Mirando no útero, síndrome de Down, deficiências

Valerie Karr, de Sea Cliff, é candidata a PhD no Teachers College da Universidade de Columbia, e estuda as perspectivas internacionais sobre os direitos das pessoas com deficiência.

7 de julho de 2008

No fim de semana passado na minha sorveteria preferida eu conheci um adorável garotinho de 4 anos chamado Sully. Ele tinha olhos azuis brilantes e inquisitivos, um sorriso feliz e, julgando por seus traços, síndrome de Down.

Poucas semanas antes eu havia lido uma estatística estarrecedora: 92% dos fetos diagnosticados com síndrome de Down estão sendo abortados. Normalmente, eu não me debruço sobre o tema do aborto, mas esse número me veio à mente quando eu olhei para o Sully. Com apenas 8% de prováveis pais de bebês com sídrome de Down optando por ter o filho, Sully pode crescer sem colegas como ele com quem interagir ao longo de sua vida. De alguma maneira nós estamos dizendo que as vidas de crianças com síndrome de Down valem menos do que aquelas que chamamos de crianças normais.

Decididamente, os custos econômicos de criar uma criança com síndrome de Down pode ser oneroso. A estresse emocional pode causar tensão entre os pais. Pode haver complicações médicas sérias. Na verdade, numa pesquisa conduzida por Brian Skotko da Escola de Medicina de Harvard, 3000 mães que receberam a notícia de que seus filhos tinham síndrome de Down relataram que os médicos se expressaram de forma negativa a respeito de sua escolha de prosseguirem com as gravidezes.

Algo profundo e perturbador está no âmago deste dilema. Se os pais e até os médicos depreciam a vida de uma criança com síndrome de Down, que perspectiva ela terá em sua vida e como será julgada pela sociedade em geral?

É claro que a taxa de 92% apenas diz respeito àquelas mulheres que se submetem a exame pré-natal para rastrear deficiências. A prevalência de crianças nascidas com síndrome de Down ainda não caiu muito nos Estados Unidos (é aproximadamente de 1 em 733), o que quer dizer que muitas grávidas não estão fazendo esses testes. Mas o exame pré-natal tornou-se mais seguro e corriqueiro entre mulheres mais jovens, e agora mais de 70% delas têm se submetido a eles. Então, a questão é o que essas mulheres, esses pais, e médicos farão quando tiverem a informação sobre a deficiência de um bebê antes dele nascer? Na velocidade que se caminha, nós eventualmente vamos exterminar as crianças com síndrome de Down da sociedade.

E o mundo vai perder a oportunidade de experimentar esses maravilhosos e generosos membros de nossas comunidades. Sim, frequentemente pais de crianças com síndrome de Down vivem um sentimento de luto e choque quando recebem o diagnóstico, mas, mais tarde, esses pais expressam o prazer e a alegria que seu filho trouxe para a família, e o otimismo que sentem acerca de seu futuro. Crianças com síndrome de Down brincam com os amigos, participam de programas de esporte, se formam no ensino médio e podem viver independentemente na comunidade com os apoios adequados.

Hoje, existem listas de espera de pessoas que querem adotar crianças com síndrome de Down nos Estados Unidos e em outros países. A Sociedade Nacional de Síndrome de Down tem trabalhado junto a profissionais de saúde para tornar todos os aspectos de se ter um filho com síndrome de Down – inclusive os positivos – conhecidos pelos pais quando eles recebem o diagnóstico.

A síndrome de Down não é a única deficiência que vem sendo atacada no útero. Recentemente um Laboratório de Genética francês identificou uma região no cromossomo número 16 que aparentemente está ligado ao autismo. Esse estudo imediatamente levantou questões sobre disponibilizar exames pré-natal para autismo. Se as estatísticas de síndrome de Down indicarem alguma coisa, isso pode representar uma nova onda de aborto relacionado à deficiência.

Esses abortos levantam questões dolorosas normalmente relegadas às esferas religiosas ou filosóficas. Nós só queremos crianças “perfeitas”? A sociedade valoriza mais pessoas “normais” do que as que têm deficiência? A igualdade inalienável entre todos os seres humanos é uma fraude?

Por ironia, o mundo aparentemente baniu a discriminação contra pessoas com deficiência através de leis que vão desde o precursor Ato dos Americanos com Deficiência até a recente Conveção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Parece que nós evoluimos muito, mas talvez o avanço não seja tão grande. O movimento de eugenia no começo dos anos 1900 foi o precursor do genocídio nazista germânico de pessoas com deficiência. Noventa e dois por cento é virtualmente exterminação, sancionada por médicos e pais. É um número que reflete a atitude mais ampla da sociedade a respeito das pessoas com deficiência.

Nós resolvemos nos tribunais, por enquanto, a questão do aborto. Permanece sendo uma escolha da mulher. Mas essa escolha fica comprometida se as comunidades menosprezam seus deficientes. A vasta maioria destas vidas são ceifadas dentro do útero, condenadas pelo status de disponibilidade, apesar do fato de que crianças como Sully podem viver vidas longas, felizes e enriquecer a todos a quem tocam. Reconhecimento da igualdade entre todas as crianças – inclusive crianças com deficiência – é o primeiro passo para legitimar o direito da mulher a uma escolha verdadeira e a uma aceitação mais ampla por parte da sociedade dos direitos das pessoas com deficiência.

Tradução – Patricia Almeida – Agência Inclusive

Nota da tradutora: O aborto é permitido em vários estados americanos.

http://www.newsday.com/news/opinion/ny-opxxx5755254jul07,0,5073863.story

Targeting the womb, Down syndrome, disabilities

BY VALERIE KARR | Valerie Karr, of Sea Cliff, is a PhD candidate at Teachers College, Columbia University, who studies international perspectives on the rights of persons with disabilities.

July 7, 2008

Last weekend at my favorite ice cream shop, I met an adorable 4-year-old boy named Sully. He had bright blue, inquisitive eyes, a happy smile and, judging from his telltale facial features, Down syndrome.

Only weeks before I had read a staggering statistic: 92 percent of unborn children diagnosed with Down syndrome are now aborted. I don’t normally get overly exercised about the issue of abortion, but this number struck me as I looked at Sully. With only 8 percent of prospective Down parents choosing to have their child, Sully may grow up with no peers to interact with in his life. Somehow, we are saying the lives of children with Down mean less than those of so-called normal children.

Admittedly, the economic costs of raising children with Down can be onerous. The emotional strain can cause rifts between parents. There can be serious medical complications. As a matter of fact, in a survey conducted by Brian Skotko at Harvard Medical School, 3,000 mothers receiving the news that their child would have Down syndrome reported that physicians expressed negative views about them continuing their pregnancies.

Something profound and disturbing lies at the heart of this dilemma. If parents and even doctors so devalue the life of a child with Down, what prospects do they have in their lives and in the judgment of society at large?

Of course, the 92 percent abortion rate pertains only to those women having prenatal testing for disabilities. The prevalence of children born with Down syndrome has not actually seen a dramatic decrease in the United States (it is approximately 1 in 733), which means that many pregnant women are not getting these tests. But prenatal testing has become safer and more common among younger women, and now more than 70 percent are undergoing screening. So the question is what will these women, parents and doctors do, as information about unborn children’s disabilities becomes more readily available? At the current rate, we will eventually exterminate children with Down from society.

And the world will miss out on the opportunity to experience these wonderful and giving members of our communities. Yes, often many parents of children with Down syndrome experience grief and shock when given the diagnosis, but upon follow-up, parents expound on the joys and happiness their child has brought to the family, and the optimism they feel for their child’s future. Children with Down syndrome play with peers, participate in sports programs, graduate from high school, and can live independent lives in the community with proper supports.Today, there are waiting lists of parents wanting to adopt children with Down syndrome in the United States and internationally. The National Down Syndrome Society has been working closely with health-care professionals to make all aspects of having a child with Down syndrome – including the positive ones – known to parents when they are presented with the diagnosis.

Down syndrome is not the only condition that is targeted in the womb. Recently a French Genetics

Lab identified a region on chromosome 16 that is apparently linked to autism. This study immediately raised questions about the availability of prenatal testing for autism. If the Down syndrome figures are any indication, this could represent the next wave in disability-related abortion.Such abortions raise painful questions normally relegated to the religious or philosophical spheres. Do we want only “perfect” children? Does society value “normal” people more than those with disabilities? Is the unalienable equality inherent in all humans a fraud?

Ironically, the world seems to have legislated away discrimination against people with disabilities, from the landmark Americans with Disabilities Act to the recent UN Convention on Rights of Persons with Disabilities. We seem to have come a long way, but maybe it’s not so far at all. The Eugenics movement in the early 1900s was a precursor to Nazi Germany’s genocide of persons with disabilities. Ninety-two percent is a virtual extermination, sanctioned by doctors and parents. It’s a number that reflects the broader society’s attitude toward persons with disabilities.

We have resolved in the courts, for the time being, the issue of abortion. It remains a woman’s choice. But that choice is demeaned if communities devalue the life of its disabled. The vast majority of these children are handicapped in the womb, condemned by their disability to disposable status despite the fact that children like Sully can live long, happy lives that enrich everyone they touch. Awareness of the equality of all children – including children with disabilities – is the first step to legitimizing a woman’s right to true choice and to the broader acceptance in society for the rights of persons with disabilities.


Free Hit Counter

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *