Durban: em busca da educação igualitária e inclusiva

A matéria abaixo, embora não identificada, é de autoria de Thaís Iervolino, que é a atual coordenadora do Grupo de Casais do CORSA. Neste texto ela mostra seu profissionalismo como jornalista sem perder sua sensibilidade para as questões sociais. Sou um dos entrevistados, no meio do texto. É parte do Boletim Quinzenal do Observatório de Educação da ong Ação Educativa.
Leiam, repassem, comentem…
Lula
Fonte: http://nsae.acaoeducativa.org.br/observatorio/faisca/faisca43.html

Durban: em busca da educação igualitária e inclusiva

Especialistas analisam os principais avanços a partir da conferência de 2001 e apontam algumas questões a serem tratadas no próximo encontro, em 2009.

Racismo, xenofobia, homofobia, sexismo. Essas e outras discriminações existentes em nossa sociedade acabam por gerar uma educação desigual e não inclusiva no Brasil. As ações e políticas educacionais, que deveriam contribuir para o enfrentamento do problema, são até hoje poucas e fragmentadas.

Para fazer com que a garantia da igualdade, o respeito à diversidade e o combate ao racismo deixem de estar apenas neste âmbito “superficial”, diversas ações são reivindicados por movimentos e organizações da sociedade civil e discutidos em eventos nacionais e internacionais.

Um deles foi a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, mais conhecida como Conferência de Durban, que aconteceu em 2001 na África do Sul, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e que terá uma nova edição em 2009 em Genebra. “Diferentemente das anteriores, em que se discutiu o apartheid na África do Sul, a Conferência de Durban tratou do racismo como um fenômeno existente em todas as regiões do globo. Teve o mérito de colocá-lo na agenda internacional no lugar que lhe cabe: como uma grave ameaça ao desenvolvimento, à paz, à estabilidade interna dos países e ao equilíbrio das relações internacionais”, afirma Edna Maria Santos Roland, brasileira que exerceu a função de Relatora do evento de 2001. Edna é psicóloga, presidente de honra da Fala Preta! – Organização de Mulheres Negras e coordenadora da Coordenadoria da Mulher e da Igualdade Racial da Prefeitura Municipal de Guarulhos.

Para preparar o encontro de 2009, diversos atores da sociedade civil das Américas estiveram no mês passado, junho, em Brasília para discutir e levar à Genebra as principais questões educacionais. O Encontro da Sociedade Civil precedeu a Conferência dos Governos que ocorreu nos dias 17 a 19 de junho na capital federal.

Racismo Educacional

Segundo Edna, não foi por acaso que o Brasil foi protagonista durante todo o processo da realização da conferência. “É o país onde provavelmente os impactos de Durban são mais visíveis. O evento ampliou as condições para que no Brasil fosse criada pelo governo Lula a SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade) Racial e mais de 40 universidades brasileiras adotassem programas de ação afirmativa”.

Denise Carreira, relatora do Direito Humano à Educação da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DhESCA), que participou da reunião preparatória da sociedade civil, também acredita que a criação da Seppir também foi um avanço resultado da luta do movimento negro e da Conferência de Durban. Ela destaca a criação das leis 10.639/03 e 11.645/08, que dizem respeito às questões étnico-raciais e dos povos indígenas na educação básica, respectivamente. Outros avanços foram o Prouni (Programa Universidade para Todos), que já beneficiou cerca de 400 mil estudantes, sendo que 12% deles são pretos e 32% pardos, e o monitoramento de alguns indicadores de desigualdades pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). “Mas ainda é muito pouco diante do imenso e histórico desafio”, observa Denise.

Para Edna, o principal desafio é a falta de legitimação das políticas de combate ao racismo e promoção da igualdade. “A igualdade racial não conta com o mesmo reconhecimento que a educação, a saúde, o trabalho, a segurança. Promover a igualdade racial ainda não é, de forma generalizada, critério de avaliação da qualidade das políticas públicas e dos programas de governo. Formadores de opinião, políticos, muitos pesquisadores ainda pensam que racismo e pobreza é a mesma coisa e, portanto, basta ter um programa de combate à pobreza que o problema está resolvido”, revela.

Educação colorida

Além da exclusão feita aos afrodescendentes, as injustiças da educação brasileira também atingem outros setores sociais, como mulheres, migrantes e imigrantes, povos indígenas e a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trangêneros), por exemplo. Segundo Denise, há falta de recursos, projetos fragmentados, muitas vezes com fôlego limitado para fazer com que as políticas educacionais relacionadas ao tema sejam efetivadas. “Os programas e projetos voltados para diversidade ainda sofrem de baixíssima institucionalidade. Precisamos de políticas de estado, sistêmicas e estruturais, com condições financeiras, técnicas e políticas de implementação”, ressalta Denise.

O filósofo, educador e diretor da organização Corsa (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor), Luis Ramires, mais conhecido como Lula, revela que houve avanços. “A educação formal, isto é, a que acontece nos sistemas escolares, não está desvinculada do resto da sociedade. Se é possível afirmar que muitas mudanças positivas ocorreram para LGBTs no Brasil nos últimos anos, esses novos ventos também estão soprando nas instituições de ensino”, diz.

Porém, segundo ele, pouco disso (ou quase nada) é conseqüência de iniciativas próprias dos gestores e profissionais de educação. “Pode-se dizer que o que existe hoje é totalmente incipiente, embora haja experiências muito importantes sendo conduzidas, principalmente em relação a educadores e educadoras”. Ele continua: “Não se observa, no entanto, de fato uma política educacional firme e decidida a enfrentar o preconceito que alunas e alunos sofrem diariamente por sua orientação sexual ou identidade de gênero quando esta é distinta do padrão heteronormativo”.

Ele conta que o grau de agressão verbal e mesmo física sofrida por estudantes gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais é ainda extremamente elevado. “No caso das travestis, a triste realidade é que continuam sendo as maiores vítimas da exclusão escolar e sequer temos dados que contabilizem estas perdas”.

Até o ano passado, o Ministério da Educação, por meio do Programa Brasil Sem Homofobia, apoiava iniciativa de organizações da sociedade civil que desenvolvessem capacitação junto a professores e professoras de combate à discriminação no ambiente escolar. “Mesmo em número reduzido – cerca de 30 projetos – estas ações são decisivas para o enfrentamento da violência verbal e física que ainda hoje tem a escola como palco. Mas o MEC, devido à sua falta de estrutura para a fiscalização das ONGs e em função de malversação de verbas ocorridas em outras áreas, interrompeu esta linha de financiamento passando a trabalhar exclusivamente com centros de estudos nas universidades federais”, afirma o diretor.

Comunidades tradicionais

Outro público discriminado pela educação pública brasileira são os povos indígenas e os quilombolas. De acordo com o levantamento da Fundação Cultural Palmares, hoje, existem mais de cem comunidades quilombolas, onde se localizam 364 escolas com 49.722 estudantes.

O decreto 4887/03, além de garantir às comunidades quilombolas a posse de terra, garante também o acesso a serviços como saúde, educação e saneamento básico. Porém, representantes destas comunidades presentes na reunião preparatória da Conferência de 2009, alertam que a educação pública de qualidade não está sendo garantida.

“É urgente que o governo crie condições legais para a construção de escolas públicas nessas áreas, contribuindo para o reconhecimento oficial, valorização e fixação destas comunidades na terra, muitas das quais em conflito com grupos de grileiros, latifundiários e outros que promovem a especulação imobiliária”, diz a carta que será levada à Durban. O documento diz ainda que “devem ser considerados os insumos necessários para a garantia do direito à educação pública de qualidade para essas populações, entre eles, o transporte escolar, alimentação escolar que respeite os hábitos alimentares das comunidades, o acesso a livros didáticos e paradidáticos etc.”.

Lideranças indígenas brasileira, também reivindicam as mesmas questões abordadas pelo documento. Além disso, destacam a importância de condições que garantam a implantação da lei 11.645, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da cultura e história dos povos indígenas na educação básica brasileira.

Leia a carta assinada por entidades da sociedade civil participantes do Encontro realizado em Brasília.

Contatos:

Edna Maria Santos Roland – psicóloga, presidente de honra da Fala Preta! – Organização de Mulheres Negras e coordenadora da Coordenadoria da Mulher e da Igualdade Racial da Prefeitura Municipal de Guarulhos. Ela também foi relatora da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas – (11) 9956-8944.

Lula Ramires – filósofo, educador e diretor do Corsa – Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor, entidade de defesa da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) que atua há 13 anos –
lularamires@terra.com.br.

Denise Carreira – relatora do Direito Humano à Educação da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DhESCA) – (11) 3151-2333.

Nilza Iraci – diretora do Geledés e membro do Comitê de Organização da Conferência da Sociedade Civil – (11) 3333–3444.

Valter Silvério – professor da federal de São Carlos e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – (16) 8147-4494.

Beto de Jesus – da diretoria da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) – (11) 8452-3335.

Antonio Carlos Malachias (Billy) – coordenador do Centro de Estudos das relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) – 8287-4767.

Vilma Reis – coordenadora do Ceafro – (71) 3321-2580.

Boletim quinzenal produzido pelo Observatório da Educação
Contato:
(11) 3151-2333, ramais 175 e 170
Equipe: Mariângela Graciano (coordenação) Marina Gonzalez, Hugo Fanton e Thais Iervolino (redação).


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