“Os professores precisam ser ouvidos”. Essa pode ser considerada a máxima do debate Valorização Docente no Brasil, que aconteceu na quarta-feira dia 9. O debate fez parte das atividades do lançamento da Vozes da Educação – Rede pela Valorização d@s Docentes Latino-american@s.
Os debatedores apontaram que os professores não são ouvidos nem para a elaboração de políticas públicas, nem como fontes da imprensa sobre a educação, apesar de ser sempre apontado com o sujeito dos erros e acertos.“Vivemos no Brasil um momento grave de satanização e a santificação do professor. Satanização no sentido de que todos os problemas da educação recaem sobre o docente. Como se o docente fosse um profissional extremamente desinteressado, que não quer responder a metas. Por outro lado, o professor é santificado, como aquele elemento que mobiliza o aluno, que passa por cima das dificuldades e consegue dar conta”, afirmou Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.Álvaro Hypolito, professor visitante da UFMG, esteve no debate pela Rede Latino-Americana de Estudos sobre Trabalho Docente (Red Estrado), que coordena no Brasil. Como pesquisador, problematizou o desestímulo por parte de agências de fomento para pesquisas sobre a educação básica.
Respondendo a uma usual crítica, de que essas pesquisas “não interferem” nas políticas, afirmou “não é que a pesquisa não interfere. É que tudo o que dizemos não é ouvido, e os governantes surgem com propostas que ninguém sabe da onde saíram”.
Fala, Educador!
Daniel Cara lembrou que a nascente rede Vozes da Educação, tem ligação com a história da Lei da Mordaça e sua recente queda em São Paulo, e de como isso é importante para a valorização dos docentes. “A lei da mordaça é anterior ao período de redemocratização, que não permitia aos servidores públicos se pronunciarem sobre suas condições de trabalho”. A restrição ainda está presente em estatutos dos servidores públicos de diversos estados e municípios.
“[Na época] eu tive conhecimento que uma amiga que tinha uma classe de Educação de Jovens Adultos, lecionava para mais de mil alunos, e ganhava salário inferior a mil reais. E se não fosse essa mobilização da lei da mordaça, ela não teria tomado coragem de falar ao Valor Econômico sobre a condição de vida dela”, compartilhou.
Participaram também do debate os professores da rede estadual de educação de São Paulo Eduardo Amaral e Teresa Cristina Aliperti. O professor Eduardo, que leciona Filosofia, discutiu a origem da desvalorização no Brasil, visto que em algum momento da nossa história esse cargo foi respeitado. “Nós percebemos que talvez a crise não seja apenas dos professores que estão desvalorizados. Temos que pensar que a própria instituição escolar foi desvalorizada, perdeu seu lugar na sociedade, daquele lugar que era o trampolim para uma determinada função social”, explicou.
Por isso, ressaltou, a desvalorização dos professores coincide com dois momentos históricos: quando as mulheres entram nesse mercado de trabalho – como uma extensão do trabalho doméstico de cuidar das crianças –, e em um segundo momento, com a democratização da educação.
Ou seja, desvalorizou-se a educação quando ela passou a ser para todo o povo, e não apenas para as famílias ricas, explicou Eduardo. “Segundo momento foi depois que no estado de São Paulo, 1968, e depois no resto do Brasil, acabou o exame de admissão. Que era um verdadeiro vestibular aplicado a crianças de 10 anos. De cada três crianças, duas ficavam de fora. Mas a partir do momento em que a escola é democratizada para a camada que estava fora, o salário cai de novo”.
Teresa, professora do ensino fundamental, salientou que escolheu lecionar na escola pública porque gosta do que faz, mas que necessita ser reconhecida e valorizada para continuar. “Quando eu abro meu holerite eu penso: eu mereço isso? Eu quero ser valorizada. Até quando vou aguentar ser tratada dessa maneira, sendo culpabilizada por algo que eu não tenho culpa? Escolhi estar aqui por enquanto, mas até quando? Preciso ganhar salário suficiente pra eu me sentir gente”.
Condições para valorização
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), por meio do seu presidente Roberto Leão, defendeu a valorização dos profissionais da educação incluindo os seguintes pontos: condições decentes de trabalho, reconhecimento, formação inicial sólida. “E reconhecimento”, explicou Leão, “é carreira, condições de trabalho”. Em sua fala, mencionou que a questão salarial não é o único passo para a valorização, mas é um item indispensável.“Valorização para nós é isso: escola pública de qualidade, socialmente referenciada, e só com gestão democrática”. A gestão democrática, defendeu, é um exercício para a construção de um mundo menos autoritário, para plantar relações menos verticalizadas. “Que as pessoas possam ter opiniões políticas sobre o que vai ter influência na vida delas”.Leão e o pesquisador Álvaro criticaram “propostas neoliberais” para educação, aquelas baseadas em competição entre professores e alunos, e que tiram autonomia didática dos docentes. “Não se faz educação estimulando disputa entre os profissionais. Escola tem que ser construída democraticamente. Valorização é reconhecer trabalho intelectual do professor como alguém capaz de produzir aulas com o conjunto dos alunos”, disse Leão.
Já Álvaro, criticou o histórico dessas medidas: “há mais de 30 anos, 40 anos, que a lógica dos setores conservadores tem sido dar um choque de gestão, gerencialismo”, como se o problema na educação fosse um problema de gestão. E os resultados dessas políticas, salientou, são pífios. “Vamos deixar os índices dos economistas e pensar em outros índices”.
Fonte: Observatório da Educação