Andrei Bastos *
Embora não tenha sido a primeira vez que enfrentei dificuldades para estacionar em vagas reservadas para pessoas com deficiência, o diálogo que travei com o guardador na última vez revela incongruências que merecem reflexão e, claro, uma resposta imediata do poder público.
Quando outro dia fui ao Centro trabalhar, depois de umas três voltas pelas adjacências do escritório sem encontrar vaga de nenhuma espécie, percebi que um carro saía de uma vaga reservada para deficientes e, quase batendo em outro veículo, me postei com pisca-alerta para tomar seu lugar.
O automóvel que saía nem tinha adesivo indicativo de deficiência, mas isso é outra história – obviamente também cabe ao poder público mudar, coibindo tal transgressão firmemente, com multas e reboque. Para minha surpresa, um guardador devidamente uniformizado apareceu e me perguntou se eu tinha cartão de estacionamento, pois sem ele eu estaria sujeito a reboque e multa! De fato, na placa presa ao poste, como em todas as outras da cidade, está dito que o cartão é obrigatório. E é aí que o bicho pega.
Ora, se o que importa para o uso da vaga, em primeiro lugar, é a condição de pessoa com deficiência – que precisa de garantia para estacionar e acessibilidade -, isso já consta na carteira de motorista, ou em outro documento compulsório que faça prova da deficiência. Uma simples cópia pode substituir o cartão no pára-brisa do carro.
Se, em segundo lugar, o que existe é a necessidade econômica da gratuidade, é apenas isto que deve ser comprovado junto ao órgão fiscalizador do poder público, para uso de vagas reservadas ou não, cumulativamente à deficiência. Infelizmente, hoje e por muito tempo ainda, a maioria das pessoas com deficiência, mesmo as proprietárias de automóveis, vive em condições financeiras desfavoráveis e muitas usam veículos velhos como única possibilidade de locomoção diante da deficiência crônica do transporte público.
Se houver uma mudança, além de economizarmos dinheiro público e tempo dos barnabés, acabaríamos com a situação esdrúxula de pessoas como eu, sem uma das pernas, terem que comprovar numa repartição pública que não nos cresceu uma nova perna, o que, em outros termos, também se aplica às outras deficiências, pois mesmo as impossibilitadas de dirigir, como os cegos, por exemplo, podem adquirir ou ganhar um automóvel e disporem de condutores designados.
No final da história, como tirei o tal cartão logo que fiquei deficiente e nunca renovei, por falta de tempo e ojeriza ao burocratismo obtuso, não negociei com o guardador argumentos ou valores, o que possivelmente o motorista sem deficiência que saía fez. E fui embora com receio de reboque, multa e do guardador, perdendo meu dia de trabalho e, talvez, o próprio trabalho. Em outras palavras: para quê um cartão se minha deficiência já é obrigatória?
____________________
*ANDREI BASTOS é jornalista e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ.
Artigo publicado em O Globo, Opinião, 20/04/2010
Andre, infelizmente, essa tb é nossa realidade (Fortaleza-CE) – artigo “Deficiência obrigatória”. Já travei verdadeiro embates por conta dessa pouca ou nenhuma educação. E isso independe de classe social! Uma vergonha. O que costumo fazer é, quando vejo alguém estacionando, paro e espero para ver se a pessoa que dirige ou alguém que a acompanha tem alguma deficiëncia. É um tanto arriscado, por se tratar de brigas em tränsito, mas o constrangimento ainda é a única arma. Pergunto se a pessoa não se deu conta das sinalizações (ENORMES). O pior é que, na maioria das vezes, só escuto uma desculpa furada… Mas, continuo tentando. Abs e bom trabalho.