Quando exemplos destes forem realidade em nosso país

“Tenho a forte sensação de que a duração do tempo em que permanecemos neste
mundo é menos importante do que o que fazemos com ele..”

Olá, meus caros colegas:

Desculpem-me ter andado tão longe das listas nos últimos tempos. Contudo, agora
estou de volta.
Em meus últimos estudos, refletindo a respeito da recente aprovada Convenção,
deparei-me com o artigo abaixo, cuja leitura recomendo fortemente.
Os princípios nele exemplificados tonificam as atitudes em defesa dos direitos
das pessoas humanas com deficiência, lançando luz ao nosso próprio ordenamento
jurídico.
No artigo vocês lerão que:
“Algumas posturas são difíceis de combater, e hoje as pessoas continuam a lutar
para acabar com o estigma da deficiência, não apenas em ambientes profissionais
e governamentais, mas também entre colegas e até mesmo familiares.
Fui consultor jurídico adjunto em um processo de custódia entre os pais de dois
meninos pequenos, Mike e Sam. Mike tinha diagnóstico de autismo e freqüentava a
escola para atender às suas necessidades educacionais e sociais. Em audiência no
tribunal ligada ao processo de divórcio, o pai disse em juízo que acreditava que
o autismo de Mike estava prejudicando o desenvolvimento de Sam. Ele pediu a
custódia de Sam. O juiz atendeu ao pedido e as crianças foram separadas. A
decisão do tribunal de separar os irmãos foi baseada em um pressuposto não
comprovado do impacto negativo de se ter um filho com autismo na família. O juiz
não encontrou problemas na custódia da mãe, mas desprezou o direito de os irmãos
viverem juntos.

Recorremos contra a sentença dada pelo juiz e o Tribunal de Recursos da
Califórnia concordou com nosso posicionamento. A subseqüente reunião dos irmãos
Mike e Sam nos faz lembrar que os direitos dos portadores de deficiência
continuam a ter relação tanto com a luta contra o preconceito quanto com a
superação de barreiras físicas no mundo. Tenho certeza que alcançaremos as
aspirações da ADA. O modo como lidamos com essas questões é que definirá a vida
das crianças de futuras gerações que nascerem portadoras de deficiência.”

“O mandato de integração estabelecido pelo Título II da ADA alcançou milhares de
indivíduos. Em Tennessee v. Lane (2004), George Lane, portador de deficiência
física, respondeu a processo como réu em um acidente de trânsito. Ele teve que
subir dois lances de escada rastejando para comparecer à audiência judicial em
um edifício onde não havia elevador. Na audiência seguinte, recusou-se a subir
dessa maneira novamente. Entrou com uma ação para reivindicar seu direito de
acesso. Na sentença que o favoreceu, a Suprema Corte dos EUA declarou que o
Título II exige que os estados não discriminem os portadores de deficiência em
seu direito de acesso aos tribunais.
A premissa do Título III da ADA é direta e objetiva – shopping centers, centros
comerciais, escritórios comerciais e empresas como hotéis não podem discriminar
pessoas com deficiência. Locais com adaptações públicas para essas pessoas são
cada vez mais acessíveis. Uma questão atual com implicações de longo alcance é o
uso do Título III para assegurar a acessibilidade da internet; por exemplo, as
páginas da Web devem funcionar com programas leitores de tela utilizados por
deficientes visuais. Os sites da internet oferecidos por entidades públicas ao
público geral devem observar um conjunto de normas para serem qualificados como
acessíveis.”

Meus caros, os operadores do direito precisam aprender a entender os fundamentos
dos direitos da pessoa com deficiência. Para isso, porém, é mister que nós
próprios o façamos, isto é, os compreendamos.
Quando o fizermos, quando nossas atitudes forem positivas, forem contra a
opressão a que as pessoas com deficiência vêm sendo historicamente submetidas,
daí veremos uma sociedade inclusiva, veremos o modelo médico de culpabilização
da deficiência cair por terra.
Fiquem com o artigo e obrigado pelo acolhimento em suas caixas de entrada.
Cordialmente,
Francisco Lima
Sociedade e Leis Americanas Protegem Direitos de Pessoas Portadoras de
Deficiência
Peter Blanck

Peter Blanck é professor universitário e presidente do Instituto Burton Blatt da
Universidade de Syracuse. Participou do processo de elaboração e aprovação da
Lei dos Americanos Portadores de Deficiência, prestou depoimento sobre o assunto
perante o Congresso americano e defendeu casos relacionados ao tema na Suprema
Corte dos Estados Unidos. Peter Blanck possui vasto material escrito e realizou
várias conferências sobre o assunto.

I. RESPEITO AOS DIREITOS DE TODOS
Esta seção descreve vários aspectos da implementação da Lei dos Americanos
Portadores de Deficiência (ADA) e como ela tem, de acordo com pronunciamento do
presidente Bush em 2006, “desempenhado um papel significativo na melhora da
qualidade de vida de milhões de americanos”.

Nos Estados Unidos, o entendimento, as definições legais e as atitudes que dizem
respeito às deficiências e às pessoas portadoras de deficiência mudaram ao longo
dos anos. Tradicionalmente, a deficiência era vista como um defeito que impedia
a pessoa de participar das atividades “normais” do dia-a-dia. Poderia ser um
problema físico ou mental de caráter permanente ou a conseqüência de um acidente
ou doença que tivesse ocorrido em algum momento da vida. As posturas iam do
desejo de proteger a pessoa à preocupação de que sua capacidade e, portanto, o
seu valor pudessem ser diminuídos a ponto de causar vergonha e culpa ao
indivíduo e à família. Em muitos casos, a pessoa ficava trancafiada em casa ou
em uma instituição e tinha pouco contato com a sociedade em geral e, na maioria
das vezes, a deficiência era considerada permanente ou debilitante, o que
certamente não era algo que pudesse ser melhorado com tratamento ou atenuado com
adaptações.

Nos Estados Unidos, a primeira definição legal de “deficiência” foi decorrente
do grande número de soldados que voltaram feridos da Guerra Civil (1861-1865).
Segundo as leis que regulamentam as pensões dos veteranos da Guerra Civil, eram
concedidas pensões especiais aos veteranos deficientes do Exército da União (do
norte) baseadas em sua “incapacidade de realizar trabalhos manuais”. Esse modelo
definia deficiência como uma enfermidade que impedia a participação igualitária
na sociedade (e a capacidade de ter sustento próprio). Entretanto, nem todas as
deficiências tinham a mesma definição; certos distúrbios estigmatizados,
transtornos mentais e doenças infecciosas às vezes não eram considerados
merecedores de assistência, e pessoas com essas deficiências sofriam
discriminações.

Cem anos depois, na década de 60, o programa de concessão de benefícios da
Previdência Social procurou dar apoio a um grupo de pessoas muito maior que
vivia em condições de pobreza e àqueles com deficiências. Mas esses programas
continuavam com a forma tradicional de avaliar uma pessoa por sua capacidade de
se adaptar a um mundo criado para aqueles sem deficiência e de segregar as que
não tinham condições de participar de atividades normais. Tais serviços do
governo continuavam a atribuir juízo de valor às pessoas que recebiam benefícios
ou serviços.

Mudanças na atitude

Somente poucos anos depois, na década de 70, os portadores de deficiência
começaram a ser vistos como uma minoria na sociedade – um grupo cujos direitos
civis deveriam ser protegidos da mesma maneira que os de outras minorias que
pediam condições de igualdade. Esse modelo de direitos propiciou uma nova base
teórica para considerar uma estrutura fundamentada na inclusão, capacitação e
independência econômica das pessoas com deficiência. Os idealizadores dessa nova
visão logo perceberam que deveria haver leis que tratassem dos direitos e
preocupações desse grupo. Esse novo modelo promoveu a aprovação de leis que
garantiram o acesso ao voto, a viagens aéreas e à independência na educação e na
habitação, culminando com a Lei dos Americanos Portadores de Deficiência (ADA).
A ADA foi um reflexo das mudanças de atitude e, ao mesmo tempo, ajudou a
promovê-las, na medida em que se tornou referência legal nas discussões de
assuntos e casos relacionados.

Com o advento da ADA, as pessoas começaram a considerar não somente a construção
de prédios com arquitetura acessível, mas também formas de ajudar os portadores
de deficiência a se integrar com os outros e a participar mais ativamente de
todos os aspectos da vida. De ampla influência, a ADA trouxe conseqüências para
escolas, empresas, comunidades e instalações públicas; para todas as áreas do
governo; e para a saúde e os serviços sociais. Dentre as práticas decorrentes
dessa nova consciência estão algumas mudanças de terminologia: por exemplo,
referir-se a um indivíduo como uma “pessoa portadora de deficiência” em vez de
chamá-lo de “deficiente”; considerar as diferentes habilidades em vez de um
padrão de normalidade; e falar sobre alunos com “diferentes estilos de
aprendizagem”, e não com “deficiências de aprendizagem”. Ao mesmo tempo, há um
empenho consciente para expandir nossa definição de deficiência de modo a
incluir outras condições, como diferenças de aprendizagem ou de processamento de
informações, limitações físicas e outras que impedem alguém de participar de uma
atividade importante na vida.

Vários grupos e indivíduos trabalharam durante muitos anos para redigir a lei e
aprová-la. O prefácio da ADA estabelece as metas da nação para os indivíduos
portadores de deficiência, assegurando “igualdade de oportunidades, total
participação, sustento próprio e auto-suficiência econômica”. Quando o
presidente George H. W. Bush assinou a lei, em julho de 1990, ele chamou a
legislação de “uma reparação extraordinária não apenas para os portadores de
deficiência, mas para todos nós, pois junto com o valioso privilégio de ser
americano está o dever sagrado de garantir que todos os demais direitos dos
americanos sejam também preservados”.

O texto da lei é dividido em subcategorias chamadas títulos. Cada título é
numerado e trata de determinado assunto ou público-alvo e das proteções ou
direitos associados a esse grupo.

A ADA na prática

O Título I da ADA estabelece que é ilegal para a maior parte dos empregadores
privados discriminar um indivíduo portador de deficiência em qualquer momento do
processo de contratação ou do emprego. O Título II abrange a discriminação por
parte dos governos estaduais ou locais. O título III proíbe a discriminação em
locais públicos – hotéis, restaurantes, shopping centers e assim por diante. O
Título IV exige que as empresas de telecomunicações tornem seus serviços
acessíveis às pessoas portadoras de deficiência. Tive o privilégio de defender
indivíduos que estavam à frente do movimento a favor dos direitos dos portadores
de deficiência. As histórias que relato a seguir são sobre cidadãos que lutaram
para se tornar integrantes de uma sociedade igualitária.

Conheci Don P. e sua família em 1999 em uma oficina protegida em Wisconsin. A
oficina protegida propicia um ambiente que ajuda as pessoas portadoras de
deficiências físicas ou mentais a desenvolver habilidades profissionais e a
ganhar experiência de trabalho. Don é uma pessoa com pouco mais de 50 anos com
retardo mental. Ele trabalhava em um restaurante como porteiro. Seu desempenho
no trabalho era excelente e os colegas gostavam de trabalhar com ele. Um dia o
gerente regional fez uma visita ao restaurante e, ao ver Don trabalhando,
criticou o supervisor local por ter contratado uma “daquelas pessoas”. Após
retornar ao restaurante, o gerente regional demitiu Don depois que o supervisor
local se recusou a fazê-lo. O supervisor local e os funcionários do restaurante
demitiram-se em sinal de protesto.

No julgamento, com base no título I da ADA, a defesa do estabelecimento
argumentou que Don não estava qualificado para o emprego e que a companhia não o
discriminou. Em meu depoimento a favor de Don, falei sobre o estigma que pessoas
como ele sofrem no emprego. Não havia nada que depusesse contra o trabalho de
Don, ao contrário, a falha estava nas atitudes da gerência. O júri considerou
que o restaurante havia violado a lei e concedeu a Don US$ 70 mil como
ressarcimento e compensação por danos. Para deixar claro que a discriminação de
deficiências não seria tolerada, o júri concedeu a ele mais US$ 13 milhões como
indenização punitiva, a mais alta indenização monetária concedida por um júri a
um caso trabalhista da ADA até então.

O Título II exige que os serviços dos governos locais e estaduais sejam
acessíveis às pessoas portadoras de deficiência. Um item do Título II dispõe que
as entidades públicas conduzam programas em ambientes integrados. Em Olmstead v.
Zimring (1999), a Suprema Corte considerou o alcance desse mandato de
integração. Duas mulheres com retardo mental entraram com processo, com base no
Título II, alegando que o estado da Geórgia as havia descriminado por atendê-las
em local institucionalizado, e não junto com a comunidade. Os profissionais do
estado determinaram que o tratamento na comunidade (em uma unidade local, não em
uma instituição distante que exigisse que as mulheres tivessem de se afastar de
casa, da família e da comunidade) seria o mais adequado para suas condições
específicas, porém não havia disponibilidade. A Suprema Corte considerou que
isso era discriminação de acordo com a ADA e exigiu que o estado oferecesse
atendimento em áreas próximas.

No início da década de 90, assim como outros profissionais, eu participava de um
litígio para melhorar as condições das instalações estaduais para os portadores
de deficiência e, quando fosse apropriado, para dar aos internados a
oportunidade de viver na comunidade. Conheci Sara K. em 1991, quando ela estava
internada na unidade de saúde da Escola de Treinamento do Estado de Wyoming.
Sara tinha passado a maior parte de seus poucos anos de vida na unidade
hospitalar da escola de treinamento. Era uma menina de 10 anos, de olhar vivo e
temperamento esperto, com espinha bífida e outros problemas de saúde graves. A
decisão do caso foi que Sara deveria estar entre os primeiros a serem
transferidos para a comunidade. Os pais de Sara ficaram preocupados, o que era
compreensível, mas concordaram que ela deixasse o hospital para morar em casa. O
que se sucedeu foi uma história incrível. Sara adaptou-se à sua vida em casa e
se desenvolveu em salas de aula comuns. Poucos anos antes, Sara teria passado
toda a sua vida na escola de treinamento em uma cama de hospital de uma distante
região de Wyoming. Como resultado da mudança, ela passou a levar uma vida mais
normal, integrou-se com sua família, colegas de escola e a comunidade e foi
capaz de construir um futuro mais promissor.

Sara faleceu em janeiro de 2001. Tinha 15 anos. O diretor de programas
comunitários de Wyoming, Bob Clabby, escreveu para mim: “Tenho a forte sensação
de que a duração do tempo em que permanecemos neste mundo é menos importante do
que o que fazemos com ele; Sara inspirou muitas pessoas, especialmente você e
eu.”

O futuro

O modelo da ADA está dando resultados. De fato, está unindo países em todo o
mundo na busca de políticas para melhorar a vida de portadores de deficiência.
No terceiro trimestre de 2006, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Portadores de Deficiência, foi adotado um tratado internacional sobre os
direitos humanos dos portadores de deficiência no mundo todo.

Nos Estados Unidos, a ADA está ajudando a diminuir a discriminação e encorajando
os empregadores a fazer adaptações nos locais de trabalho. Em 2004, a Pesquisa
Harris sobre Americanos Portadores de Deficiência da NOD (Organização Nacional
sobre Deficiência) revelou que a porcentagem de pessoas com deficiência que se
queixavam de discriminação no local de trabalho havia diminuído
significativamente nos quatro anos anteriores. Os benefícios econômicos para as
empresas que empregam e fazem adaptações para funcionários portadores de
deficiências estão documentados.

O mandato de integração estabelecido pelo Título II da ADA alcançou milhares de
indivíduos. Em Tennessee v. Lane (2004), George Lane, portador de deficiência
física, respondeu a processo como réu em um acidente de trânsito. Ele teve que
subir dois lances de escada rastejando para comparecer à audiência judicial em
um edifício onde não havia elevador. Na audiência seguinte, recusou-se a subir
dessa maneira novamente. Entrou com uma ação para reivindicar seu direito de
acesso. Na sentença que o favoreceu, a Suprema Corte dos EUA declarou que o
Título II exige que os estados não discriminem os portadores de deficiência em
seu direito de acesso aos tribunais.

A premissa do Título III da ADA é direta e objetiva – shopping centers, centros
comerciais, escritórios comerciais e empresas como hotéis não podem discriminar
pessoas com deficiência. Locais com adaptações públicas para essas pessoas são
cada vez mais acessíveis. Uma questão atual com implicações de longo alcance é o
uso do Título III para assegurar a acessibilidade da internet; por exemplo, as
páginas da Web devem funcionar com programas leitores de tela utilizados por
deficientes visuais. Os sites da internet oferecidos por entidades públicas ao
público geral devem observar um conjunto de normas para serem qualificados como
acessíveis.

Chamei a atenção para os americanos portadores de deficiência e sua busca pelos
direitos civis – no passado, presente e futuro. Algumas posturas são difíceis de
combater, e hoje as pessoas continuam a lutar para acabar com o estigma da
deficiência, não apenas em ambientes profissionais e governamentais, mas também
entre colegas e até mesmo familiares.

Fui consultor jurídico adjunto em um processo de custódia entre os pais de dois
meninos pequenos, Mike e Sam. Mike tinha diagnóstico de autismo e freqüentava a
escola para atender às suas necessidades educacionais e sociais. Em audiência no
tribunal ligada ao processo de divórcio, o pai disse em juízo que acreditava que
o autismo de Mike estava prejudicando o desenvolvimento de Sam. Ele pediu a
custódia de Sam. O juiz atendeu ao pedido e as crianças foram separadas. A
decisão do tribunal de separar os irmãos foi baseada em um pressuposto não
comprovado do impacto negativo de se ter um filho com autismo na família. O juiz
não encontrou problemas na custódia da mãe, mas desprezou o direito de os irmãos
viverem juntos.

Recorremos contra a sentença dada pelo juiz e o Tribunal de Recursos da
Califórnia concordou com nosso posicionamento. A subseqüente reunião dos irmãos
Mike e Sam nos faz lembrar que os direitos dos portadores de deficiência
continuam a ter relação tanto com a luta contra o preconceito quanto com a
superação de barreiras físicas no mundo. Tenho certeza que alcançaremos as
aspirações da ADA. O modo como lidamos com essas questões é que definirá a vida
das crianças de futuras gerações que nascerem portadoras de deficiência.
Diferentemente das gerações anteriores, nossos filhos não conhecerão um mundo
sem a ADA, um mundo sem sua visão de igualdade. [http://bbi.syr.edu]

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