Não há dúvida de que a pessoa com deficiência, como qualquer outra, pode ser um bom profissional e merece uma pressão por parte do governo e da sociedade civil para que as leis sejam efetivamente cumpridas. No entanto, devemos tomar cuidado para que, em nome de um discurso politicamente correto, não
superestimemos o seu desempenho, criando mitos que, longe de
contribuírem para a inclusão, acentuam as diferenças e criam uma idealização que, consequentemente, geram novas formas de preconceito.
Muito frequentemente, ouvimos no meio empresarial, e mesmo entre profissionais de reabilitação, afirmações como: “eles produzem muito mais do que os outros”, “eles trabalham muito mais e com mais qualidade”, “vestem mais a camisa”, etc. Tais discursos tornam-se perigosos quando desconsideram a
singularidade de cada pessoa, classificando toda uma população a partir de uma característica extremamente variável (possuir uma deficiência), ignorando o histórico de vida e traços de personalidade, entre outros fatores.
Falas dessa natureza buscam, no fundo, amenizar as inegáveis barreiras sociais e culturais que forjam todo um processo de exclusão, por meio do mito do “super-herói”, que não é mais do que o espelho do mito do “coitadinho”.
Os especialistas da área precisam estar atentos a essas armadilhas culturais que perpetuam, por meio da eloqüência, velhos rótulos que, comprovadamente, não fazem senão diminuir aqueles a quem pretendem exaltar.
Como dizia uma velha canção, é preciso manter a “cabeça nas alturas, mas os pés no chão”, pois nosso objetivo deve primar pela real conquista dos direitos civis e não pela construção de castelos de areia, que iludem e encantam num primeiro momento, mas não resistem ao vento mais fraco, deixando de erguer bases sólidas que eliminem as barreiras do presente e abram os caminhos do futuro.
Marcelo Vitoriano
Psicólogo e Chefe de Reabilitação Profissional da AVAPE
Flávio Gonzalez
Psicólogo do Depto de Reabilitação da AVAPE
Maria Isabel da Silva
Jornalista SP