Gordon Porter e a Educação Inclusiva

Considerado o “pai” da Educação Inclusiva, Gordon Porter, esteve na Guarda, na passada Segunda-feira, para uma conferência integrada no ciclo “Ser Diferente”. Consultor, educador, pesquisador, Professor Assistente de Educação na Universidade de Maine em Presque Isle, o professor canadiano foi Director dos Serviços Estudantis na School District 12 em Woodstock. Foi também o principal responsável pela criação de programas escolares na área da educação inclusiva. Autor de vários livros que pugnam pela igualdade de direitos e oportunidades, Gordon Porter tem levado o seu trabalho ao mundo e
participado em inúmeras conferências sobre Educação Inclusiva. Foi o principal orador na Conferência Mundial da UNESCO sobre a Educação Especial em Salamanca. Pela segunda vez em Portugal, veio à Guarda revelar-se contra a segregação, contra as escolas de ensino especial e afirmar que Portugal é líder na Europa no que respeita à introdução de medidas de inclusão.

Terras da Beira- Como surgiu o interesse na educação especial, de tal forma
que o veio a tornar “pai” da Educação Inclusiva?
Gordon Porter- O meu interesse em termos de Educação Inclusiva surgiu,
primeiro, da necessidade de tornar as escolas mais completas, como um todo.
Depois, o interesse nos direitos humanos e no direito que todas as pessoas
têm de fazerem parte da sociedade. As melhorias que tornam as escolas
inclusivas também as tornam melhores escolas e tudo o que se faz nesse
sentido vem beneficiar também as outras crianças. Infelizmente as escolas
regulares tentam fingir que todas as crianças são iguais, ou então, pensam
que as que são diferentes devem simplesmente deixar a escola e fazer alguma
coisa mais prática. Temos que repensar o papel da educação na nossa
sociedade, que deverá ser benéfico e positivo para todos. A escola não deve
ser competitiva, deve servir de alimento. Não deve ser para alguns mas para
todos. Não podemos deixar que a educação pública seleccione os melhores e
exclua os outros. Adoptar uma filosofia de inclusão é uma mudança
fundamental e urgente na sociedade.
TB- No entanto, parece que Portugal está longe dessa mudança.
GP- Foi referido que Portugal está atrasado em cerca de 50 anos em relação
ao resto da Europa. Penso que isso não é verdade. Portugal pode não ser um
país rico e pode não ter um passado de investimento na educação pública como têm outras nações europeias, mas nesta altura e nesta área Portugal é líder na Europa.
TB- Mas é uma liderança pouco notória e muito lenta.
GP- Se calhar os portugueses é que não se apercebem das mudanças. A
liderança a que me refiro foi conseguida, gradualmente, através da tentativa
de fazer com que as escolas públicas comecem a trabalhar mais e as especiais
menos. Não tiveram o passo provocador de fechar de repente as escolas
especiais, isso poderia demonstrar coragem, poderia ser ousado, mas também
implicaria muitos riscos a longo prazo. Mas, o facto é que apenas duas mil
crianças estão nas escolas especiais em Portugal e estão gradualmente a
diminuir. Isto é um facto muito positivo porque as escolas regulares estão a
aumentar as suas capacidades à medida que isto vai acontecendo.
Mas isso não significa que não se possa fazer mais. Os professores e
directores das escolas portuguesas têm que ter maior capacidade de liderança
e coragem.
Portugal está, de facto, à frente de países como a França, Alemanha e
Holanda, onde ainda não foi adoptada a filosofia básica da inclusão.
TB- No entanto, em Portugal há algumas escolas que se intitulam inclusivas
mas têm somente alunos com necessidades especiais em classes especiais.
GP- Eliminar essas práticas deve ser o próximo passo no vosso país. Mas, uma vez que as crianças já estão numa escola regular, pelo menos já estão no
mesmo sítio que as outras crianças e a próxima mudança será menos difícil.
TB- É necessário intervir e sensibilizar mais os professores ou o Governo no
sentido de caminhar para uma verdadeira educação inclusiva?
GB- Penso que é mais necessário um forte movimento de pais. Estes precisam
de se ligar, de trabalhar juntos e desenvolver uma voz única e forte. Pelo
que me foi possível saber, essa é uma matéria que tem que ser reforçada em
Portugal. Depois, é necessário um trabalho muito profissional para partilhar
as melhores práticas entre os professores portugueses. Têm que discutir o
melhor método e a melhor forma de o pôr em prática. Para tal, é preciso
muito trabalho e muito investimento na formação. Não falo de um dia ou um
ano, mas formação diária nas escolas. É preciso muito trabalho para que os
professores mudem as suas práticas e deve haver muito investimento nisso.
TB- Para que a inclusão fosse, de facto, possível, seria necessária uma
grande mudança na sociedade. Quantos anos isso implicaria?
GP- Estas coisas acontecem de um momento para o outro, não penso que
demorará muito tempo. Acho que as pessoas e a sociedade começam a ser mais inclusivas e vêem as pessoas com necessidades especiais de maneira
diferente. As atitudes podem mudar muito rapidamente.
TB- Foi difícil e complexo no Canadá, em Portugal será mais difícil?
GP- Foi realmente difícil durante alguns anos. Em Portugal não tem
necessariamente que ser mais difícil, até porque já podem basear a sua
transição em experiências realizadas noutros países.
TB- O que é, afinal, a Educação Inclusiva?
GP- É crianças com deficiências irem às escolas públicas, estarem integradas
em classes regulares, com pessoas da sua idade, tal como os seus irmãos e
irmãs. Estar segregado não é natural. As crianças gostam de estar com outras
crianças e se o propósito da escola é preparar as pessoas para a vida depois
da escola, para a vida em comunidade, elas precisam dessa oportunidade.
TB- E o que é que isso exige dos professores, dos pais, dos directores das
escolas e, inclusivamente, das crianças?
GP- Exige empenhamento, dedicação. Acho que as famílias já estão a lidar com o desafio. Os professores e directores das escolas têm que começar a fazer o seu trabalho, ensinar todas as crianças, porque todas têm direito, e fazer a ligação com as suas famílias.
TB- E quanto às crianças?
GP- É um beneficio para elas, porque se tornam mais a par das diferenças,
mais sensíveis e mais preocupadas. Terão que ultrapassar preconceitos, é
certo, mas é fácil sensibilizar as crianças para este problema. Se calhar o
problema está mais nos adultos.
TB- Quais as melhores estratégias para os professores seguirem o modelo
inclusivo?
GP- Os professores têm que conhecer os seus alunos muito bem. Usar todos os diferentes talentos e inteligências, porque uma classe integra múltiplas
inteligências. Têm que saber que os alunos têm diferentes maneiras de
trabalhar e mostrar a sua criatividade, não é só o modo verbal ou
linguístico. O professor tem que estar muito mais aberto à diversidade e
aceitá-la.
TB- Muitas das pessoas que dirigem escolas especiais são pessoas realmente
dedicadas a estas crianças. O tipo de ensino lá praticado e os valores que
são transmitidos não serão também válidos para o seu desenvolvimento, apesar de não estarem incluídas numa escola regular?
GP- Eu penso que essas pessoas fazem o melhor que podem segundo o modelo que têm, e são certamente muito boas pessoas, com muito boas intenções. Mas também podem contribuir para que as escolas regulares façam um bom trabalho.
Não digo que essas pessoas não têm valor, mas acho que deviam unir esforços com as escolas regulares e contribuir com o seu conhecimento para uma sociedade mais democrática, onde não exista segregação.
TB- Definitivamente, as escolas especiais não são o melhor caminho para as
crianças?
GP- Escolas segregadas, nunca. Ninguém gostaria de ter um filho que fosse
enviado para escolas para onde os outros não querem ir.
TB- Foi referido na conferência que temos caminhado no bom sentido em
matéria de educação inclusiva, no entanto, um estudo realizado há pouco
tempo revelou que os jovens portugueses aceitam a segregação de pessoas com deficiências e a criação de mais escolas especiais. Não considera isso um
sério problema, que pode demonstrar que os dados apresentados não são um
espelho da realidade?
GP- Os jovens precisam de mais informação, talvez não tenham sido ensinados de outra maneira. Precisam de mais instrução. É necessário partilhar informação com eles, tal como quando fazemos acerca do tabaco ou da droga. Os jovens precisam aprender que a heterogeneidade e a diversidade é positiva, tal como deixar de fumar.
TB- Com a vertiginosa evolução da sociedade, que exige cada vez mais das
pessoas, especialmente a nível profissional, acha que algum dia haverá
realmente igualdade entre as pessoas?
GP- Espero que sim, gostava de acreditar nisso. Somos humanos, nunca
atingiremos a perfeição, mas penso que poderemos caminhar nesse sentido.
Todas as pessoas merecem fazer parte da sociedade e ser tratadas de igual
para igual.

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