Por Ana Figueiredo *
“Lutemos por um mundo novo… um mundo bom que a todos assegura o ensejo de trabalho, que dê futuro à juventude e segurança à velhice.”
Charles Chaplin
Em agosto de 2014 Jéssica foi contratada para trabalhar no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – CONADE, que integra a estrutura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Ela já vinha prestando serviços voluntariamente nesse Conselho desde agosto de 2013, enquanto aguardava, nos primeiros meses desse período, a possibilidade de estágio e, após inviabilizada essa, passou a esperar o surgimento de uma vaga. Durante esse ano trabalhou em um turno, uma vez por semana, salvo nos dias em que aconteciam reuniões do CONADE e outros eventos importantes, ocasiões em que trabalhava, quando não estava em aula, nos dois turnos.
Esse foi um período muito difícil para Jéssica, como é difícil para os inúm
eros jovens que terminam uma fase de estudos e almejam seu primeiro emprego ou que, independentemente da conclusão dos estudos, simplesmente anseiam por trabalhar. Ela lidou com a ansiedade própria da situação, mas não desistiu. Mesmo diante da incerteza quanto à contratação, fez questão de manter-se como voluntária.
Sabemos que a inclusão das pessoas com síndrome de Down no mercado de trabalho ainda não é tão comum quanto desejamos. As barreiras atitudinais, erguidas na sociedade ao longo do tempo, são percebidas com frequência no dia a dia das pessoas com deficiência, especialmente intelectual. Esses obstáculos perversos obstruem efetivamente sua participação no mercado de trabalho, fortalecendo sua invisibilidade social.
Tais barreiras fazem parte de uma realidade triste e difícil de ser desconstruída, mas começamos a enxergar aqui e ali pequenas mudanças nesse quadro de exclusão e discriminação dessa parcela da população. Isso porque a sociedade, impulsionada pelos movimentos sociais e pelas famílias, tem, em alguns seto
res, avançado em relação a esse tema e se conscientizado de que não pode mais adiar a concretização dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência, entre os quais o direito ao trabalho.
Como decorrência dessa conscientização, gestores de alguns Órgãos públicos e líderes empresariais vêm decidindo ignorar o estigma disseminado em relação ao potencial desse grupo, propiciando-lhes chance de emprego, mesmo ante as vozes de negação da capacidade, mesmo ante os ecos das impossibilidades. Tais administradores têm se disposto a abraçar valores e princípios necessários à participação efetiva das pessoas com comprometimento intelectual no mundo do trabalho, bem como a reconhecer o potencial desses jovens e adultos, passível de ser revelado a partir do apoio e da interação dos atores que lhes cercam. Efetivamente esse contexto propicia a percepção da colaboração concreta dessas pessoas para o desenvolvimento da atividade institucional ou empresarial.
O Coordenador Geral do CONADE, Jorge Amaro, a Diretora do Departamento de Políticas Temáticas da SNPD, Laíssa da Costa Ferreira, e o Secretário Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Antônio José Ferreira, foram as pessoas que contribuíram, concretamente, para garantir à Jéssica o exercício do direito ao trabalho e, em última análise, o sentimento de dignidade e a alegria de se sentir realizada. Contribuíram, também, para que seus colegas tenham a experiência única de conviver com a diversidade e de valorizar as diferenças. Por essa contribuição, minha profunda gratidão! A perseverança, empenho e dedicação da Jéssica teriam sido inúteis se pessoas com a mencionada coragem, sensibilidade e disposição para mudar não tivessem cruzado seu caminho.
De outro lado, igualmente importante, para a dita evolução, é o empenho das famílias em propiciar aos seus filhos e filhas educação efetivamente inclusiva e possibilidade de profissionalização, conforme as habilidades de cada um.
Compartilho a vitória da Jéssica com aqueles que lutam pela inclusão plena de todas as pessoas com deficiência, na certeza de que esses veem nessa conquista – ao lado de outras que vêm sendo alcançadas em várias localidades do Brasil – não uma conquista individual, mas uma conquista de toda sociedade. Busco divulgá-la para motivar, estimular e incentivar ações semelhantes pelo nosso enorme país, que ainda dá os primeiros passos na inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho.
Nesse ponto não poderia deixar de fazer menção à Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down – FBASD, que há duas décadas inaugurou aqui a luta pela inclusão social e defesa dos direitos básicos das pessoas com esse comprometimento intelectual, pavimentando, principalmente por meio da contribuição na elaboração de políticas públicas, o caminho que a sociedade vem hoje trilhando.
Agradeço, ainda, as muitas pessoas que, de alguma maneira, tornaram mais esse sonho possível.
Minha especial gratidão também a Deus que renova em nós, a cada amanhecer, a certeza de que vale a pena perseverar na luta por um mundo mais inclusivo.
A simultaneidade dos fatores referidos é capaz de consolidar a esperança de que mais e mais portas de trabalho se abram, trazendo benefícios a toda a sociedade. Podemos ser, todos nós, operários da construção de um mundo verdadeiramente democrático, que visa garantir reais e iguais oportunidades de participação social a todos e todas, independentemente das suas diferenças; que busca incluir todas as pessoas indistintamente da origem, religião, idade, condição, sexo e raça.
Podemos ser operários da Inclusão, da edificação de “um mundo novo… um mundo bom que a todos assegura o ensejo de trabalho, que dê futuro à juventude e segurança à velhice” (Charles Chaplin)
* Ana Cláudia M. de Figueiredo é mãe da Jéssica Mendes de Figueiredo, fotógrafa e Relações Públicas da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down – FBASD, e integra o Comitê Jurídico dessa Entidade.
Parabéns a Jéssica, um bleo e estimulante exemplo. Parabéns também à família.