Afinal, para que precisamos de Educação Inclusiva?

ilustração com várias figurinhasre presentando pessoas com deficiencia coloridas.

David Rodrigues (*)

A Inclusão não é o problema: a Inclusão é a melhor resposta que a Educação pode dar aos problemas socias causados pela desigualdade e pela exclusão. Não se deve confundir o remédio com a doença.

Sempre me lembro de há alguns anos ter sido convidado para ir falar aos professores de um agrupamento. A direção do agrupamento pedia-me que fosse falar dos “problemas da Inclusão”.  Eu respondi que iria sim, mas para falar das potencialidades da inclusão porque sobre os problemas da Inclusão os professores da escola é que me poderiam esclarecer. Este episódio ilustra bem uma “ideia-feita” sobre a Educação Inclusiva: é uma boa ideia, mas é um problema. E nem é difícil enumerar “problemas”: as atitudes dos professores, os recursos existentes, a formação, etc. A questão é se estes problemas – que efetivamente existem – são uma estrada ou um parque de estacionamento, isto é, se são um diagnóstico que nos orienta para a desejada melhoria ou se são encarados como uma fatalidade intransponível.

Perguntamos muitas vezes se a Inclusão é possível, se temos os instrumentos suficientes para uma inclusão efetiva. São perguntas pertinentes, mas que que derivam da resposta que damos a uma pergunta anterior: “Por que precisamos de Educação Inclusiva”?

Se não tivermos uma ideia clara sobre a necessidade, a premência, a justiça que a Educação Inclusiva implica, podemos fazer todos os cursos que quisermos, dispormos de todos os recursos que sejam necessários, ter possibilidade de dispor de todo o apoio necessário, mas no fim, vamos achar que tudo é insuficiente, que tudo falta para que a Educação Inclusiva chegue à escola. Qual é a premência, a urgência, a importância que damos a que as crianças e os jovens sejam educados em ambientes de equidade, de relação e de diversidade? Da resposta que se dá a esta questão, origina-se uma atitude ética e profissional. Quem achar que a inclusão é mesmo necessária e inegociável, quem achar que precisamos inexoravelmente de Inclusão – mesmo que para ela não tenha disponíveis todos os meios que pensamos seriam essenciais – vai certamente aproveitar, reconfigurar, mobilizar os meios, os recursos, as possibilidades e os saberes que tem disponíveis para cumprir aquilo que verdadeiramente acredita que é o seu trabalho essencial.

Muitas vezes é dito que “o professor é o maior recurso da Inclusão”. E é. Se…estiver convencido que a inclusão se fundamenta num imperativo ético, em valores de respeito pela diversidade, de valorização da Educação com um bem comum.  Talvez às vezes se ande à procura do que “falta”, do que “não está claro” (existem até pesquisadores de virgulas na legislação), quando o que não está claro para essas pessoas é se a inclusão é mesmo essencial para a Educação, se ela é essencial num mundo controverso, num mundo desigual, conflitual, em guerra, com gritantes injustiças. Os “investigadores das insuficiências”, semeiam e alimentam a ideia que a Inclusão não funciona, que está cheia de contradições e erros, ainda que depois – e até um pouco hipocritamente – batam no peito defendendo de uma inclusão “a sério”, isto é, aquela que não existe nem aqui nem noutro lugar.

São estas, pois as perguntas que nos falta responder: Temos a convicção que a Educação Inclusiva é mesmo essencial? Que ela é parte integrante da melhoria que precisamos (e de que queremos fazer parte) para desafiar as injustiças e as desigualdades? Será que se fizermos o melhor que sabemos e somos capazes, com os recursos que dispomos e com aqueles que conseguimos mobilizar, isso vai ser positivo e o melhor que se pode fazer para cumprir os direitos, para a dignidade e para a educação de qualidade de todas as crianças e dos jovens?

Se não entendermos que a inclusão é uma cultura e que a legislação não é senão um instrumento desta cultura, não entendemos o que é a Inclusão. A Inclusão é um processo cultural de transformação, de uma transformação que tem dois sentidos:  a ação que se empreende para mudar (no sentido da adoção de práticas de respeito pela diversidade e pela equidade) e o impacto dessa mudança nas pessoas que a empreendem. Na verdade, modificamo-nos ao modificar. A inclusão é, na sua essência uma cultura de valores de paz, de diversidade e de abertura ao mundo e aos outros. E quem não entender isto, não há 54, ou 55 que seja bastante. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa disse no Congresso da Pró-Inclusão em 2017 que “a Inclusão é o Direito dos Direitos” e António Nóvoa no seminário da Pró-Inclusão em 2018, disse que “a Inclusão é o Dever dos Deveres”. Sendo tanto um Direito como um Dever, a Inclusão é um valor (o que se poderia designar por “mind set” isto é uma mentalidade) e não um mero instrumento: é antes de mais uma ética e é a partir desta postura ética que se constroem os instrumentos para a sua realização. Retomo a citação de Dyson e Ferrel (2007, EJSNE 22,2) quando afirmam que a inclusão é um conceito alargado que gera mais calor que luz, isto é algo que se desenvolve mais nos nossos sistemas internos de crenças e de valores do que na simples exteriorização de práticas, estruturas e apoios “formais”. 

Num tempo em que tanto nos convida a seguir uma lógica de rentabilidade mercantil, em que a segregação, a xenofobia, a desigualdade e as injustiças parecem não nos dar tréguas, é tempo de pensar em Inclusão. Precisamos que a escola seja um modelo precoce de humanidade, um ambiente onde se tem de semear, com raízes profundas, sementes de respeito por todos os outros, valores de solidariedade e honestidade e a acarinhar a convicção que podemos (parafraseando o Relatório da UNESCO) voltar a imaginar os nossos futuros juntos. Foi juntos e interdependentes que aqui chegamos e será só juntos e interdependentes que podemos olhar um futuro mais justo.

Precisamos que a inclusão faça menos barulho, mas que tenha mais ressonância nos lugares onde vivemos, nos lugares onde queremos que se adquiram valores, nos lugares onde queremos que a desigualdade diminua e a justiça aumente.

Termino com uma frase do poeta e professor Ruy Belo falando do poeta e professor Sebastião da Gama: Se é o sonho que nos guia, a realidade nunca será pobre, porque nunca passará de um pretexto para ir mais longe”. E aqui temos outro olhar sobre a “realidade”: não mais que uma passagem efémera para cumprirmos aquilo que acreditamos.

(*) DAVID RODRIGUES, Professor de Educação Especial, obteve o doutoramento e o título de “Agregado” pela Universidade de Lisboa. Lecionou em universidades portuguesas e estrangeiras (Bélgica, Brasil e China). Trabalhou em projetos internacionais para a UNESCO, UNICEF e Humanité & Inclusion sobre temáticas de Direitos Humanos e Inclusão Social e Educativa. Publicou 32 livros e dezenas de artigos em revistas da especialidade.

One Comment

  1. Em nosso Município a Secretaria Municipal de Educação está revendo as orientações e procedimentos relativos à Educação Especial sob a Perspectiva Inclusiva ,e a leitura atenta dos Pareceres nº50 e 51/2023 do Conselho Nacional de Educação, foi considerado altamente preocupante. Em busca de pronunciamento de organizações ligadas à Educação e de outros órgãos, sobre o referido documento e estabelecendo uma comparação entre as opiniões divergentes, julgo importante aderir ás forças da sociedade que se opõem à sua homologação pela pertinência dos motivos alegados. Considero que as Leis e Diretrizes existentes, são suficientes para que a inclusão realmente aconteça e para isto é necessário, formação continuada para todos os profissionais da da educação, autonomia dos Secretários Municipais para admitir os recursos humanos necessários,pois
    apesar dos recursos do FUNDEB e de serem os ordenadores de despesa ,dependem do aval do Prefeito, da Secretaria de Administração e da Fazenda, uma ação intersetorial robusta e normatizada e por fim que as despesas com pessoal na área educacional, não sejam consideradas para efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal , motivo sempre alegado pelos governantes quando qualquer proposta que demande o aumento de recursos humanos, para aperfeiçoamento da oferta de uma educação de qualidade lhes são apresentadas.

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