Autor: Guga Dorea
O lançamento pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), no começo do ano, do resultado de avaliações realizadas para estudantes das redes pública e particular gerou um efeito perverso. O que se viu foram ares de perplexidade, preocupação e desolação com a queda de rendimento dos alunos tanto no exame de português e matemática, aplicado pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) em 2005, como no promovido pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no ano passado.
Segundo as primeiras explicações, estampadas às vezes sem critério nos jornais, o motivo dessas notas aquém do esperado pode ser a entrada de mais pessoas nas salas de aula no decorrer da década de 90, sobretudo no ensino público. Diante de um quadro como esse, especialistas da educação já afirmaram categoricamente que aumentou a quantidade e caiu a qualidade do ensino ou que os alunos, recém-chegados ou não, estão abaixo da expectativa almejada
São inúmeras as teses defendidas. No entanto, algo em comum os une: há tempos que se reclama de uma inquietante crise nessa área, seguindo-se das perguntas “o que está acontecendo e o que fazer”? Pretendo então contribuir, tendo como referência a sociologia, para uma possível ação criativa em relação a um problema considerado por muitos com crônico. Mesmo diante de um diagnóstico de tal magnitude, buscarei demonstrar que o seu resultado puro e simples não passa de uma estatística fria e estanque.
Em primeiro lugar, se estamos falando do aumento da procura uma das questões a ser debatida é o da inclusão escolar. Ora, se fomos pensar que o ensino tradicional sempre foi pautado no chamado aluno modelo ou ideal, ou seja, naqueles que supostamente acompanham a grade curricular da forma como ela é habitualmente transmitida, será que não estamos apenas mudando o lugar da exclusão?
Nessa direção, o professor tende a se preocupar somente em passar o conteúdo e depois aplicar a nota correspondente a partir de um pré-determinado Ideal a ser alcançado, igualmente por todos, em um tempo cronológico idêntico e linear. Em muitas ocasiões, não há sequer a procura por estratégias mais criativas para que o rotulado como atrasado possa chegar a esse conteúdo.
CONTRIBUIÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
No campo das Ciências Sociais, é possível realizar um paralelo entre a pesquisa microsociológica e a sociológica clássica positivista. Em linhas gerais, O positivismo tem como meta encontrar o que Durkheim chamou de “organismo social”, ou melhor, identidades fixas no interior de um modelo unitário.
Influenciando o nosso modo de ensinar até os dias de hoje, é o mesmo que tentar delimitar empiricamente quem alcançou ou não uma esperada forma homogênea de ser, que imponha regras coercitivas não levando em consideração as manifestações individuais inerentes às diferença humanas. A também conhecida macrosociologia lida essencialmente com categorias genéricas de pessoas. No caso do ensino, essa categoria pode se chamar “aluno”.
O objetivo da microsociologia é mostrar, ao contrário, que em cada “aluno” coexiste uma pessoa com sensações, percepções, necessidades e desejos que não se esgotam em uma identidade genérica. Trata-se, na prática, de uma série de variações dentro de uma suposta unidade.
Nesse sentido, a forma de avaliar ambos os exames teria, antes de tudo, que considerar uma composição de afetos que transbordam os critérios puramente estatísticos da análise de dados. Tanto as escolas, como as famílias dos que foram aquém dos requisitos pré-definidos, poderiam aproveitar o resultado não para catalogá-los como deficitários se comparado aos aprovados na prova.
Todo aluno, em uma sala de aula, trás uma realidade única em função de seus encontros, fora da escola, com outros seres e lugares. São marcas, muitas vezes, de discriminação e humilhação. Diante disso, o prioritário para a microsociologia é detectar o que Deleuze e Guattari chamaram de multiplicidade de fluxos, muitas vezes imperceptíveis na esfera macro, gerado no transcorrer dos encontros pai-filho, família-escola e professor-aluno, entre outras relações complexas e não lineares como é a nossa sociedade.
Desses encontros, estarão sendo engendrados modos de vida singulares que inclusive ultrapassam os limites do pedagógico. Não pretendo esgotar esse tema em apenas um artigo, mas é fundamental destacar: as notas reveladas pelos dois exames pouco ou nada dizem sobre a subjetividade de cada aluno avaliado e à qualidade do contexto social que eles estão inseridos.
Como a microsociologia trabalha com a idéia de heterogeneidade, é importante oferecer as condições básicas para que todos possam estar aptos a desenvolver seu potencial criativo, jamais deixando para segundo plano a intensidade dos diferentes afetos existentes em cada ambiente escolar e não mais tratando o aluno como um ser social genérico previamente definido. E aí todos podem ganhar. Retomarei esse assunto em outro momento.
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Sobre o autor:
Guga Dorea é Jornalista e doutor em Sociologia. Atua hoje em dia como professor de cursos de pós-graduação em Educação Inclusiva e do curso de especialização em síndrome de Down, organizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas (CEPEC), além de pesquisador e articulista nas áreas social, educacional e inclusiva. É também integrante do Instituto Futuro Educação, uma entidade sem fins lucrativos que tem como forma de atuação projetar e propor cursos, seminários e oficinas que abrangem desde a filosofia e a sociologia da diferença até a educação democrática e inclusiva. Contato: gugadorea@uol.com.br
Muito instigante o tema abordado e convidativo a se fazer uma aproximação do mesmo com a Psicopedagogia. Gostaria de indicação de bibliografias que me ausxiliassem a aprofundar mais o assunto.
Profesora/Psicopedagoga/Mestranda em Inclusão Social e Acessibilidade.