Natália Dmytruk, a interpéte

Do manual de mídia legal, da Escola de Gente

Reprodução da sétima matéria:
“Se a moda pega…”
Era final da manhã de 25 de novembro de 2004. Natália Dmytruk se preparava para entrar no estúdio da TV estatal ucraniana, como de hábito, para dublar para pessoas com deficiência auditiva o noticiário do dia.A época era especial. Quatro dias antes, a Ucrânia passara por uma eleição presidencial altamente contestada. Monitores internacionais levantaram suspeitas de fraudes grossas, cujo objetivo era o de favorecer Viktor Yanukovich, o primeiro-ministro apoiado pela Rússia de Vladimir Putin.

Natália estava indignada com as evidências de logro. Afinada com a “Revolução Laranja” – principal cor das vestes da multidão que ocupava dia e noite a principal praça da capital, Kiev, a favor do desafiante Viktor Yushschenko -, a tradutora estava decidida a protestar.

No ar, enquanto o locutor lia o boletim oficial das eleições, Natália não deu bola para o que ele dizia e, de acordo com o que disse ao “Washington Post”, transmitiu, na linguagem gestual, a seguinte mensagem: “Dirijo-me a todos os deficientes auditivos da Ucrânia. Nosso presidente é Viktor Yushschenko. Não acreditem nos resultados do comitê central eleitora. São todos mentirosos. Estou muito envergonhada de transmitir essas mensagens para vocês. Talvez vocês me vejam novamente”.

A mensagem se difundiu, silenciosamente. Dos deficientes auditivos para outros setores da população. E, assim, Natália deu a sua contribuição para o movimento que acabou por impor a realização de um novo segundo turno no país, do qual Yushschenko saiu vencedor

Fico imaginando como seria se a prática valesse em outros lugares. A tradutora do infeliz discurso televisivo de Collor de Mello conclamando a população a sair às ruas em verde-e-amarelo gesticularia: “Não façam isso, saiam de preto, protestem”.

E, como um Collor puxa outro, no anúncio do plano de Zélia que confiscou a poupança de todos nós, a brava Natália faria gestos tão eloqüentes que o seu entendimento não ficaria restrito aos deficientes auditivos.

Ao traduzir o infame discurso de Colin Powell no Conselho de Segurança da Onu, em que tentava convencer o mundo, com provas bem estapafúrdias, de que Saddam escondia arsenais de armas proibidas, então, o que diria?

Se eu fosse governante, não confiaria nessas moças que ficam gesticulando atrás da cena. Elas podem dizer a verdade.

Vinícius Mota, 32, é editor de Mundo da Folha de São Paulo, onde trabalha há seis anos. No jornal, foi também editor de Opinião (coordenador dos editoriais) e secretário-assistent e de Redação. Escreve para a Folha Online aos domingos.

Na edição impressa do Manual estão destacados os seguintes trechos: “No ar, enquanto o locutor lia o boletim oficial das eleições, Natália não deu bola para o que ele dizia e, de acordo com o que disse ao “Washington Post”, transmitiu, na linguagem gestual, a seguinte mensagem” e “Se eu fosse governante, não confiaria nessas moças que ficam gesticulando atrás da cena. Elas podem dizer a verdade”.


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