Por Patricia Almeida*
Parece que foi ontem que realizamos no Brasil o primeiro evento em celebração ao Dia Internacional da Síndrome de Down, instituído pela Down Syndrome International em 2006.
Foi num auditório da UnB, em Brasília, com a exibição do filme do Luto à Luta, de Evaldo Mocarzel, seguida de debate com a participação de Liane Martins Collares e Melina Pedroso.
(Quem tiver foto me manda, por favor, porque não consegui encontrar nenhuma!)
Até então, pessoas com síndrome de Down praticamente não eram protagonistas de eventos desta natureza, apenas falavam seus familiares, médicos e terapeutas. Nas poucas reportagens, só os “especialistas” eram entrevistados, nunca os maiores interessados.
O evento foi uma parceria do Programa de Educação Tutorial da Universidade de Brasília, Instituto Meta Social, da Campanha Ser Diferente é Normal e o grupo DFDown, que ainda não havia se tornado associação.
Naquele dia, Liane e Melina tiveram voz e vez.
Essa era a tônica do Dia Internacional – dar oportunidade às próprias pessoas com síndrome de Down de falarem por si e se autorepresentarem.
Veja a programação do evento em 2006: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/DocuMentdoLutaLuta.html
De lá pra cá, lá se vão 18 anos.
Na semana passada, o que se viu foi um espetáculo de representatividade.
Pessoas com síndrome de Down em todo mundo ocuparam a mídia, redes digitais, casas legislativas, palcos, estádios, praias, parques e a ONU.
A Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down nunca foi tão forte. Suas associadas e outros grupos realizaram centenas (talvez milhares?) de eventos em todo país e vários representantes estiveram na ONU em NY. Mais de 100 jovens e adultos com síndrome de Down participam dos grupos de autodefensores em todo Brasil.
Veja no Instagram do Grupo de Autodefensoria da FBASD: https://www.instagram.com/autodefensoria_br/
O vídeo “Assuma que eu posso”, da associação italiana Coordown, bateu o recorde de visualizações das campanhas anteriores. Há mais de 10 anos a Coordown, sob a supervisão de Martina Fuga, cria filmes para o Dia Internacional.
Até a atriz americana Viola Davis compartilhou o vídeo, que traz uma mensagem universal, como seguinte comentário “Eu não sou o que você pensa que eu sou. É você que pensa assim. As possibilidades de todo indivíduo são… ilimitadas.”: https://www.instagram.com/p/C4q36MEvxQ3/
Leia mais sobre as campanhas do dia 21/3 da Coordown: https://www.movimentodown.org.br/2024/03/campanhas-do-dia-internacional-da-sindrome-de-down-da-coordown-mais-de-10-anos-de-historia-e-quase-100-premios/
Papel do Brasil
O Brasil teve forte atuação para chegarmos a essa grande onda internacional.
Em 2009, a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, enviou ofício ao Ministério das Relações Exteriores pedindo que o Brasil apresentasse à ONU proposta para que o 21/3 entrasse para o calendário oficial das Nações Unidas.
O pedido foi reforçado à presidenta Dilma pelos senadores Romário e Lindbergh Faria, ambos pais de meninas com síndrome de Down.
Lindbergh, inclusive, apresentou projeto de lei para que a data fosse adotada nacionalmente. A lei acabou sendo aprovada apenas em 2020.
Já na ONU, em 19/12/2011, a iniciativa brasileira prosperou. Com co-patrocínio de 78 países, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas adotou uma resolução estabelecendo o dia 21 de março (21/3) como o Dia Internacional da Síndrome de Down, começando em 2012.
Saiba mais no link abaixo:
A partir desta data, a Down Syndrome International organiza, a cada 21 de março e com apoio do governo brasileiro, uma conferência anual na sede das Nações Unidas em Nova York, e no Conselho dos Direitos Humanos da ONU em Genebra, desde 2012.
Eu presidi a primeira, Conferência na ONU NY, “Construindo o nosso futuro”, dia 21/3/2012.
Veja a programação: https://inclusivenews.com.br/?p=21924
A Embaixadora Maria Luiza Viotti abriu os trabalhos. Ela foi fundamental para a aprovação da resolução do dia internacional. Na época, era a chefe da Missão do Brasil junto a ONU. Hoje a Embaixadora é a representante do Brasil nos Estados Unidos, em Washington.
Em todos os paineis havia pessoas com síndrome de Down de todo mundo como palestrantes.
Maria Alejandra Villanueva Contreras, do Peru, falou sobre como conseguiu garantir seu direito de votar em seu país.
Shona Robertson, da Austrália, contou sobre a experiência de sua educação inclusiva.
O americano David Egan compartilhou seu trabalho na defesa de seus direitos no Congresso dos EUA.
A espanhola Ester Nadal Tarrago apresentou o livro sobre a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência do qual participou.
O Brasil enviou uma grande delegação, com destaque para os jovens da Associação Carpe Diem, presidida por Gloria Moreira Salles, apoio de Nanci Costa e Juliana Barica Righini.
Foi no Carpe que nasceu um dos melhores livros que já li sobre síndrome de Down: Mude seu falar que eu mudo o meu ouvir.
Criado por Carolina Yuki Fujihira Ana Beatriz Pierre Paiva, Beatriz Ananias, Carolina de Vecchio Maia, Carolina Reis Costa Golebski, Claudio Arruda e Thiago Rodrigues, o livro foi apresentado na ONU por Thiago.
Saiba mais nesta reportagem da Rádio ONU: https://inclusivenews.com.br/?p=22255
Outra brasileira que falou na conferência foi Tathi Piancastelli. Ela fez uma reportagem para o seu programa de TV, Ser Diferente.
A repórter Fernanda Honorato também cobriu o evento para o Programa Especial, da TV Brasil em duas partes.
Veja:
Jason Kingsley, dos Estados Unidos, falou sobre seu livro, “Conte conosco: Crescendo com Síndrome de Down”.
Jason é filho de uma pessoa que não poderia faltar nesse dia histórico, a escritora Emily Perl Kingsley.
O texto de Emily, “Bem-vindo à Holanda”, destinado a quem acaba de receber uma pessoa com síndrome de Down na família, é um clássico que todos envolvidos com a causa já leram.
Leia o texto aqui: http://www.movimentodown.org.br/2013/07/bem-vindo-a-holanda/
Como eu, Emily estava muito emocionada, e disse que sempre esperou ver este dia, em que as pessoas com síndrome de Down fossem respeitadas e valorizadas.
Essa também foi a mensagem de Rosângela Berman-Bieler, brasileira que também participou do evento. Ela esteve por anos à frente da área da deficiência do UNICEF em Nova York.
Pois é. O Dia Internacional é sobre isso!
Veja as fotos da I Conferência na ONU do 21/3: https://www.facebook.com/media/set/?set=a.10150804213673668&type=3
Fotos: Antonio Augusto Chaves Arruda
No Brasil, em 2012
Enquanto isso, no Congresso Nacional brasileiro, neste mesmo dia também foi aberta a consulta pública para o protocolo de saúde para pessoas com síndrome de Down.
O portal de informações Movimento Down, do qual sou cofundadora junto com Maria Antônia Goulart, Bianca Soares e Christiane Aquino e Breno Viola como editor de conteúdo, também nascia naquele dia.
Celebração no Senado: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2012/03/21/senado-celebra-dia-internacional-da-sindrome-de-down
As conferências da ONU em Nova York e Genebra se tornaram importantes espaços para promoção de avanços na vida das pessoas com síndrome de Down em todo mundo.
No ano passado, por iniciativa do Brasil, a pedido da Rede-in, a Assembleia Geral adotou uma resolução para promoção da comunicação fácil de entender em todo mundo. Muito na linha que o livro dos jovens do Carpe levaram à ONU em 2012. O guia “Simples assim – Comunique com todo mundo”, ajuda a responder a essa necessidade na prática.
Saiba mais: https://inclusivenews.com.br/?p=32447
Baixe o Guia Simples Assim, publicado pela Fiocruz em português e inglês: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/59614
21 de Março de 2024
Corta pra 2024. Este ano, Tathi Piancastelli e Alex Duarte, do Cromossomo21, que organiza a Expedição21, e foi colaborador do guia Simples Assim, falaram na Conferência em NY sobre a importância do acesso à informação e à saúde de pessoas com síndrome de Down.
Tati falou sobre o Centro de Referência em Síndrome de Down, que conta com 28 profissionais especializados em síndrome de Down e funciona no hospital Público HRAN, no Distrito Federal.
Além de grande delegação, o evento da ONU contou com a presença de parlamentares brasileiros que apoiam a causa.
No Brasil, em março de 2024
No Senado Federal e na Câmara dos Deputados foram realizadas sessões solenes com presença maciça de pessoas com síndrome de Dowm.
Quem cantou o hino da abertura da sessão do Senado foi Gabriel Cheid.
Instagram: https://www.instagram.com/reel/C4yQ7-aOAfo/?hl=en
Aluno do curso de Comunicação Assistiva, Gabriel Lourenço Silva Camargo falou na tribuna sobre o capacitismo, e interpretou em Libras as falas do plenário da Câmara.
Fotos Geraldo Magela/Agência Senado
Enquanto isso, Alexandre de Figueira Paulino, fotografava
A primeira professora com síndrome de Down licenciada a ministrar aulas de zumba, Priscilla Mesquita, também esteve presente.
Veja em seu instagram:
https://www.instagram.com/p/C4x0vjFOJsd/
Veja as matérias:
https://youtu.be/bUc6JW8tCHM?si=5W_ayGcjgeKvBBir
Na Câmara dos Deputados, apenas pessoas com síndrome de Down ocuparam a mesa principal.
Dona Izabel Rodrigues da Silva, que é avó, mostrou o livro que a filha Cristina escreveu sobre a vida da família.
O casal de artistas e ativistas Samanta Quadrado e Breno Viola defenderam a inclusão na educação.
O jovem influenciador digital Jefferson Barcelos, conhecido como Pitoco, também participou do evento.
Fonte: Agência Câmara de Notícia
William Vasconcelos é a primeira pessoa com síndrome de Down a se graduar em Direito no Brasil., que agradeceu o apoio para acessibilidade que teve para completar o curso.
E a Diretora de Relações Institucionais da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, Liane Martins Colares, pediu apoio ao trabalho das organizacões ligadas à causa.
Veja as matérias: https://www.camara.leg.br/tv/1046974-camara-homenageia-dia-internacional-da-sindrome-de-down/
Oportunidade e visibilidade
Apesar dos avanços, estamos longe ainda de equiparar as oportunidades das pessoas com síndrome de Dow, oferecendo acessibilidade e, principalmente, acabando com o capacitismo, como afirma Lais Silveira Costa em artigo no Jornal O Dia:
“No final de 2023, em uma conferência dedicada a eliminar as barreiras à participação, um homem com síndrome de Down foi perguntado sobre o maior desafio que ele enfrentou em sua trajetória educacional; ele não hesitou: “A presunção de minha incapacidade. Ninguém achava que eu era capaz, que eu conseguiria”. Há dez anos, durante um Congresso Brasileiro sobre a síndrome de Down, um educador físico com SD narrou algo análogo: “É muito difícil trabalhar quando todo mundo espera que você não seja capaz de entregar o trabalho”. Adultos com SD falam do quanto são infantilizados e o quanto gostariam de ter o direito de namorar, casar e ter filhos, direito esse universal – inclusive quando a pessoa for curatelada –, mas que a família e cuidadores têm impedido com a conivência da sociedade.
Por essas questões é tão importante dar visibilidade à pauta dos direitos humanos da pessoa com síndrome de Down no dia 21 de março, e seguir atento nos outros dias do ano.”
Leia o artigo completo: https://odia.ig.com.br/opiniao/2024/03/6817284-marco-mes-de-luta-pelos-direitos-das-pessoas-com-sindrome-de-down.html
E assim vamos aproveitando a data para colher mais conquistas rumo à inclusão.
Uma onda que navega mais forte ou mais fraca, mas sempre vai pra frente.
As pessoas com síndrome de Down não vão mais para trás dos muros, para dentro das casa.
Porque este é seu direito. E porque não vamos permitir que esta onda volte.
O recado final, deixo por conta da repórter Fernanda Honorato, no programa Sem Censura.
Saiba mais sobre o Dia Internacional da Síndrome de Down e veja outros brasileiros que participaram das Conferências em Nova York e em Genebra.
Patricia Almeida é criadora da Inclusive News, coautora do Eu Me Protejo, cofundadora do Movimento Down, organizadora do Simples Assim. ex-conselheira da Down Syndrome International e ex-diretora de comunicação da Federação Down.