Nota de Repúdio da Magistratura Atípica ao Ministro Antônio Saldanha, do STF

NOTA DE REPÚDIO

A Magistratura Atípica, constituída por magistrados atípicos e/ou que são pais atípicos, de todo o Brasil, vem a público repudiar as declarações do Exmo. Sr. Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antônio Saldanha, no último dia 22 de novembro, durante sua exposição no Fórum Nacional de Saúde (Fonajus), ao dizer que é uma tranquilidade para os pais que possuem filhos “com problema” (referindo-se aos autistas), deixa-los por 6(seis) a 8(oito) horas com especialistas numa clínica, “passeando na floresta”, assim definindo o método ABA (Análise do Comportamento Aplicada – abordagem científica utilizada para promover habilidades e reduzir comportamentos, sobretudo, em pessoas autistas), já que, também segundo imagina o Exmo. Sr. Ministro, deve ser um método consistente em levar a pessoa numa floresta para abraçar árvore!


Com todo respeito, para além de discriminador e, portanto, capacitista, o conteúdo das declarações revela uma total falta de conhecimento acerca do conceito de autismo, que, ao contrário do que afirmado pelo Exmo. Sr. Ministro, não é um problema, mas, sim, uma deficiência, inclusive, assim definida na lei 12.764/2012, que, por sua vez vem a ser uma característica, uma condição humana.


Ainda, as declarações revelam, também, não apenas a falta de conhecimento quanto ao método científico ABA, mas um menosprezo a sua utilização e eficácia em pessoas autistas, tanto quanto, ao que parece, à utilização e eficácia de terapias como a Musicoterapia e a Equino ou Equoterapia por outras pessoas com deficiência.


Ademais, buscar métodos e terapias, reconhecidos cientificamente, para o desenvolvimento das potencialidades de um filho com deficiência não é uma tranquilidade para pais atípicos, mas, para além de um direito fundamental, é uma necessidade, uma esperança de que ele possa ter autonomia para, no mínimo, acessar e exercer seus direitos individuais e, assim, ser, de fato, incluído na sociedade.


E nesse viés, vale dizer que a atenção integral às necessidades de saúde das pessoas com deficiência, assim definidas, também, as pessoas com autismo é um direito fundamental garantido pelo artigo 25 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e seu Protocolo Facultativo, subscrita e ratificada pela República Federativa do Brasil através do Decreto 6.949/2009, com status constitucional, por força da cláusula de abertura material prevista no parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal.


Inclusive, consta, expressamente, no supracitado artigo 25 que os Estados-parte:
“Propiciarão serviços de saúde que as pessoas com deficiência necessitam especificamente por causa de sua deficiência, inclusive diagnóstico e intervenção precoces, bem como serviços projetados para reduzir ao máximo e prevenir deficiências adicionais, inclusive entre crianças e idosos;”
Da mesma forma, lhes asseguram a lei 12.764/2012 (artigo 2o.) e a lei 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão – artigo 18).
Assim, serviços específicos de saúde necessários e prescritos para pessoas com deficiência, de acordo com a deficiência que possuem, é um direito fundamental e que deve ser prestado seja pelo SUS ou pelos Planos/Seguros Privados de Saúde, independentemente de seu custo.

Portanto, a nós, na qualidade de membros do Poder Judiciário, cabe fazer valer as normas constitucionais e legais pertinentes e garantir às pessoas com deficiência, repita-se, assim também definidas as pessoas autistas, o exercício de todo e qualquer direito.
Por outro lado, a nós, na qualidade de pessoas com deficiência e/ou de pais atípicos, cabe rechaçar qualquer fala, comportamento ou prática capacitista que, mais do que uma violência institucional, constitui uma violação de direitos humanos.


Rio de Janeiro, 23 de novembro de 2024.

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