Carta Aberta ao Jornal Nacional – Associação Brasileira do Déficit de Atenção

Dr. Marco A. Arruda
Associação Brasileira do Déficit de Atenção

Não troco os dias de hoje de ampla, total e irrestrita liberdade de
expressão, por aquelas noites de um passado não tão distante em que nos
privaram do voto e da informação. É bom contemplar a parcela da imprensa
livre que traz numerosas contribuições para a sociedade, difunde ideias,
cobra transparência e ética, estimula a reflexão e leva o conhecimento
científico mais atual até o mais humilde e marginalizado cidadão. Por outro
lado é ruim ver prosperar uma outra imprensa, “filha de uma mídia”
inescrupulosa que usa os mesmos métodos daqueles tempos de escuridão para
distorcer ou ocultar a informação, satisfazendo sua insaciável fúria e
ambição em busca da audiência e do dinheiro certo do patrocinador. Nossa
moderna sociedade democrática, no entanto, já mostra sinais de impaciência e
indignação, não admite mais outros casos “Escola Base” e exige informação
baseada em evidências, além de uma legislação que regule o setor, impedindo
a exposição de nossas crianças ao apelo sexual e à mensagem subliminar e
massacrante de determinados veículos de comunicação de que “só vale a pena o
que dá prazer imediato”. Que tal discutirmos até que ponto modernas
pandemias infantis como a de obesidade, consumo de drogas, consumismo,
dificuldade escolar e inadequação comportamental derivam da inoculação dessa
mensagem travestida na mente dos nossos filhos? Com a revogação da antiga
lei de imprensa, remanescente da época escura, permanecem sem regulação
importantes questões como o direito de resposta, danos morais e a
responsabilidade de quem veicula a informação. Em mais um lamentável
episódio de desserviço dos meios de comunicação, vimos a reportagem do
Jornal Nacional do último dia 18 que anunciava o “crescimento assustador do
uso da droga da obediência”. Além da equivocada alusão à obediência, a
matéria prosseguiu crucificando o medicamento, priorizando “achismos” a
evidências científicas atuais e números isolados a teses bem sustentadas. No
desfecho a declaração desastrosa e irresponsável de uma pediatra, professora
universitária, sem experiência nem tampouco conhecimento notório em
Neuropsiquiatria Infantil, de que “não daria esse remédio” a uma criança.
Ignora ela o impacto que o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade
causa aos portadores, seus familiares e a sociedade como um todo, ignora ela
que menos de 1% dos portadores são diagnosticados e tratados em nosso país,
ignora ela a segurança de um medicamento que conta hoje com mais de
cinqüenta anos de idade e evidências científicas de eficácia e segurança.
Com uma semana da passagem do tsunami as perdas ainda são incalculáveis,
houve tempo para tranqüilizar muitos pais e portadores assustados com a
reportagem, mas, infelizmente, tenho certeza que uma quantidade muito maior
desistiu do tratamento, desistiu do seu médico e abandonou a medicação.

Carta Aberta ao Jornal Nacional do dia 18 de junho de 2009

A reportagem veiculada no Jornal Nacional, da TV Globo, representou mais uma
dentre as várias matérias recentes cujo conteúdo apresenta uma percepção
incorreta do Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH)
A ausência de vários pesquisadores por si só é bastante sugestiva. São
entrevistados alguns profissionais que emitem opiniões próprias, como se
elas fossem representativas de sua categoria. Ao contrário do que disse um
dos entrevistados, existe consenso entre médicos neurologistas,
neuropediatras, pediatras e psiquiatras que o TDAH frequentemente exige
tratamento medicamentoso. A opinião pessoal de um profissional, quando
oposta aos demais de sua categoria profissional, aos consensos publicados na
literatura científica e aos achados de pesquisa não apenas é irrelevante
como potencialmente danosa. Com o advento da moderna medicina, o que um
profissional “acha” sobre determinada doença ou seu tratamento não é mais
relevante: é necessário consultar os resultados de pesquisas científicas
realizadas por diferentes estudiosos, em diversos países, inclusive por
grupos que competem entre si. O nome disto é medicina baseada em evidência e
é improvável que jornalistas não conheçam isto.
Só há uma forma de se “averiguar” se determinada concepção é correta ou não:
através de pesquisa científica publicada em revistas especializadas. Os
estudos são revisados por pareceristas anônimos, também pesquisadores. Mesmo
após passar pelo seu crivo os resultados, por terem sido apresentados em
detalhes, podem ser criticados, novamente analisados e mesmo reproduzidos
(ou não) por outros. Por outro lado, como seria possível “averiguar” a
“opinião pessoal” de alguém? Será que os jornalistas realmente crêem que
“achismo” é relevante?
Seria oportuno que os jornalistas indicassem os critérios de seleção de
alguns entrevistados. Mas como tais critérios na mídia são obscuros, só
resta ao expectador consultar se os entrevistados que discorrem contra o
TDAH e seu tratamento, alguma vez na vida pesquisou ou publicou um artigo
cientifico sobre TDAH: basta consultar o site www.lattes.cnpq. br
Por que não entrevistam associação de portadores, como a ABDA? Não são
justamente os portadores e seus familiares os maiores interessados neste
assunto?
Entrevistar um único indivíduo que sofreu efeitos colaterais de qualquer
medicamento que seja é, na melhor das hipóteses, sinal de ignorância. Na
pior delas, sinal de má fé. Os brasileiros perderam um grande nome da música
popular por conta de uma anestesia. Isto significa que devemos abolir as
anestesias? Um dos medicamentos mais utilizados para dor e febre, vendido
sem receita médica e de uso infantil, é o acetaminofen, que muito raramente
pode levar a graves complicações hepáticas (no fígado), inclusive fatais.
Isto não significa que o medicamento deva ser proibido. Será que ensinam
matemática nos cursos de jornalismo? Mais ainda, não sabemos sequer se a
criança da reportagem de fato tinha TDAH, se foi diagnosticada por
especialista e recebeu prescrição de modo correto.
Por ultimo, enfatizamos que existem inúmeros estudos científicos
demonstrando que o TDAH, quando não tratado, se associa a várias
complicações: uso de drogas, mais fracasso escolar e mais repetência,
maiores índices de desemprego, maior freqüência de depressão e ansiedade,
mais acidentes automobilísticos e maiores índices de divórcio. Por este
motivo, agradecemos aos 3 profissionais que na entrevista discorreram de
forma correta, responsável e ética acerca do TDAH, a saber: Dr. Claudio
Costa, Dra. Claudia Machado e Regina Volpini.
Matérias jornalísticas têm elevado impacto na população, de modo geral.
Quando seu conteúdo apresenta inverdades ou promove o medo injustificado ao
tratamento de uma doença séria, faz grave desserviço ao país. Mais ainda,
quando sob uma falsa maquiagem de imparcialidade apresenta visões opostas
providenciando, entretanto que uma delas tenha destaque ou enorme apelo,
mesmo se sabendo infundada, infringe o mais básico dos preceitos do
jornalismo.
Associação Brasileira do Déficit de Atenção
www.tdah.org.br

Reportagem exibida no JN de 18 de junho de 2009
Quinta-feira, 18/06/2009
“Cresce assustadoramente o uso da droga da obediência”.
Clique na imagem para ver a reportagem no site da TV Globo.

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