resultados e para depurar o entendimento do estudante sobre determinado conceito, levando-o a corrigir erros e a descrever novamente esse conceito, completando a espiral.

 

 

É possível observar que a abordagem CCS permeia sistemas educacionais inclusivos, polissêmicos, ricos em estímulos e em participação dos estudantes, visando o desenvolvimento de cada potencial e atendendo a necessidades educacionais específicas. O aprendizado ocorre de forma não linear e não homogênea, ou seja, respeitando os diferentes ritmos e estilos de aprendizagem.

Professor assume o papel de mediador, criando meios para motivar o estudante a explorar, pesquisar, descrever, refletir e depurar suas ideias

Com vistas a uma educação escolar inclusiva e aberta às diferenças, o professor deve compreender o ensinar como contribuir para “dar significado” ao aprendizado. Não é transmitir informações, mas sim dar ao estudante a possibilidade de explicitar suas ideias e produzir o que é de seu interesse.

Atendimento Educacional Especializado: atribuições do professor
O Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais foi instituído em âmbito federal com o objetivo de apoiar os sistemas públicos de ensino na organização e oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Em suas diretrizes, são apontadas as atribuições das secretarias de educação, dos gestores de escolas e dos professores para o desenvolvimento desse serviço. Destacamos algumas responsabilidades do professor:

  • Elaborar, executar e avaliar o Plano de AEE do aluno, contemplando a identificação das habilidades e necessidades educacionais específicas; a definição e a organização das estratégias, serviços e recursos pedagógicos e de acessibilidade; o cronograma do atendimento, individual ou em pequenos grupos, e sua carga horária;
  • Programar, acompanhar e avaliar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade no AEE, na sala de aula comum e nos demais ambientes da escola;
  • Produzir materiais didáticos e pedagógicos acessíveis, considerando as necessidades educacionais específicas dos alunos e os desafios que estes vivenciam no ensino comum, a partir dos objetivos e das atividades propostas
    no currículo;
  • Estabelecer a articulação com os professores da sala de aula comum e com os demais profissionais da escola, visando à disponibilização dos serviços e recursos e ao desenvolvimento de atividades para a participação e aprendizagem dos alunos nas atividades escolares, bem como as parcerias com as áreas intersetoriais;
  • Orientar os demais professores e as famílias sobre os recursos pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo aluno, de forma a ampliar suas habilidades, promovendo sua autonomia e participação;
  • Desenvolver atividades próprias do AEE, de acordo com as necessidades educacionais específicas dos alunos: ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras para alunos com surdez; ensino da Língua Portuguesa escrita para alunos com surdez; ensino da Comunicação Aumentativa e Alternativa – CAA; ensino do sistema Braille, do uso do soroban e das técnicas para a orientação e mobilidade para alunos cegos; ensino da informática acessível e do uso dos recursos de Tecnologia Assistiva – TA; ensino de atividades de vida autônoma e social; orientação de atividades de enriquecimento curricular para as altas habilidades/superdotação; e promoção de atividades para o desenvolvimento das funções mentais superiores.

A definição dessas responsabilidades reforça que a inclusão vai muito além de matricular estudantes público-alvo da Educação Especial em escolas de ensino regular. É preciso promover o desenvolvimento de habilidades e da autonomia, garantindo a acessibilidade ao conhecimento e integrando professores da sala comum e familiares a esse processo.

Se esse educador empregar métodos de ensino baseados na instrução e utilizar a tecnologia como um fim, ao invés de um meio, não alcançará os objetivos propostos para a sua atividade. É preciso rever, mudar e ampliar o repertório educacional. A verdadeira perspectiva de inclusão está no desenvolvimento de metodologias ativas de aprendizagem, como a abordagem CCS.

 

Alunos com deficiência visual estudam no Instituto Municipal Helena Antipoff, que promove a inclusão de crianças com deficiência na rede pública de ensino. (© Tomaz Silva/Agência Brasil)

NOTAS
[1] Em 2008, ano em que foi instituída a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, o número de matrículas de estudantes considerados PAEE era de 375.775 (BRASIL, 2008). Continuamente, esse acesso vem sendo ampliado, e atualmente são 832.472 matrículas desses estudantes efetivadas em âmbito nacional, nas escolas comuns de ensino regular.

[2] Autoras: Elisa Tomoe Moriya Schlünzen e Danielle Aparecida do Nascimento dos Santos. Conheça a obra: <https://goo.gl/CtZ6c8>.

[3] Autoras: Cícera A. Lima Malheiro e Enicéia Gonçalves Mendes. Conheça a obra: <https://goo.gl/H9uvOZ>.

[4] Esta metodologia foi desenvolvida a partir da tese Mudanças nas práticas pedagógicas do professor: criando um ambiente construcionista, contextualizado e significativo para crianças com necessidades especiais físicas (2000), de Elisa Tomoe Moriya Schlünzen.

[5] Cf. VALENTE (1999).

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008. Disponível em: <http://goo.gl/sr8074>. Acesso em: 7/6/2017.

MALHEIRO, C. A. L.; MENDES, Enicéia Gonçalves. Sala de recursos multifuncionais: formação, organização e avaliação. 1. ed. Jundiaí: Paco Editorial, 2017. 244 p. ISBN 978-85-462-0785-5.

SCHLÜZEN, E. T. M. Mudanças nas Práticas Pedagógicas do Professor: criando um ambiente construcionista, contextualizado e significativo para crianças com necessidades especiais físicas. 2000. 212 f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2000.

____; SANTOS, D. A. N. Práticas pedagógicas do professor: abordagem construcionista, contextualizada e significativa para uma educação inclusiva. 1. ed. Curitiba: Appris, 2016. 143 p. ISBN 978-85-473-0306-8.

VALENTE, J. A. O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: Unicamp/NIED, 1999.

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TEXTO POR: Elisa Tomoe Moriya Schlünzen é professora adjunta da Unesp, líder do Grupo de Pesquisa Ambientes Potencializadores para a Inclusão e coordenadora do NEaD/Unesp.

Danielle Aparecida do Nascimento dos Santos é assessora da Diretoria Acadêmica da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) e vice-líder do Grupo de Pesquisa Ambientes Potencializadores para a Inclusão.

Cícera A. Lima Malheiro é consultora do NEaD/Unesp, pesquisadora e docente nas áreas: formação de professores, tecnologia assistiva, inclusão escolar e acessibilidade.

Vanessa Krunfli Haddad é jornalista e assessora de Comunicação do NEaD/Unesp.

FOTO DE ABERTURA: Canteiros suspensos garantem atividades educativas terapêuticas para um grupo de alunos usuários de cadeiras de rodas com múltiplas deficiências da Escola de Educação Especial. A atividade integra o Programa Nosso Quintal, desenvolvido pelo setor de Agricultura Urbana da Secretaria Municipal do Abastecimento. Curitiba, 8/4/2015. (© Jaelson Lucas/SMCS)

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