Por Welington Vital do Portal Conteúdo Aberto – publicação original disponível em https://portalconteudoaberto.com.br/educador/inclusao-na-educacao/
A inclusão na educação vai além dos alunos. Envolver professores com deficiências enriquece o ambiente escolar e ressalta a diversidade como uma força, não um obstáculo.
A inclusão de professores com deficiências no ambiente educacional não é apenas uma questão de cumprir legislação, é um passo crucial para construir um sistema educacional mais representativo e enriquecedor para todos os envolvidos.
Em uma série de entrevistas esclarecedoras, conversei com especialistas em inclusão e diversidade, bem como com uma professora que vive na pele os desafios e as vitórias de ser uma profissional com autismo na rede pública de ensino.
Aqui, mergulhamos na realidade da inclusão para profissionais da educação e exploramos como as escolas podem (e devem) se adaptar para acolher essa diversidade.
Um novo olhar para a inclusão na educação
Falamos com Katya Hemelrijk da Silva, palestrante e CEO da Talento Incluir, e Marta Almeida Gil, coordenadora executiva no Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas. Ambas ressaltam a importância de entender a inclusão não apenas do ponto de vista estrutural, mas, principalmente, atitudinal.
Katya enfatiza que “Quando se fala de inclusão, o foco sempre é muito daquilo que a pessoa com deficiência não consegue fazer aos olhos dos outros, na percepção do outro, e não naquilo que ela pode somar na educação”.
Ela destaca que a empregabilidade de professores com deficiência é crucial e que ainda há um longo caminho a percorrer para mudar a percepção de que pessoas com deficiência só podem ocupar cargos operacionais:
“O lado da empregabilidade de professores com deficiência é muito importante. Quando falamos de empregabilidade de pessoas com deficiência, normalmente, consideramos cargos operacionais, de entrada. Estamos começando a provocar as empresas a falar de carreira, de cargos de liderança. As pessoas com deficiência também são capacitadas, também têm informações e muitas vezes colocam isso em prática de forma diferente. Isso não impossibilita um professor com deficiência de atuar em uma escola ou universidade”, explica Katya .
Katya ressalta a importância de focar no que os professores com deficiência podem acrescentar à educação:
“Se temos hoje professores de Educação Física que não acreditam que crianças com deficiência podem participar de suas aulas, como podemos contratar um professor cadeirante, mesmo que ele seja formado em Educação Física? Precisamos desmistificar a deficiência desde o início da jornada e focar no benefício que essas pessoas trazem ao processo educacional”, argumenta Katya.
Inclusão de professores com autismo: o relato de uma professora
A professora Juliana Ramos Elias Morais, de 44 anos, da rede pública de São Paulo, compartilhou conosco sua experiência pessoal de revelar seu diagnóstico de autismo no ambiente escolar. Em um relato sincero, ela explicou os desafios que enfrentou ao decidir tornar sua condição conhecida.
“Revelar meu autismo foi um passo necessário para que eu pudesse trabalhar de forma mais autêntica e com o suporte adequado”, diz Juliana.
Juliana conta que por muito tempo recebeu críticas e comentários sobre seu modo de trabalhar. Falas como “as suas aulas são uma bagunça organizada” a incomodavam muito e, por muitas vezes, a deixava extremamente magoada.
Juliana descobriu seu diagnóstico de autismo recentemente e, inicialmente, teve receio de compartilhar essa informação com seus colegas e a administração da escola.
“Eu tinha muito medo de revelar para a direção da escola porque não me sentia segura,” revela Juliana.
No entanto, após o conselho de uma amiga e a necessidade de ajustes devido aos efeitos colaterais de medicações, ela decidiu se abrir. “Falei, expus tudo, levei todos os laudos. Foi bom ter contado, porque hoje pelo menos há um pouco mais de respeito.”
Apesar de encontrar resistência inicial da direção, Juliana recebeu apoio de seu coordenador direto e de colegas mais próximos, que se mostraram compreensivos e solidários. “Meus colegas e meu gestor direto me acolheram, me apoiaram até em momentos de crise”, conta ela. Esse apoio foi crucial para Juliana, mostrando a importância de um ambiente de trabalho empático para a adaptação e desempenho dos professores com deficiência.
Após revelar seu diagnóstico, Juliana sentiu que houve uma mudança no tratamento por parte da escola, embora ainda haja incertezas quanto à sinceridade do acolhimento:
“A direção parecia ter entendido. Para falar a verdade, não sei se eles entenderam mesmo, mas foi bom ter falado. Hoje, pelo menos, eles me respeitam um pouco mais, e eu tenho mais conforto na escola. Meu médico mandou um laudo explicando como algumas coisas devem ser comigo, então aquelas dificuldades que eu tinha lá no início já não existem mais. O respeito, pelo menos um pouco, estou tendo. Não sei se é por obrigação ou empatia, mas foi bom ter contado”, ressalta.
Desafios de adaptação e acomodações para pessoas com deficiências
Juliana enfrentou diversos desafios para obter acomodações adequadas no ambiente escolar. Ela só conseguiu ajustes significativos após apresentar um segundo laudo médico detalhado que especificava suas necessidades, como a questão do barulho e a forma como as demandas deveriam ser comunicadas.
“Só tive um pouco mais de conforto quando meu médico mandou um laudo mais específico”, explica. Mesmo assim, muitas das acomodações foram iniciativas dela própria, buscando criar um ambiente de trabalho que promova a diversidade e que seja mais adequado às suas necessidades.
“Ainda sinto uma grande falta de apoio, empatia e flexibilidade por parte da direção. Eu tive que abrir mão de tratamentos importantes por não poder ter uma flexibilidade na minha rotina escolar”, ressalta Juliana.
Caminhos para a inclusão na educação
Para que a inclusão seja efetiva, é essencial que as escolas adotem políticas claras e forneçam o apoio necessário tanto para alunos quanto para professores com deficiências. A experiência de Juliana e as reflexões de especialistas como Katya Hemelrijk e Marta Almeida Gil destacam a importância de um compromisso contínuo com a inclusão, que valorize e respeite as diferenças.
Juliana aconselha outros professores autistas a buscarem seus direitos e não se deixarem abater pelos desafios.
“O professor deve buscar seus direitos, procurar apoio e não ter vergonha de pedir ajuda”, recomenda. Sua história é um exemplo de resiliência e determinação, mostrando que, com o apoio adequado, é possível superar obstáculos e contribuir significativamente para a educação.
“Eu precisei procurar um advogado especializado em educação e pessoas com autismo para me orientar sobre como proceder para fazer valer direitos que já são garantidos a mim. É exaustivo, tem um custo, mas é necessário”, afirma Juliana.
Criando ambientes mais inclusivos na escola
Para criar ambientes verdadeiramente inclusivos, é crucial adotar uma abordagem baseada na convivência e na disposição para aprender.
Katya Hemelrijk compartilha uma visão poderosa sobre como podemos cultivar a inclusão de forma mais eficaz:
“Para ter um olhar mais inclusivo, precisamos ter mais convivência em todos os sentidos. Precisamos nos permitir não saber. Muitas vezes, achamos que já sabemos por que temos um amigo ou um conhecido que tem um filho com deficiência. Mas isso são generalizações e, muitas vezes, erradas. A convivência é forçada pela necessidade de trabalhar juntos, mas precisamos ir além.”
Katya também destaca a importância de desafiar nossas suposições:
“É essencial questionar: por que não? O que me impede? De onde vem essa informação? Ser protagonista dessas mudanças é fundamental. Não devemos aceitar que pessoas com deficiência não tenham condições de atuar em certas posições. Existem professoras com Síndrome de Down que se formaram e atuam com competência.”
Marta Gil acrescenta outra perspectiva importante ao discutir a inclusão, comparando-a a uma roupa de tamanho único:
“Eu faço uma analogia com a roupa tamanho único. O tamanho único não serve em ninguém. Assim é com a inclusão, precisamos enxergar o outro como indivíduo. A base para mim é a informação. A palavra ‘informação’ se a gente dividir fica ‘informa a ação’. Precisamos informar uma ação. A comunicação é a base de tudo. Não basta seguir a linha de ‘meu irmão era surdo e eu sei tudo sobre surdo’. Não! Você sabe tudo sobre o seu irmão, e olhe lá!”
A convivência, a personalização e a disposição para aprender e desafiar suposições são fundamentais para construir um ambiente mais inclusivo. Katya conclui:
“A convivência, se permitir não saber e não generalizar são passos cruciais para construir soluções juntos. Não existem soluções mágicas e prontas para tudo.”
A importância da representatividade
A presença de professores com deficiência nas salas de aula não beneficia apenas os próprios professores, mas também os alunos.
Katya Hemelrijk sublinha a importância da representatividade: “Quando uma criança vê um professor com deficiência, ela entende que também pode alcançar esse sonho. É sobre abrir possibilidades”.
Além disso, a presença de professores com deficiência desafia os alunos a repensarem suas próprias percepções de capacidade e potencial, criando um ambiente educacional mais inclusivo e diverso.
Construção de um sistema educacional inclusivo
A inclusão na educação de professores com deficiências, como o autismo, nas escolas é um passo crucial para criar um sistema educacional verdadeiramente inclusivo. É uma jornada que exige mudanças na formação, nas atitudes e nas estruturas, mas os benefícios são imensos.
Ao promover um ambiente onde todos os educadores são valorizados e apoiados, preparamos o caminho para um futuro em que a diversidade é vista como uma força, e não um obstáculo.
A educação, afinal, é sobre aprendizado mútuo e crescimento compartilhado. E a inclusão de professores com deficiências é um lembrete poderoso de que, na sala de aula, todos têm algo valioso a ensinar e a aprender.
Recursos adicionais sobre educação inclusiva
Para aqueles interessados em aprofundar o conhecimento sobre educação inclusiva, Marta compartilhou um conteúdo riquíssimo do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas que oferece uma série de recursos valiosos.
Disponibilizam o “Guia do Educador Inclusivo” e vídeos sobre acessibilidade no trabalho. Esses materiais podem ser acessados gratuitamente e oferecem dicas práticas sobre a construção de um ambiente educacional mais inclusivo.
Fonte: https://portalconteudoaberto.com.br/educador/inclusao-na-educacao/