![]() |
|
Só para recordar, no dia 5 de março, foi iniciado o julgamento da ação de inconstitucionalidade contra as pesquisas com células-tronco embrionárias (CTE) proposta pelo então procurador da república, Cláudio Fonteles. Depois de dois votos brilhantes favoráveis às pesquisas — do Ministro Carlos Ayres Britto e da ministra Ellen Gracie –, o ministro Carlos Menezes Direito pediu vistas. Ele precisava de mais tempo para estudar o assunto. Passaram-se quase três meses e o ministro entregou seu parecer. Então, o novo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, convocou os ministros para decidir a questão.
Sentamos todos naquele plenário, no dia 28 de maio, com uma enorme expectativa. O ministro Direito começou sua leitura. Foram três horas onde falou mais como cientista do que como jurista. No final aprovou a ação de inconstitucionalidade parcialmente, isto é, impondo uma série de restriçõesm que, na prática, inviabilizam as pesquisas. Uma delas era permitir as pesquisas desde que os embriões não fossem destruídos, isto é, retirando-lhes uma ou duas células no máximo. Escrevi sobre isso na minha coluna de 14 de fevereiro: Embriões podem doar células sem ser destruídos?
O destino dos embriões – Trata-se de uma técnica extremamente difícil e que até agora só foi publicada por um grupo americano chefiado pelo pesquisador Robert Lanza, do laboratório americano Advanced Cell Tecnology. Mas imaginemos que seja possível dominar essa tecnologia. Vamos pegar os embriões congelados há três anos, que já foram doados para pesquisa por seus genitores, depois vamos descongelá-los e cultivá-los. Estima-se que 98% deles já não são mais viáveis, nem para implantação, nem para pesquisas. Vamos nos concentrar nos dois em cada 100 que chegam até a fase de 16 células. Sem destruir o embrião, retiramos uma ou duas células e vamos tentar derivar uma linhagem de células-tronco com elas. A questão que fica é: o que fazer com o embrião depois disso? Ele não será implantado em útero por vontade expressa dos seus genitores. Ele deve voltar ao tanque de nitrogênio? Dentre os votos a favor destaca-se o do relator Carlos Ayres Britto, que foi novamente brilhante na sua defesa: É importante distinguir embrião de pessoa. “Não existe pessoa embrionária. Deixar de contribuir para devolver pessoas a plenitude da vida não soaria como omissão de socorro?”, perguntou em seu texto. Ao instituir o primeiro debate público no STF, quando foram ouvidos cientistas a favor e contra as pesquisas, o ministro Carlos Britto conseguiu um fato sem precedentes. Seu nome ficará para a história. O Brasil agradece. Segundo o Ministro Joaquim Barbosa, também defensor da causa, “Proibir as pesquisas significa fechar os olhos para o desenvolvimento científico e os benefícios que dele podem advir.” A Ministra Carmen Lúcia, que também aprovou as pesquisas sem restrições, preocupou-se em não iludir os pacientes com a possibilidade de tratamentos imediatos. Concordo plenamente. Temos repetido que o que queremos é poder pesquisar todas as possibilidades, células-tronco adultas e embrionárias. Não podemos fechar nenhuma porta. Queremos fazer no Brasil as mesmas pesquisas que são realizadas no primeiro mundo. Uma frase da ministra Carmen Lúcia resume tudo o que penso: “Pesquisa não é certeza de resultado, mas a não-pesquisa é certeza de não-resultado”. A hora da emoção – A defesa final dos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello foi fantástica e decisiva. “Não se apague a luz que se acendeu na lei 11.105”, declarou o Ministro Marco Aurélio. Quando o Ministro Celso de Mello declarou seu voto, respiramos aliviados. Embora nenhum ministro julgou a matéria totalmente inconstitucional, com o voto do ministro Mello tínhamos a maioria absoluta do STF a favor das pesquisas, sem restrições. A emoção tomou conta. As lágrimas rolavam. Reunimo-nos em frente da estátua da Justiça para render-lhe a justa homenagem. Era o desenlace feliz de uma luta, que iniciou-se há cinco anos. Mas o final da sessão ainda reservava uma surpresa. As pesquisas precisariam ser controladas por um comitê central sugeriram alguns dos ministros. E nesse momento a intervenção do Ministro Celso de Mello foi crucial. “A maioria do STF aprova a Lei de Biossegurança sem restrições declarou enfaticamente.” Além disso, a atuação do Ministro Tofoli, representando a Advocacia Geral da União, foi ímpar ao esclarecer, nos últimos momentos, possíveis dúvidas ainda levantadas por alguns membros da corte. Talvez muitos não saibam, mas nenhuma pesquisa científica é financiada sem aprovação dos comitês de ética que também exigem relatórios anuais sobre os resultados científicos. Temos que prestar contas do que fazemos e de como foram gastos os recursos não só para as agências financiadoras, como para os comitês de ética. Sem essa aprovação não podemos publicar os resultados em revistas científicas. Não há como fugir. Agradecimentos – É impossível agradecer todos aqueles que tornaram possível essa vitória. A toda sociedade brasileira, a todas as associações e pacientes que se mobilizaram em torno desta causa, aos parlamentares da Câmara e do Senado Federal, aos membros do Poder executivo – em particular aos Ministros de Saúde e da Ciência e Tecnologia-, à Advocacia Geral da União, à Academia Brasileira de Ciências, Fesbe e SBPC, aos órgãos financiadores das pesquisas em particular A FAPESP, CNPq e FINEP, aos Ministros do STF, aos profissionais da mídia que abraçaram essa causa e tiveram um papel fundamental, à Universidade de São Paulo e a inúmeros colegas e amigos. Ironicamente, a pessoa que mais nos ajudou e a quem serei grata pelo resto da vida prefere permanecer no anonimato, o que me faz acreditar profundamente na generosidade humana. Sei que temos agora uma enorme responsabilidade pela frente. Não sabemos quando as pesquisas poderão se transformar em tratamento. O que podemos prometer é que daremos o melhor de nós. Mas podemos sorrir porque a luz no fim do túnel não se apagou. |