Por Patricia Almeida

O Dia Internacional da Síndrome de Down acontece em 21 de março (21/3) de cada ano para valorizar as vidas das pessoas com síndrome de Down.
Neste dia, pessoas com síndrome de Down e seus aliados em todo o mundo organizam e participam de atividades e eventos para defender os direitos, a inclusão e o bem-estar das pessoas com síndrome de Down.
Mas você sabe como isso tudo começou?

O Dia Internacional foi instituído pela Down Syndrome International (DSi) em 2006 e o Brasil propôs o reconhecimento da data pela ONU em 2010.
Participei dos esforços para que o 21/3 se tornasse conhecido e celebrado em todo mundo. Vou compartilhar meu relato, de acordo com que vivi, citando fatos e pessoas importantes nesse processo, mas certamente há muitos outros fatores que complementam esta história.
Por que 21/3?
21 de março (21/3) se refere às 3 cópias do cromossomo 21 que as pessoas com síndrome de Down carregam em suas células.
Ideia
A ideia desta data surgiu na AFRT- Associação Francesa de Síndrome de Down e pelo Professor Stylianos Antonarakis, pesquisador sobre síndrome de Down, da Universidade de Genebra e associação suíça ART21.
Site
Em 21/3/2006, o Presidente da Associação de Síndrome de Down de Cingapura, Balbir Singh, lançou um site e liderou o primeiro evento pelo Dia Internacional de Síndrome de Down, com o tema Sonhe Alto o Bastante.
Oficialização pela DSi
Em junho de 2006, na Conferência Internacional sobre síndrome de Down em Palma de Mallorca, na Espanha, o Presidente da Associação Asmino, Dr. Juan Perera, propôs que a DSi e a Síndrome de Down Europa adotassem a data.

Como o 21/3 se fortaleceu no Brasil?
Não foi fácil fazer o Dia Internacional da Síndrome de Down “pegar”. Já existiam várias datas comemorativas no mesmo dia, como:
– Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial
– Dia Mundial da Poesia
– Dia Mundial da Árvore/Floresta.
Mas não podíamos abrir mão da data 21/3 = 3 cromossomos 21!
A internet foi grande aliada para tornar a data conhecida.
Grupos nacionais
Minha filha, Amanda, nasceu em 2004. Nos anos 2000 ainda não existiam Facebook, Instagram, nem Twitter. Havia alguns blogs, foto blogs e o Orkut. Através do Orkut, descobri as listas de discussão separadas por assunto no Yahoo, o YahooGroups. Uma das maiores a nível nacional era o grupo Síndrome de Down, moderado por Fabio Adiron, de SP.
Através deste grupo, tive conhecimento de uma outra lista internacional, a Downsyn. Através dela fiz contato com ativistas de outros países e fiquei sabendo da existência da Down Syndrome International, organização criada em 1993, que congrega associações de síndrome de Down de todo mundo. Hoje a DSi tem membros em 113 países.
Em 2003, Andrea Barbi, Helena Lemos, Maggie Nostripe, Beth Lucchesi, Sandra Mansueti, Karen Miranda, Marcelo e Andrea Caiado e Audrey Bosio criaram o grupo HappyDown, também no Yahoogroups.
Calendário HappyDown
Em 2006 o HappyDown começou a criar calendários para aumentar a visibilidade das pessoas com síndrome de Down.O projeto, que durou até 2014, cresceu e tomou corpo, atraindo artistas para a causa e publicação das fotos em jornais e revistas, como a Caras.



Grupos locais
As listas nacionais eram ótimas para troca de informações, mas para:
– promover encontros
– buscar referência de profissionais
– pressionar autoridades locais pela implementação de políticas públicas
era importante a criação de grupos locais.
Em alguns municípios e estados havia associações, e, a nível nacional, a Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down, criada em 1995.
Eu sou carioca e quando minha filha nasceu morava em Brasília. Criei os grupos RJDown e DFDown no Yahoogroups e convidei as pessoas que frequentavam outras listas para participarem.
Fiz a primeira reunião presencial do DFDown em 2005, na minha casa. Só compareceram a Liane e a Marilei Collares.
A primeira reunião do RJDown foi na casa dos meus pais, no Rio. Tivemos uns 7 participantes entre pessoas com síndrome de Down e suas famílias.
E, desse jeito, começando pequenininho, os grupos locais de internet foram crescendo e se fortalecendo.
Ivy e Romário
Em 2005, o jogador de futebol Romário, conhecido internacionalmente, teve uma filha com síndrome de Down, a Ivy. Num jogo de futebol internacional, ao fazer um gol, exibiu uma camiseta com os dizeres “Tenho uma filhinha Down que é uma princesinha”.

https://www.upsideofdowns.org.uk/index_files/Page1373.html
Novela
A síndrome de Down começou a despertar mais atenção no país. Em 2006, Joana Mocarzel, que tem síndrome de Down, desempenhou o papel da menina Clara na telenovela Páginas da Vida, da TV Globo, que fez muito sucesso,
Ela foi a primeira atriz com deficiência a tomar parte como protagonista de uma novela no Brasil.
A participação foi conseguida a partir de articulações de pessoas e organizações como o Instituto MetaSocial, hoje associado à Federação Down.

Em 1998, o MetaSocial começou a produzir diversas ações e vídeos, produzidos por agências de publicidade de destaque, pela inclusão das pessoas com síndrome de Down incluindo a campanha “Ser Diferente é Normal” que ficou conhecida nacional e até internacionalmente. A associação italiana Coordown, hoje responsável pelos vídeos premiados do Dia Internacional da Síndrome de Down afirma que se inspirou nos vídeos do MetaSocial.

O autor de novelas Manoel Carlos teve a ideia do personagem com síndrome de Down para Páginas da Vida após ver o documentário “Do Luto à Luta”, de Evaldo Mocarzel.

Após um teste com várias meninas, a filha do cineasta foi escolhida para a trama e se mudou de São Paulo para o Rio de Janeiro para trabalhar na novela.

Joana Mocarzel e Regina Duarte em Páginas da Vida. (Imagem: Divulgação / Globo)
A novela tornou-se um marco no movimento pela inclusão das pessoas com síndrome de Down mostrando a todo país que crianças com deficiência deviam ser tratadas como as outras, e frequentar a escola regular junto com colegas de sua geração.
Exibida em outros 66 países, a história promoveu conscientização por onde passou.
Escrevi um artigo sobre a novela “Pages of Life: Using a Telenovela to Promote the Inclusion of Students with Disabilities in Brazil” (“Páginas da Vida; Usando uma telenovela para promover a inclusão de estudantes com deficiência no Brasil”), no livro “The Routledge Companion to Disability and Media”, em 2020.
Lista de eventos do 21/3
Voltando a 2006, fiquei sabendo na lista internacional Downsyn, que a Down Syndrome International havia instituído o 21/3 como Dia Internacional da Síndrome de Down. Achei uma grande sacada – ajudava até as aulas de ciências! Como jornalista, sabia como a imprensa gostava de uma “efeméride”. Daí comecei a campanha para trazer o 21/3 para o Brasil, abrindo caminho para dar mais visibilidade às pessoas com síndrome de Down, seus direitos e anseios.
Para animar as pessoas a organizarem eventos pelo 21/3, anualmente eu mandava mensagens para os grupos meses antes informando o assunto escolhido pela Down Syndrome International para a data e convocando as pessoas a se reunirem localmente, por menor que fossem os eventos.
Valia picnic, audiência pública, caminhada, ou um simples encontro.
I Dia Internacional da Síndrome de Down
O primeiro evento para marcar a data foi realizado pelo DFDown na Universidade de Brasília. Foi exibido o documentário de Evaldo Mocarzel, Do Luto à Luta, seguido de debate com a participação de Liane Martins Collares e Melina Pedroso. O evento foi organizado por Cristina Madeira-Coelho, Patricia Almeida, Marilei e Edison Collares.

No Rio de Janeiro, o RJDown organizou palestra sobre síndrome de Down.
Em São Paulo, a Fundação Síndrome de Down, de Campinas também marcou a data com um evento.
II Dia Internacional da Síndrome de Down
Em 2007, junto com o Instituto Meta Social, o DFDown colaborou na organização do primeiro evento pelo 21/3 no Senado Federal, organizado pela Chefe do Cerimonial, Monica Freitas, com colaboração de Tatiana Mares Guia, a presença de Romário, a filha Ivy e sua mãe, Isabella.
Na época a novela Páginas da Vida estava no ar. Atores da novela, inclusive Joana Mocarzel, que viveu a menina Clarinha, foram ao Senado.

Andrea Barbie e Audrey Bosio, do Happydown, lançaram a Turma da Clarinha, primeiros bonecos com síndrome de Down industrializados no mundo, vendidos em grandes lojas. A boneca Clarinha entrou para o Museu dos brinquedos.

Ao abraçar a data, Romário também trouxe muita visibilidade para a causa.

Com direito até a escalada no Jornal Nacional, praticamente toda mídia impressa e televisada no Brasil e em outros países deu destaque ao Dia Internacional da Síndrome de Down.



III Dia Internacional da Síndrome de Down
A partir de 2008, os eventos começaram a se multiplicar. O RJDown realizou a primeira CaminhaDown na praia de Ipanema.

Veja aqui: https://www.metasocial.org.br/c%C3%B3pia-oi-eu-estou-aqui
Eventos pelo 21/3 se espalham pelo país
A cada ano os eventos pelo 21/3 se multiplicavam pelo Brasil. O ápice das comemorações aconteceu na Câmara dos Deputados, em 2010, quando pela primeira vez autodefensores da Federação Down, à época presidida por Claudia Grabois, subiram à tribuna da Casa para externar aos parlamentares suas necessidades, anseios e sonhos.

Imagem: Agência Câmara
21/3 na ONU
Logo que criou a data, a Down Syndrome International solicitou à ONU a inclusão do 21/3 no calendário da entidade, mas obteve a resposta de que já havia um Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (3 de dezembro), e todas as pessoas com deficiência estavam incluídas nesta data.
Ocorria que, apesar da negativa da ONU, o Dia Internacional do Autismo (2 de abril), foi adotado em 2007, portanto muitos anos depois do Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, instituído em 1992. Havia, dessa maneira, uma brecha para atuarmos.
Entrei em contato com a Down Syndrome International e me ofereci para tentar outra estratégia.
Para que uma data se tornasse internacional, um país membro das Nações Unidas precisava apresentar um projeto de resolução. Junto com a Federação Down, à época presidida por Lourdes Marques, pusemos o plano em prática.

Imagem: Palácio do Planalto
Contando com apoio do então Deputado Romario e do então Senador Lindbergh Farias, também pai de uma menina com síndrome de Down, em 2009, a Federação iniciou os esforços para que a Missão do Brasil junto à ONU em Nova York propusesse à Assembleia Geral da ONU o 21/3 como Dia Internacional da Síndrome de Down para que todos países membros terem a oportunidade de marcar o dia anualmente.
O senador Lindbergh apresentou projeto de lei no Senado para que a data fosse adotada nacionalmente, lei que só foi aprovada em 2020. Em 2010, a FBASD reforçou a investida enviando carta ao Ministério das Relações Exteriores e às comissões de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, solicitando que o Brasil propusesse que a data fosse oficializada na ONU.
Ao mesmo tempo, a Down Syndrome International convocou suas associadas para que pedissem o apoio de governantes de todo o mundo para fortalecer o pleito. Foi lançada uma petição internacional para recolher assinaturas pela aprovação.

https://www.ipetitions.com/petition/worlddownsyndromeday
Em 19 de dezembro de 2011, com copatrocínio de 78 países, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas adotou resolução estabelecendo o dia 21 de março (21/3) como o Dia Internacional da Síndrome de Down, começando em 2012. Depois deste feito, a Down Syndrome International me convidou para fazer parte de seu conselho, onde permaneci até 2020.

Imagem: Arquivo pessoal.
Patricia e João Lucas Almeida no dia da aprovação da resolução pelo 21/3.
O Presidente da Down Syndrome International, Pat Clarke, agradeceu a liderança do Brasil nos esforços para que o 21/3 entrasse no calendário oficial da ONU.
Primeira Conferência do Dia Internacional da Síndrome de Down na ONU

Imagem: Antonio Augusto Chaves Arruda
A primeira conferência do Dia Internacional da Síndrome de Down na ONU, que aconteceu em 21 de março de 2012, foi presidida por mim e aberta pela cofundadora da Down Syndrome International, a australiana Penny Robertson, e sua filha Shonda.

Imagem: Antonio Augusto Chaves Arruda
Com o tema “Construindo o nosso futuro”, todas as mesas tiveram participação de palestrantes com síndrome de Down de todo mundo.

Imagem: Antonio Augusto Chaves Arruda
O Brasil foi fortemente representado na Primeira Conferência do Dia Internacional da Síndrome de Down na ONU. Jovens da Associação Carpe Diem de São Paulo, foram convidados para lançar o livro de sua autoria “Mude o seu falar que eu mudo o meu ouvir”, um guia de acessibilidade na comunicação para pessoas com deficiência intelectual. A publicação foi a primeira no gênero de que se tem notícia no mundo, com versões em português e inglês.
Thiago Rodrigues representou o Brasil.

Imagem: Antonio Augusto Chaves Arruda
Também foram apresentadas na conferência ações pela promoção da inclusão em parceria com a mídia em comerciais e novelas, entre outras, do Instituto MetaSocial, da campanha Ser Diferente é Normal.

Imagem: Antonio Augusto Chaves Arruda
Duas repórteres brasileiras cobriram o evento – Fernanda Honorato, do Programa Especial e Tathi Piancastelli, do programa Ser Diferente.

Imagem: Antonio Augusto Chaves Arruda
O evento foi organizado pelas Missões do Brasil e da Polônia junto à ONU, pela Down Syndrome International, Secretariado da ONU para a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e UNICEF, com a colaboração da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD), Down España, Down Syndrome Research and Treatment Foundation (DSRTF), National Down Syndrome Center (NDSC), National Down Syndrome Society (NDSS) e Special Olympics.
A partir de 2012 a Missão Brasileira junto à ONU em Nova York tem organizado os dias internacionais da Síndrome de Down todos os anos, com a colaboração da Down Syndrome International e da Federação Down.
A partir de 2017, a Missão brasileira da ONU em Genebra também começou a promover eventos para marcar a data no Conselho dos Direitos Humanos.

Em 2018, Samuel Sestaro representou a Federação no evento pelo Dia Internacional em em Genebra.

Em 2021, durante a panemia, Vinicius Streda, autodefensor da Federação Down fez apresentação virtual no Dia Internacional da Síndrome de Down na OEA, Organização dos Estados Americanos.
Alguns Palestrantes brasileiros na ONU NY
Tathi Piancastelli 2013

Breno Viola 2013

Debora Seabra 2014

Liane Martins Collares 2022

A cada ano cresce a participação do Brasil no evento e o protagonismo dos autodefensores com síndrome de Down em todo mundo.
Confira a delegação que participará em 2025 na ONU em NY e Genebra: https://inclusivenews.com.br/?p=34529
No Brasil e nos 193 países membros da ONU há celebrações, caminhadas e eventos para marcar a data dando oportunidade a pessoas com síndrome de Down e seus aliados de avançar rumo à inclusão de todos.
É dia de celebrar a vida das pessoas com síndrome de Down e também uma ótima oportunidade de lutar pela garantia de direitos.

Junte-se a nós para promover a inclusão de todos no Dia Internacional da Síndrome de Down!
- Patricia Almeida é jornalista, mestre em Estudos da Deficiência, especialista em Linguagem Simples, cofundadora do Movimento Down e ex-membro do conselho da Down Syndrome International.